16 de maio ou 3 de janeiro: uma discussão estéril?

sábado, 16 de maio de 2015

Na semana do aniversário de Nova Friburgo, a historiadora Janaína Botelho publica detalhes da história do município, desde a sua fundação, há 197 anos, até os dias atuais. Na última parte desta série especial a pedido de A VOZ DA SERRA, ela explica a eterna polêmica que envolve data de fundação da cidade. Confira.

-

Escrevendo uma coluna na semana do aniversário da cidade é dever de casa falar sobre esse acontecimento. Nesse sentido, é difícil de fugir da tentação e da provocação e não comentar que a celebração do aniversário se dá em uma data equivocada. Deveria ser em 3 de janeiro e não em 16 de maio. O bicentenário deveria ser comemorado a partir de 1820, e não de 1818. A data de 16 de maio de 1818 foi quando D. João VI assinou o decreto estabelecendo as condições para a recepção de colonos suíços do reino do Brasil. Já em 3 de janeiro de 1820, o rei criou uma sede administrativa desvinculada de Cantagalo para estabelecer a colônia. Mas o que tem o município de Cantagalo com essa história? D. João VI adquiriu quatro sesmarias, uma próxima da outra, na Serra da Boa Vista, que pertencia a Cantagalo, para fundar Nova Friburgo. Foi em 3 de janeiro de 1820 que essa circunscrição recebeu o “status” de termo, que corresponde ao nosso atual município. Estéril essa discussão? Pode ser, mas como diziam os antigos, “ao dono o seu”. Essa discussão foi colocada por ocasião do 150° aniversário da cidade. O Instituto Histórico e Geográfico foi consultado e deu parecer favorável ao dia 3 de janeiro de 1820 como data de fundação de Nova Friburgo. Porém, esse parecer não foi acatado e o dia 16 de maio foi consagrado como a data de festividade natalícia da cidade. 

Em fins do século XIX, a data de 16 de maio não era significativa entre os friburguenses, e sim, 3 de janeiro de 1820. Nesse dia, Nova Friburgo entrou para o mapa das poucas vilas que então existiam, dando aos habitantes vantagens e regalias que até então não possuíam. Outrora tinham que recorrer às Câmaras de Cantagalo ou de Santo Antônio de Sá (Itaboraí), conforme a matéria, e atravessar tortuosas serras e maus caminhos, afrontando grandes perigos, fazendo enormes dispêndios e suportando inúmeros incômodos. Daí a data de sua fundação ter recebido nome de rua: Rua 3 de Janeiro, atual Monsenhor Miranda. O termo de Nova Friburgo recebeu na ocasião uma Câmara Municipal, patrimônio próprio e os pelouros de justiça foram fincados na atual Praça Marcílio Dias, ou Paissandu, como quer o vulgo. Martin Nicoulin, historiador suíço que nos legou uma excelente obra sobre a gênese de Nova Friburgo, optou pela diplomacia. Escreveu que os habitantes de Nova Friburgo deveriam celebrar a sua fundação nos dias 17 e 18 de abril, a partir de 1820, conforme fez o povo da época se confraternizando pelo surgimento do termo.

Nova Friburgo não existia oficialmente em 16 de maio de 1818. Os suíços chegaram na Fazenda do Morro Queimado, que pertencia a Cantagalo. Um grupo político resolveu antecipar a data por ocasião do centenário do município. Os historiadores defendem a tese que isso teve como objetivo o de criar uma representação de suíça brasileira em Nova Friburgo. Faz sentido, pois como dito antes, em fins do século XIX o dia 3 de janeiro era a data festejada. Tentando compreender a mentalidade da época, a criação de uma vila para os fazendeiros na Serra da Boa Vista era muito mais importante do que o estabelecimento de núcleo colonial. A mão de obra que utilizavam era a escrava e não a livre, e nessa ocasião os escravos eram baratos. Há quem chame esse período de “escravidão miúda”, pois mesmo um indivíduo pobre poderia ter um escravo. Os fazendeiros beneficiaram-se muito com a criação da Câmara Municipal em virtude de seu poder contencioso. Além dos poderes Executivo e Legislativo, a Câmara poderia resolver autorizações para obtenção de sesmarias das terras devolutas regularizando as ocupações de terras abandonadas. Outrora, nos parece, teriam que se deslocar até a Vila de Santo Antônio de Sá (hoje Itaboraí) para resolver tal situação. Logo, festeja-se muito mais a oficialização do termo de Nova Friburgo do que o estabelecimento de um núcleo colonial. No entanto, um grupo, como no voto a bico de pena típico da República Velha, muda a cultura da época e estabelece que se deveria comemorar o aniversário da cidade não na data de sua fundação, mas da assinatura do contrato entre o reino do Brasil e a Confederação Helvética (Suíça). Novamente me questiono se é relevante questionar essa mudança, já que fazem parte da cultura atual os festejos no dia 16 de maio. Seria essa uma discussão estéril?

TAGS:
Janaína Botelho

Janaína Botelho

História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.