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Mury quer pertencer a Nova Friburgo - 16 de setembro.
No início do século XIX, foi criada a Vila de Nova Friburgo para abrigar uma das primeiras experiências encetadas pela Coroa Portuguesa de estimular a vinda de colonos estrangeiros ao país em substituição a mão de obra escrava. A região, que até então pertencia a Cantagalo, era povoada por fazendeiros luso-brasileiros e foi escolhida por suas condições climáticas e salubres para abrigar núcleos coloniais de suíços e alemães. Essas duas nacionalidades eram preferidas pela Coroa Portuguesa, principalmente os alemães, pela sua tradição na agricultura. Aos colonos foram distribuídas datas de terras no perímetro denominado de ‘Colônia dos Suíços’. A região de Mury estava compreendida na colônia. Plantava-se banana, batata, milho, inhame e hortaliças e os colonos possuíam alguma criação. A família Murith recebeu, por sorteio, um desses lotes. No entanto, a localidade só ficou conhecida pelo nome de Mury no século seguinte em razão de Luiz Mury, um comerciante de secos e molhados que conseguiu trazer uma estação de trem à localidade que passou a ser denominada de ‘Parada do Mury’.
No século XX, os agricultores de Lumiar e região produziam verduras e legumes como nabo, cenoura, couve, alface e batata inglesa, comercializando boa parte de sua produção em Niterói e São Gonçalo. No entanto, tinham que levar seus produtos até a estação de trem no centro da cidade, importando em enorme sacrifício e despesa aos agricultores. Luiz Mury, comerciante local, possivelmente descendente dos colonos suíços Murith, vendo a dificuldade dos agricultores da região, solicitou a Leopoldina Railway que construísse uma estação na localidade, doando inclusive o terreno para tal fim. Foi atendido criando-se a estação ‘Plataforma Luiz Mury’ em frente ao seu comércio, mas que ficou conhecida pela população como ‘Parada do Mury’, localizada na atual Av. Hamburgo. Mury foi ainda um bairro onde boa parte dos executivos alemães das indústrias que se estabeleceram em Nova Friburgo, a partir de 1910, escolheu para seus domicílios. Depois da Segunda Guerra Mundial, muitos alemães que imigraram para o Brasil igualmente passaram a residir em Mury, que quase teve seu nome alterado para Germânia, tantos eram os alemães que residiam no bairro. No passado, o bairro chegou ainda a abrigar algumas indústrias de alemães. Hans Garlipp, do Hotel Galipp, um dos mais antigos de Mury, veio para Friburgo como prisioneiro da Primeira Guerra Mundial. Era comandante de um dos navios alemães atracados no Recife, preso pela marinha do Brasil. Ficou no Campo de Internação do Sanatório Naval. Terminada a guerra, Hans Garlipp volta a Alemanha, mas devido a uma crise financeira em 1926, retornou no ano seguinte a Friburgo se estabelecendo definitivamente na cidade.
Até alguns anos atrás, Mury ainda era visto pela população friburguense como um bairro insular, isolado do cotidiano da cidade, até porque os moradores de Mury diziam que “iam a Friburgo”, como se não fizessem parte do município. Historicamente é um bairro negligenciado do ponto de vista administrativo por sucessivos governos municipais pelo fato de abrigar a maior parte de veranistas, não eleitores no município. No entanto, seus moradores pagam um dos mais altos IPTUs. Atualmente, apesar de Mury ser considerado um bairro de veranistas, a maioria é de friburguenses que já residem no local. A sociabilidade de seus moradores é o futebol no final de semana, no campo de futebol do bairro, a cerveja gelada nos botequins, as compras no mercado e as camaradagens fáceis e ligeiras da rua, nas conversas nos bares e padarias, como o Pão da Terra, já que o bairro não possui até hoje uma praça pública. Porta de entrada do município, abriga a melhor rede hoteleira e notadamente os melhores restaurantes de Nova Friburgo. Mury não quer ser mais o bairro ‘dos alemães’ e dos veranistas, como outrora. Quer ser um bairro que congregue toda a população local e adventícia. Mury é um bairro que oferece a hospitalidade ao turista, mas, no seu dia a dia, os seus moradores fomentam a atividade comercial dando dinamismo ao bairro. Por todas essas razões é que Mury não quer ser mais um bairro insular, gregário, uma ‘República de Weimar’, e quer merecer a atenção da administração municipal. Mury quer pertencer a Nova Friburgo.
Janaína Botelho
História e Memória
A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.
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