Colunas
Vinte e quatro horas jogando objetos pelos ares
o amor que menos tive o ano que passou foi o que deu mais certo até agora
quem se apaixona por malabaristas?
claro que minhas mãos tremiam demais, à porta da casa velha usando o wifi aberto do restaurante
a ponto de suarem gelado e a pele colar entre os dedos
ele estava atrasado há vinte e cinco minutos e eu estava paralisada, o único contato com a realidade era a amiga no whatsapp me dizendo vai logo, vai sem medo porra, que isso não é idade pra ficar de frescuragem
afinal, a gente tinha quase trinta
mas eu suava pela falta de cabelo e pelos anos de gillette cega entre as pernas
eu suava pela cicatriz da cesariana, por não ter corpo de modelo de revista
suava por todas as vezes que troquei o dove pelo lux luxo
eu suava por ser um tanto mais velha que ele e sei lá se isso fazia diferença àquela altura; ele era lindo, muito lindo, eu seria capaz de lambê-lo inteiro, ali mesmo, na calçada se ele aparecesse
uma língua de quase trinta anos num corpo todo durinho de slackline, eu não esquecia disso hora nenhuma
eu suava porque estava muito acostumada ao mesmo toque e mesmo cheiro naqueles últimos anos em que eu tinha desaprendido dessas coisas
isso não vai dar certo, aquela voz interior me repetia a todo tempo em que estive esperando à porta da casa velha
e eu, que sempre falei palavrões sem cerimônia, estava muda, ora rezando baixo pra ele realmente aparecer
ora torcendo para minhas pernas funcionarem e correrem dali
o mais longe
o mais rápido
mas quando o vi, do outro lado da rua, sorrindo aquele sorriso perverso
segui-o, cheia de amor
— por mim
e uma vez dentro da casa tirei-lhe a roupa como não tirava há muitos meses
falei palavrões que nem mais lembrava
e lógico:
parei de ler revista
Ana Blue
Blue Light
O que dizer dessa pessoa que a gente mal conhece, mas já considera pacas? Ana Blue não tem partido, não tem Tinder, é fã de Janis Joplin, parece intelectual mas tem vocação mesmo é pra comer. E divide a vida dela com você, todo sábado, no Blue Light.
A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.
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