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Quer pagar quanto?
Eu sempre tive uma teoria louca, segundo a qual a Casas Bahia era uma das grandes responsáveis pelo declínio da família brasileira. Hoje sei que não é, ou talvez faça mesmo parte de um grande complô comercial maquiavélico apto a nos destruir, mas não do jeito exato que fantasiei. Explico.
Desde muito cedo, me foi imposta como única opção de vida ser alguém de respeito. Trabalhar com as minhas próprias mãos o máximo que pudesse, para que não dependesse de outros meios que não a minha própria capacidade — houvesse capacidade ou não. Nesse método de educação, coube também aprender a não pegar nada emprestado, fosse dinheiro ou sapato, embora esta parte específica fosse ignorada solenemente na vida adulta. Regras são como ovos: é preciso quebrar às vezes, se queremos ter resultado. Quando o Nescau do meu filho acaba na lata, o meu orgulho pula pela janela. Mães entendem essa frase como ninguém, afinal, faltar algo pro filho, mesmo supérfluo, é novela que ninguém quer assistir.
Assim, entendi eu que para comprar um carro eu precisaria de emprego e pra ter emprego, era preciso estudo e dedicação. Essa lógica nunca me pareceu absurda, até que surgiu a Casas Bahia, tímida ainda, vendendo fogões a duzentos reais.
Até aí, tudo bem. Que bom que houvesse alguma facilidade pra gente pobre que nem eu, já que até então eu só via fogão novo em casa de rico. Mas quando eu vi anunciar a venda a 18 vezes no carnê, uma pulga me mordeu. Percebi que as pessoas passaram mesmo a comprar móveis mais baratos e logo se desfaziam daqueles ganhados no enxoval — eu sou da época de se fazer enxoval, olha só. E por que se preocupar em montar casa bonita, com móvel bom, se se pode parcelar a vida inteira no carnê aqueles aglomerados horrendos de MDF? Ou por que ficar a vida inteira em um casamento que não deu certo, se ficou tão fácil montar outra casa do zero? Juntar com qualquer um também ficou fácil, por que a lógica “se não der certo, separa” só surgiu porque havia fogões a duzentos reais na Casas Bahia.
Não estou falando nem de dinheiro nem de gosto pessoal, nem de poder de compra. E nem do governo PT, que notadamente ampliou muitos acessos. Só não sei o que aconteceu com o orgulho do brasileiro, que permitiu que os padrões baixassem. Lá em casa, por exemplo, mamãe não quis que entrasse janela de madeira. Era horrível, dava cupim, ela simplesmente não queria janela de madeira: queria de alumínio. Aquelas de correr. Sabe quantos anos moramos numa casa sem janelas? Uns quatro ou cinco. E não faltou doação: houve quem quisesse dar. Mas de madeira, feia, barata? Ela não quis. Ou era a de alumínio ou era vento na cara.
Foi um caso típico de orgulho, embora mamãe tenha aceitado de bom grado outras coisas: ganhamos pisos, caixa d’água, acho que a pia da cozinha também. Mas havia um símbolo ali, representado na janela, de uma mulher que soube dar maior atenção à sua vontade. E costurou vestidos, bainhas, uniformes — era costureira de mão cheia — pra ver o muro da casa da frente através de uma janela de alumínio.
Ou seja, ela sabia o que queria, como queria e o que precisava fazer para conseguir. Ter emprego, dedicação, já falei disso agora há pouco. Que ótimo, que lindo, que maravilhoso saber que temos opções mais baratas e acessíveis, mas por muito tempo associei valor à dificuldade. Pra mim, o que vem fácil não tem o mesmo valor do que é suado. “Ah, mas o dinheiro do salário-mínimo é suado e só tem vez na Casas Bahia mesmo”. Sim. Exatamente. Mas como eu disse antes, a questão não é o quanto se tem. A lógica seria algo como “queira mais do que o salário-mínimo possa comprar, assim você vai se esforçar mais para ganhar além do mínimo”. Infelizmente, veio aí a realidade me mostrar quanta gente ganha mal enquanto merece o céu, e quanta gente ganha bem, mesmo merecendo um chute na cara. O mundo dos adultos não tem lógica.
Não me culpem, a primeira coisa que eu disse foi que a minha teoria era louca. Inclusive pode soar preconceituosa, elitista, comercial, tudo de ruim que houver nessa vida, mas acredite, não é a intenção. Eu mesma parcelo quase tudo que compro, quando compro, e o que não falta é carnê lá em casa. Mas continuo sonhando Gazoni, Louback Magazine ou melhor: móveis planejados.
Não é uma questão de comprar, de ter ou não dinheiro. É uma questão de princípios. E de ter o sonho de, um dia, pagar à vista.
Ana Blue
Blue Light
O que dizer dessa pessoa que a gente mal conhece, mas já considera pacas? Ana Blue não tem partido, não tem Tinder, é fã de Janis Joplin, parece intelectual mas tem vocação mesmo é pra comer. E divide a vida dela com você, todo sábado, no Blue Light.
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