A depuração da Europa - A Imigração Alemã - 7 de abril 2011

domingo, 31 de julho de 2011

Parte 5

D. Pedro I poderia ter dado continuidade à política de colonização em substituição da mão de obra escrava pela livre, iniciada por D. João VI. Mas a política de assentamento de colonos não estava em seus planos. Prevaleceu a improvisação, como foi o caso de Nova Friburgo, dando aos colonos alemães terras inférteis abandonadas pelos suíços, situação somente superada pelo esforço pessoal de cada uma das famílias de imigrantes. O Imperador tinha preocupações maiores e realmente muito mais importantes à época: a consolidação da independência do Brasil, preparando-se para um possível conflito contra Portugal, a guerra contra a Argentina na Questão Cisplatina e o movimento separatista das províncias do nordeste. O Imperador-soldado voltou sua atenção tão somente para os mercenários, não importando a sua origem. Essa atitude gerou um trauma na população brasileira refletida até o final do século 19. Assim escreveu um jornal de Nova Friburgo: “...o Brasil vai a vapor na via do progresso agrícola, começando pelo estado do Rio de Janeiro que nunca acaba de fazer experiências no ramo imigração (...) vai mandar proceder a mais rigorosa limpeza nas ruas dos países estrangeiros e transportar o lixo para este estado, onde chegara enfardado.” (O Friburguense, 5-12-1895). Era esse o sentimento dos friburguenses e dos brasileiros, ao final do século 19, em relação à maior parte dos imigrantes. Queixavam-se que recebíamos o “lixo” da Europa. Vigorava entre os brasileiros a máxima romana: hospes hostes — isto é, estrangeiros são inimigos. A Europa passava por uma crise de superpopulação. No plano econômico, os Estados Alemães ainda viviam, em linhas gerais, numa estrutura feudal, com exceção da Prússia. Recordemos que a Alemanha somente seria unificada em 1871. Antes disso, o território germânico era constituído por 39 Estados, divididos em diferentes reinos, ducados e cidades livres, que apenas tinham em comum a mesma a língua, o alemão, e a mesma cultura. Os Estados Alemães fizeram certa vista grossa sobre as ações de Schäffer em arregimentar mercenários, que era proibido. A contrapartida para essa indulgência foi obrigar Schäffer a levar cidadãos desocupados e criminosos dos Estados Alemães, como foi o caso do navio Germânia que despachou como soldados muitos presidiários de Mecklemburgo. Aliás, essa é uma prática muito comum na história da emigração na Europa. Portugal assim o fez em relação ao Brasil no período colonial, mandando a ralé lusitana para povoar a Colônia; a Inglaterra igualmente o fez quando colonizou a Austrália. Dos suíços que imigraram para Nova Friburgo, havia entre agricultores e artífices muitos criminosos que tiveram suas penas comutadas em degredo para o Brasil. Logo, era uma prática muito comum os países esvaziarem as suas prisões enviando a escória da sociedade, como colonos, às nações emergentes, constituindo uma política de verdadeira depuração nacional. Isso sem contar no envio de desocupados e mendigos que povoavam as cidades europeias, todas com excesso de população e que passavam fome e privações. Possivelmente, se Schäffer não tivesse aceitado incorporar entre os emigrados essa malta de criminosos e desocupados, dificilmente teria a liberdade de ação que teve junto aos Estados Alemães para contratar os mercenários de que carecia para formar o Regimento de Estrangeiros no Brasil.

D. Pedro I desejava soldados e não colonos. Esses soldados eram o que o Imperador necessitava para a Guerra da Independência, da Cisplatina e para sufocar rebeliões internas, pois quase todos os alemães daquela geração eram veteranos das guerras napoleônicas. No entanto, para cada grupo de soldados e oficiais vinha um grupo de colonos morigerados, mas também de criminosos, transformando-se esses últimos em um problema sério para o governo brasileiro. Os criminosos foram obrigados a assentar praça nas Forças Armadas, degenerando e contaminando o restante da tropa. A princípio, os brasileiros deveriam estar tecendo loas a esses mercenários alemães, pois abominavam o serviço militar, que retirava os braços do campo e viviam aporreados pelos oficiais. O recrutamento no Brasil não diferia das práticas dos europeus de apresar escravos na África, na base da violência e do engodo. Logo, por que os brasileiros passaram a hostilizar esses mercenários? Não faziam eles o que o brasileiro nato deveria fazer, servir às Forças Armadas de seu país, dar o seu imposto de sangue?

No papel de recrutador de mercenários Schäffer vinha contrariando o governo brasileiro. A título de disfarçar sua atividade ilegal, qual seja, de cooptar mercenários, proibido pelos Estados Alemães, estava trazendo colonos demais, o que não interessava ao governo brasileiro. Foram muitas as correspondências oficiais encaminhadas a Schäffer ordenando que trouxesse o mínimo possível de colonos e o máximo de soldados e oficiais. Mas a cada navio que chegava a proporção de colonos era grande, o que concorreu para a criação de inúmeras colônias de alemães pelo país. Nova Friburgo foi uma delas. Porém, entre os primeiros que chegaram ao Brasil vieram alemães morigerados, como veremos na próxima matéria — “A chegada dos Colonos Alemães a Vila Nova Friburgo”.

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Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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