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O tempo passa muito devagar até a gente fazer 18 anos e poder entrar na boate de cabeça erguida e documento verdadeiro. Passa peculiarmente devagar nos dias que antecedem o salário. Ou na frente de uma tela esperando mensagem. Passa devagar na missa, nos pênaltis, na fila, no ponto de ônibus, no banco. No banco, então. Dessa cena eu lembro até o cheiro de alfazema/naftalina. Vejo agora mesmo na minha sala dezenas de velhinhas sendo atendidas pelo Posso Ajudar? da Caixa Econômica Federal. O tempo passa muito devagar às vezes. E também rápido, muito rápido. Ainda há pouco Alexandre era um neném gordo e hoje me espiona pela casa para descobrir a senha do celular. Davi, nascido já na era touch, nunca vai apertar um botão na vida.
Já me imagino beijando a testa de netos holográficos.
Basta olhar para as crianças e ver como o tempo, que passa devagar, também passa voando. Não só as nossas. As dos amigos também. Qualquer criança. Você belisca a bochecha do neném de um amigo que acabou de nascer e na manhã seguinte a criança tem quatro dentes — mas pergunta pra ela, o tempo dela passa devagar, como o seu passava. Outra forma boa de ver o tempo voar é olhar foto antiga. Mas tem que ser na mão, foto de Kodak, revelada em filme 12, 24 ou 36 poses.
Saudade e caduquice são dramas que pedem um contato físico choramingado e sofrido com algum objeto aleatório.
Todavia, um texto sobre tempo e relatividade exige mais cognição, pesquisa e essencialmente menos preguiça — coisas que não posso oferecer no momento. Tenho tido dificuldades para escrever. De meias no sofá, tomando café com leite quente, tá tão frio que nem parece janeiro lá fora e, pensando bem, dezembro também não pareceu dezembro. Talvez nossas mentes ainda estejam presas em julho, presas num corpo que já pulou para o ano seguinte sem nem tirar a lista de pretensões de dentro do bolso. Enfim, a intenção não era falar do tempo, este inominável indizível. Mas da superficialidade das coisas, dentro deste mesmo tempo.
Não, superficialidade não é bem a palavra. Há cortes rápidos, mas profundos. Tem gente que passa cometa na vida da gente, arranhando superficialmente coração e pele — e que, no entanto, entra fundo na porra da alma quando vai embora. Que confusão, eternizar-se ao partir.
A palavra é efeméride. Isso, eu queria escrever sobre a passagem das coisas, não sobre o grau de profundidade delas.
Já não acho hoje que o problema seja o tempo passar rápido. Me surpreendo mais é com a quantidade de pequenos e grandes acontecimentos, as novidades, as intrigas, as paixões, as novelas, os sopapos, os personagens, os enredos. Que acontecem e desacontecem repentinamente, na nossa vida e lá fora.
Senhora, Senhora?
Já acabou, Jéssica?
Foi fazer a unha, né, Fabíola?
Quem é essa aí, papai?
Quando você se dá conta, é quase obrigado a acompanhar a roda que gira o mundo, na velocidade em que gira a roda — e sem tontear. Mais ou menos como quando o legal passou a ser não ter tatuagem. Ou voltar a ouvir vinis. As exceções, as pessoas normais, que preferem praia e montanha e companhia de amigos, são massacradas de informações quando voltam à realidade. Como se estivesse lá, na Constituição, "é obrigatório acompanhar o feed de notícias". Existe um padrão lá fora: ou você faz parte dele ou critica ele. Você precisa ter uma opinião contrária sobre qualquer coisa. Não dá pra ser de boas. Ah, outro hit. Deboístas e tretistas. Onde você estava que não acompanhou essa discussão?
O padrão é algo assim, um ser meio hipster meio politizado, com opinião formada para bem ou para mal sobre maconha, aborto e Deus, que ouve de bossa nova a Iggy Pop e conhece pelo menos a obra do Tarantino. Ou você é isso ou o oposto extremo disso e ataca isso — mas a rinha vai ter que ser na internet, não tem outro lugar, se até as mesas dos bares, nossos antigos santuários, território que tanto suamos para conquistar estão tomadas pelos celulares e as pessoas virtuais.
Que, na verdade, nem estão ali.
Mas e se eu não quiser ver o feed, se eu não quiser saber quem é Giovana, se eu nunca gostei do som do Bowie, se eu quiser andar um pouco mais de mãos dadas, ou escrever cartas, ou me apaixonar à moda antiga, ou ouvir walkman, ou não ter WhatsApp, ou não postar foto nenhuma do passeio? A sensação é que você não faz parte desse tempo, nem na alma nem no calendário. É preciso querer fazer, eles dizem. Mesmo que, no fundo, toda novidade a gente já conheça.
Sobre o tempo. O tempo não passa devagar nem rápido. A gente é que não lembra de percebê-lo passar, como fazem as crianças.
Se houvesse time lapse da vida inteira, eu não quereria assistir. Imagina os sustos!
Ana Blue
Blue Light
O que dizer dessa pessoa que a gente mal conhece, mas já considera pacas? Ana Blue não tem partido, não tem Tinder, é fã de Janis Joplin, parece intelectual mas tem vocação mesmo é pra comer. E divide a vida dela com você, todo sábado, no Blue Light.
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