Espaços de sociabilidade: memórias

sábado, 31 de julho de 2010

Dando continuidade à matéria da semana passada sobre as memórias de algumas friburguenses, falarei sobre alguns espaços de sociabilidade. Na década de 40, do século XX, a Praça do Suspiro, espaço principal de sociabilidade de outrora, sai de moda. A Praça Getúlio Vargas passa a ser o passeio principal. Caminhava-se de um lado a outro, flertando com os rapazes, cuja troca contínua de olhares bastava para o compromisso de namoro. As mocinhas usavam indumentária simples. Sapato de salto alto e maquiagem, somente quando completassem quinze anos. A maquiagem da época consistia tão-somente em pó de arroz e batom. Depois do passeio pela praça, uma sessão no Cine Teatro Leal, que se localizava na Rua Augusto Spinelli, onde era o outrora Teatro D. Eugênia.

E havia ainda os bailes do Hotel Central que se localizava onde hoje é o edifício União, na Praça Getúlio Vargas. Ocorriam ‘bailes de gala’, recomendando-se trajes soirées ou ‘a rigor’. Aos domingos, o Hotel Central oferecia uma matinê onde se tomava um chopp e dançava-se ao som da vitrola. Havia uma ferrenha disputa entre os rapazes de Friburgo e os ‘de fora’, os veranistas. As meninas eram instruídas a não aceitarem uma dança com os veranistas e deveriam dizer que já estavam comprometidas. “Que patrulhamento!”, recorda-se Maria Luiza. O Hotel Central depois se tornou um cassino e passou a denominar-se Hotel Cassino Turista. Havia ainda o Clube Xadrez, localizado onde é hoje o edifício Spinelli. Da sacada do prédio do Clube Xadrez vinha um saxofonista que tocava o retumbante instrumento avisando que o baile já ia começar. O Clube Xadrez passou depois a funcionar em cima de uma confeitaria, onde hoje é a predial primus. Para um chá a Confeitaria Serrana e a Sorveteria Única. Uma mulher casada ou uma moça solteira nunca poderiam frequentar qualquer espaço público, mesmo nos locais mais respeitosos, sem uma companhia masculina. Outro espaço de sociabilidade era a estação de trem, apreciado rendez-vous da cidade. Todos os sábados, as moças dirigiam-se à estação para aguardar a chegada do trem das 18 horas. As moças iam ver os rapazes que chegavam à cidade e as toaletes das veranistas cariocas. “Eram todas muito elegantes, portando chapéus e luvas”. Mas que saudades do trem! Nas viagens de trem levava-se frango, farofa e sanduíches. Quando o trem parava no alto da serra, em Theodoro de Oliveira, no Posto do Registro, comprava-se banana ouro, que eram vendidas em cestinhos de bambu. De Friburgo a Niterói levava-se quase cinco horas. Os homens usavam guarda-pó, pois o trem soltava muita fuligem e fagulha de carvão. Já as mulheres, na maioria, não usavam guarda-pó, para não perderem a elegância. Apesar dos transtornos, como esperar no alto da serra para trocar a cremalheira, “a viagem era muito gostosa”, recordam-se. Quando foi que o trem deixou de circular em Friburgo? Foi na década de 60. Ficou um vazio na cidade. O apito trem regia o ciclo do dia das pessoas. Somente silenciava na Semana Santa. Neste período, em sinal de respeito, o trem passava silencioso. Nos anos quarenta, as ruas eram mais floridas, havia o coreto, o bolo de noiva, onde as bandas tocavam e as crianças dançavam de mãos dadas em volta do coreto. Quem não se recorda do vinho chamado Granjinelli da família Spinelli? No Sítio Santa Elisa, do senhor Raul Sertã, plantavam-se suculentos pêssego do tipo europeu, que eram vendidos na cidade. Já na Vila Amélia, peras e maçãs e caquis, no Tingly. E não podiam faltar os rebuçados de Lisboa. Nestes doces anos verdes da década de 40, era impossível imaginar que irrompia a Segunda Guerra Mundial. Entrevista: Maria C. de Souza, Maria Luiza C. Braune, Leyla Melo e Nelie da Costa.

Janaína Botelho é autora do livro O Cotidiano de Nova Friburgo no Final do Século XIX.

mjbotelho@globo.com

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História e Memória

A professora e autora Janaína Botelho assina História e Memória de Nova Friburgo, todas as quintas, onde divide com os leitores de AVS os resultados de sua intensa pesquisa sobre os costumes e comportamentos da cidade e região desde o século XVIII.

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