Nada a Perder: A construção do Mito

domingo, 06 de maio de 2018
Foto de capa

Uma das potências do cinema consiste em criar sua própria realidade para questionar e refletir sobre a nossa. No momento em que uma obra ficcional-narrativa tem como base os fatos, se supõe uma apresentação a partir da adaptação calcada no real intrínseco. Dessa maneira, nos deparamos com o filme Nada a Perder, de Alexandre Avancini, com roteiro de Emílio Boechat e Stephen P. Lindsey, uma cinebiografia autorizada do pastor evangélico Edir Macedo, fundador da Igreja Universal do Reino de Deus.

O filme tem como objetivo a construção do mito, que consiste numa narrativa fantasiosa, fantástica sobre a realidade e sobre o mundo, sendo ele o pastor referido. O mito, então, caracteriza-se, principalmente, por esse discurso imaginário e fictício de buscar explicações sobre os aspectos essenciais da realidade, no caso, o suposto chamado de Deus para ganhar almas em seu nome.

A conjuntura do filme está ancorada em frases de efeitos, por muitas vezes expositivas, com intuito de glorificar seu personagem em sua missão divina. As atuações ficam aquém, muito didáticas e pontuadas, a única atriz conhecida do grande público fica por conta de Beth Goulart. Por muitas vezes os diálogos não são naturais, mas feitos claramente para engrandecer a personagem principal e desconstruir a visão do mundo real.

O roteiro foi construído a partir da causa seguido de efeito, a personagem chega ao fundo do poço para que pudéssemos sentir simpatia por ela. Assim, se torna possível questionar e repudiar a suposta injustiça e, consequentemente, torcer pelo seu sucesso, pois o chamado de Deus tem que ser respondido contra tudo e por todos. A fotografia do filme chama a atenção, consegue utilizar a luz como engrandecimento da personagem principal e por vezes, dentro da igreja, temos planos cinematográficos muito bem enquadrados e belos.

A imagem do bispo está em cheque desde a fundação da igreja. O filme vem para desconstruir, principalmente, as acusações feitos pelo Ministério Público de São Paulo em 2011, sendo elas: lavagem de dinheiro, evasão de divisas, formação de quadrilha, falsidade ideológica e estelionato contra fiéis para a obtenção de recursos para a igreja. Uma instituição que gera dinheiro e não paga impostos se torna alvo quando se percebe acúmulo de riqueza pelos responsáveis.

No filme, a criação da igreja, programa de rádio e televisão são as respostas para o chamado de Deus, tudo com intuito de ganhar almas para o Senhor. O crescimento do bispo, seja financeiro ou como figura pública, soa natural, mesmo quando os “vilões”, o juiz, o padre e o senador, atuam contra suas ações.

Hoje, a Record TV criou a Record Entretenimento, com intuito de produzir suas novelas e filmes, sempre com viés bíblico para responder a mais um chamado de Deus. Com isso, acontece o fenômeno das salas de cinema lotadas ao redor do Brasil, mas ao entrar encontra-se menos de dez pessoas.

A equipe de A VOZ DA SERRA foi a sessões nas salas de Nova Friburgo e encontrou o mesmo cenário: a discrepância entre ingressos vendidos e a ocupação real. Aqueles que se dispuseram a dar entrevistas na entrada, disseram que ganharam ingressos em suas igrejas.

O filme já se tornou a segunda maior bilheteria do ano, com acúmulo de R$ 92,8 milhões em quatro semanas em cartaz, para um público de 8.842 milhões, segundo o site Filme B. Não foram divulgados o custo da produção do filme.

Para finalizar a trajetória de “sucesso” do filme com o público brasileiro, a Netflix adquiriu os direitos de exibição, segundo Flávio Ricco, colunista do UOL. Há indícios de que este seria o valor mais alto que o serviço de streaming já pagou por um filme de língua não inglesa. Somente três meses após a estreia ele irá direto para a Netflix, que terá licença de cinco anos da produção. A distribuição vale para todos os 190 países onde a Netflix está presente. Nada a Perder terá continuação e está prevista para estrear no início de 2019.

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