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A costela de Adão
Cantagalo: berço do Centro-Norte Fluminense—Parte V
Como Adão deu a sua costela para criar Eva, Cantagalo deu parte de seu território para fundar Nova Friburgo. Foi o distrito de Cantagalo que D. João VI escolheu para abrigar a Colônia dos Suíços. A Fazenda Santa Cruz, no Rio de Janeiro, era igualmente cogitada, mas optou-se por Cantagalo, na vertente interior da Serra da Boa Vista, região serrana, tendo sido o clima, provavelmente, um fator determinante para abrigar a Colônia dos Suíços. A Gazeta de Lausanne escreveu que “o clima convém perfeitamente aos europeus”. O Rio de Janeiro era uma cidade insalubre onde epidemias grassavam, tendo sido descrita como o “túmulo dos estrangeiros”. D. João VI, possivelmente, temia que instalados no Rio de Janeiro, houvesse um alto índice de mortalidade entre os suíços e não iria arriscar um investimento de tal monta, como a implementação do núcleo colonial, havendo tal possibilidade. Em 1818, D. João VI nomeou para inspetor da colônia Monsenhor Pedro Machado de Miranda Malheiros, desembargador do Paço, que ficou autorizado a adquirir quatro sesmarias contíguas na Serra da Boa Vista. Duas dessas sesmarias haviam sido doadas a Manoel de Souza Barros e a José Antonio Ferreira Guimarães, em 1788 e 1791, respectivamente. A terceira sesmaria, limítrofe às duas primeiras, era a sesmaria denominada “Morro Queimado”, doada originariamente a Lourenço Corrêa Dias e depois alienada a Monsenhor Almeida. A quarta sesmaria era situada em São José do Ribeirão, sendo posteriormente adquirida a sesmaria de “Córrego d’Anta”, fazendo parte do patrimônio pessoal do monarca. Formavam o território de Nova Friburgo no início do século XIX, além da área atual (com exceção de Amparo), Sumidouro, parte de Teresópolis e de Bom Jardim. Essas sesmarias, como dito, foram outorgadas em fins do século XVIII, quando os Sertões do Macacu, o Centro-Norte Fluminense, vinha sendo ocupado em virtude da exploração do ouro nos rios da região. Nesse sentido, cai por terra um trecho do hino de Nova Friburgo “salve brenhas do Morro Queimado que os suíços ousaram varar”. Há pouco mais de trinta anos antes, a região já era habitada por portugueses, muitos provenientes de Açores e da Ilha da Madeira, e varada por mineiros, isso sem considerar que, na realidade, os primeiros habitantes foram os indígenas Coroados, Puris e Coropós.
Fundou-se a Colônia dos Suíços, distribuindo-se datas de terras aos colonos que para lá se dirigiram, objetivando-se que plantassem lavoura branca como milho, feijão, arroz, e igualmente mandioca, trigo, batata, fava, hortaliças, além da criação de animais como vacas, ovelhas, porcos, bois, cabras, galinhas, etc. Depois de cuidada da infraestrutura da colônia, D. João VI baixou o Alvará de 3 de janeiro de 1820 criando a vila de Nova Friburgo. Desmembrada de Cantagalo, com isso, o outrora Sertões do Macacu (Centro Norte-Fluminense) ficou dividido entre duas vilas: Cantagalo e Nova Friburgo. Era a primeira divisão territorial de Cantagalo. Durante o século XIX, outras divisões territoriais ocorreriam dando origem a Bom Jardim, Carmo, Sumidouro, São Sebastião do Alto, Itaocara, Macuco, Duas Barras, Santa Maria Madalena, Trajano de Moraes, etc, formando 14 municípios no Centro-Norte Fluminense.
Qual foi o impacto da implantação de uma colônia de suíços na região? No que concerne aos fazendeiros estabelecidos próximos ao núcleo colonial, provavelmente repercutiu de forma favorável. Não pela própria colônia em si, mas pelo fato de ter sido criada oficialmente uma vila. A ereção de uma vila dotava a terra de “justiças”, significava policiar a terra, porque a justiça de El Rei era distante, demorada e cara. Logo, a instalação da Colônia dos Suíços foi bem aceita porque terminava com as dificuldades enfrentadas pelos habitantes locais, antes de constituição da vila, que faziam enormes dispêndios para resolver problemas na Corte. Em O Friburguense de 1893, na matéria “Datas Memoráveis”, um interessante artigo do articulista José Antônio de Sousa Cardoso, coloca a data da fundação da vila, 3 de janeiro de 1820, e não a da criação da colônia, 16 de maio, como a data mais importante para Nova Friburgo.
De acordo com o articulista, 3 de janeiro foi o momento em que Nova Friburgo entrou para o mapa das poucas vilas que então existiam no Brasil, dando aos habitantes vantagens e regalias que até então não possuíam. Para gozá-los, tinham que atravessar as vastas serras e maus caminhos, afrontando grandes perigos, suportando inúmeros incômodos. Após a ereção da vila notou-se mais progresso no povoado, aumentaram as edificações e cresceu consideravelmente o número dos seus habitantes. Eis porque 3 de janeiro era uma data memorável para os friburguenses. Logo, a criação da colônia dos suíços deve ter sido bem-acolhida por fazendeiros locais, porque foi ela quem acarretou a ereção daquele território à vila, uma das poucas existentes no país.
Janaína Botelho é professora de História do Direito na Universidade Candido Mendes e autora do livro “História e Memória de Nova Friburgo”. historianovafriburgo@gmail.com

Janaína Botelho
História e Memória
A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.
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