Alô, criançada! O Bozo chegou!

Ser criança nos anos 80 era viver sem a vigilância obsessiva dos pais, talvez o conservadorismo, mas isso tornou a geração livre ou apenas num estilo de vida imprudente?

As crianças passavam horas em frente à televisão assistindo o programa da Xuxa – inclusive eu –, uma febre, éramos hipnotizadas pelos desenhos e por uma loura de maiô mínimo. No outro canal existia outra loura, a Angélica, com seu Clube da Criança e saiais mínima para mostrar as pernas e sua pinta, a qual virou marca registrada em inúmeras bonecas. Lembre-se que os dois programas eram destinados ao público infantil.

Enquanto isso, no SBT, o emblemático Silvio Santos fez uma aposta: adaptar o palhaço Bozo de enorme sucesso nos EUA na televisão brasileira. Naquele momento se acreditava que um homem sem identidade poderia trazer a alegria pura às crianças durante quatro horas diárias, mas a história não foi tão bem assim. Aos poucos as crianças migraram de canal, o que tornou o palhaço no maior fenômeno do país, o programa número um em audiência. Não percebemos o quanto obsceno ele era e as inúmeras vezes que a cantora Gretchen foi ao programa mostrar a bunda e a calcinha. Detalhe: Palhaço Bozo foi inventado em 1949 por Harry Harmon.

Agora, os adultos, como eu, que vivenciaram o fenômeno Bozo, podem descobrir os bastidores de seu sucesso com o filme Bingo - O Rei das Manhãs; o filme não usou o nome e cores do programa por questões de direitos autorais. Vamos conhecer a história de Arlindo Barreto, aquele que transformou o palhaço em fenômeno, mas não foi o primeiro a encarnar Bozo. Filho de atriz e ele próprio um ator estudado, Barreto havia participado de algumas pornochanchadas, até que viu no palhaço a sua primeira chance real de protagonismo.

O filme é o primeiro longa-metragem de Daniel Rezende nos cinemas e conta a trajetória de Arlindo de antes de se tornar o palhaço, durante e depois, e sua vida caótica que o levou a depressão, as festas, orgias e drogas. Mas o diretor está longe de ser iniciante, anteriormente havia realizado a montagem dos filmes Diários de Motocicleta, Tropa de Elite 1 e 2, RoboCop e Cidade de Deus, pelo qual foi indicado ao Oscar, em 2004. Além de ter trabalhado ao lado de Terrence Malick no filme A Árvore da Vida. Tamanha convivência com grandes cineastas fez de sua primeira direção segura e coesa, em vários momentos surpreende por sua escolha estética e deixar a câmera dizer algo sem estar acompanhada do verbo.

Em relação à atuação, o ator Vladimir Brichta interpreta Augusto Mendes (Arlindo Barreto) e surpreende demais, deixa de lado seu estilo das comédias televisivas e entrega um papel arrebatador. O ator conduz o filme com louvor, a empatia com seu sofrimento realmente dói.

O Brasil sempre soube fazer comédia, principalmente quando mescla os gêneros e consegue algo novo. Isso é Bingo - O Rei das Manhãs, muito além de um filme feito para resgatar o que foram os anos 1980, uma produção com roteiro, elenco e direção louvável.

Cinema em Casa

Por duas temporadas, Narcos tinha o Pablo Escobar, um dos mais famosos traficantes de drogas de todos os tempos, no centro de sua trama. Agora, na terceira temporada, tem o Cartel de Cali, uma organização mais poderosa e sanguinária do que fora Escobar, e sem dúvida um personagem fascinante, ancorado pelo talento de Wagner Moura. Mas no final da 2ª temporada, a jornada de Escobar terminou e todos acreditavam no fim da série, só que não: a última cena deixou a entender que haveria mais histórias por vir, e assim se fez.

A terceira temporada, que estreou sexta-feira, 1º de setembro, reorganiza o tabuleiro de xadrez em grande escala, reorientando a série aos membros de Cali, que agora mandam no antigo território de Escobar, Medellín e toda Colômbia. Teoricamente estão trabalhando num "plano de aposentadoria" que permitirá que seus princípios se libertem da atividade ilegal. Na verdade, nós como espectadores, pouco sabemos sobre o Cartel, difícil achar dados em buscas na internet, mesmo tendo feito mais dinheiro do que Pablo e muito mais atrocidades pelo país. Antes, era centrada numa única pessoa, aquela que adorava ir para Miami curtir a praia e construir casas nas comunidades pobres da Colômbia; este sujeito se tornou herói para parte da população, vilão para o mundo e desafiou o sistema democrático do país.

A série pretende ousar, fisgar o espectador sem aquilo que lhe fez um sucesso, a história de Pablo Escobar. Não apenas introduzindo novos membros, mas dando-lhes vidas reais e desenvolvidas além dos confrontos básicos. Nos apresenta o horror que a América Latina viveu na década de 90 para que possamos entender melhor os atuais rumos políticos. Na nova trama, existe um conflito mais intrigante que pode surgir dos personagens que se veem como tecnicamente fora do cartel, estes são obrigados a aceitar a falácia do tráfico e construir suas carreiras de maneira independente, e nós, espectadores, podemos ganhar mais elementos interessantes para seguir a história do Cartel de Cali.