Três discos que dizem que você é obrigado a gostar

sábado, 30 de janeiro de 2016

Tem coisas que são, infelizmente, sacralizadas sem ter realmente motivos para isso. Um exemplo musical simples e que pode fazer com que eu perca muitos leitores é o fato de, até hoje, Roberto Carlos ostentar um título de rei e as pessoas se referirem a ele como um dos maiores cantores do país sem ele sequer chegar perto dos realmente grandes (chama o síndico!). Mas isso é assunto para um outro texto que, podem apostar, em breve virá.

Isso não ocorre só com o conterrâneo do Sérgio Sampaio que também é cantor. Muitos trabalhos de artistas realmente bons acabam sendo superestimados. Que fique bem claro: não que sejam ruins, mas as pessoas acabando tratando eles de forma como se fossem bons demais e acabando sendo, no fim das contas, álbuns que deixam a desejar e que no fundo, bem lá no fundo, não comunicam bem. Com isso, você acaba não se lembrando bem das músicas e geralmente não ouve os álbuns até o final, mas acaba se interessando porque, no fim das contas, é um clássico consagrado e, uma vez que é tão icônico, bem cotado e citado, você se sente na obrigação de ouvir e, o que é pior, de gostar.

Listei nessa edição só três desses discos que nos fazem sentir que temos a obrigação de gostar deles e dizer “pô, bicho, esse LP é espetacular, ouço direto” e, ao estilo Bela Gil, sugeri ingredientes que você pode usar para substituí-los quando for cozinhar sua discoteca essencial. 

Pet Sounds (1966) – The Beach Boys

Nunca consegui entender porbque as pessoas comparam tanto esse disco ao Sgt Peppers, clássico incontestável dos Beatles. Pet Sounds é um disco bonitinho e com músicas até boas, agradáveis. Mas as faixas por si só não se sustentam para a colocação que esse disco tem nas mais diversas listas ou para o frenesi que ainda causa nas novas gerações. Apesar de algumas inovações no estúdio, métodos de gravação e uso dos instrumentos, não é um disco tão fantástico assim, uma vez que saiu um ano após Rubber Soul e no mesmo ano de Revolver (Beatles), Fresh Cream (Cream), Fifth Dimension (The Byrds) e If You Can Believe In Your Eyes And Ears (The Mamas And Pappas).

Você pode substituir Pet Sounds por Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band (1967) – The Beatles, The Velvet Undergound And Nico (1967) – The Velvet Underground And Nico; ou Tropicália Ou Panis Et Circensis (1968), por exemplo.

Transformer (1972) – Lou Reed

Lou Reed é um cara muito bom. Uma das principais cabeças por trás do Velvet Underground, soube se assumir e arriscar muito na carreira, destrinchou uma poesia marginal sobre os Estados Unidos, ajudou a formatar o Glam Rock e ainda era um dos queridinhos do Andy Warhol. Ok, mas nada disso ajuda Transformer a ser melhor do que realmente é. Capa icônica, arte sincera e condizente com o conteúdo do álbum. Dentro do encarte, o disco que soa como restos do Velvet de uma forma mais estéril e menos ousada, com um formidável clima de cabaré. É um disco popular de Reed, mas que, como todos os outros discos do texto, possuem a fama maior que a qualidade. Falta em Transformer a garra que Lou Reed atinge com as canções nos ao vivo da época, músicas mais marcantes e ele realmente andar pelo “wild side”. Tirando “Vicious”; “Perfect Day” e “Walk At The Wild Side”, pouco ainda se aproveita desse “clássico”, importante para a carreira de Reed, com um clima bacaninha, mas que não convence. No meu celular, pelo menos, ele nunca ficou mais de um mês.

Você pode substituir Transformer por American Poet (2001) – Lou Reed; Horses (1977) – Patti Smith; ou Highway 61 Revisited – Bob Dylan, por exemplo.

The Wall (1979) – Pink Floyd

Não quero parecer extremista. Esse disco não é ruim. A questão é: não é nem um dos três melhores do Pink Floyd e já aconteceu de ser referido como a obra-prima da banda e, sempre que falam dele, o fazem parecer realmente melhor do que é. O grande problema da ópera rock do Pink Floyd é pecar por excesso: muita instrumentação, muito conteúdo em volta do álbum (o trabalho também se tornou filme e os concertos são, até hoje, verdadeiros espetáculos teatrais), além da duração, uma vez que é duplo. Canções ótimas estão presentes na obra  conceitual – que aborda muito bem temas como repressão, conflitos pessoais e frustrações da vida -- como “In The Flesh”; “Mother”; “Comfortably Numb”; e, tudo bem, vá lá, “Another Brick In The Wall Part 2”. Porém, ainda que lançado em 1979, o LP, que teve um conceito visual divino, já estava com os dois pés enterrados nos anos 1980. A maior prova disso é “One Of My Turns”, que parece propaganda de coletânea pop internacional. Fora isso, também dá para perceber os timbres dos instrumentos já se afastando de suas características nos anos de auge do grupo. É muito mais interessante ouvir algumas faixas de The Wall nos shows mais recentes de Roger Waters do que no álbum.

Você pode substituir The Wall por Dark Side Of The Moon (1973) – Pink Floyd; Tommy (1969) – The Who; ou The Rise And Fall Of Ziggy Stardust And The Spiders From Mars (1972) – David Bowie; por exemplo.

 

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