O casaco

sábado, 30 de maio de 2015

Há muito tempo ganhei um casaco preto impermeável que ia até os joelhos, de fecho éclair e botões, gola alta, todo forrado por dentro. Presente da minha sogra, que trabalhava em um hotel e, vez em quando, o pessoal que se hospedava lá esquecia um ou outro pertence nos armários. Depois de uns meses no limbo dos achados e perdidos as roupas e sapatos ganhavam novas casas, novos donos, novos corpos. E eu fui incluída entre os contemplados.

O casaco me acompanhou nos últimos suspiros do meu primeiro casamento e me fez companhia num dos meus primeiros empregos. Eu vendia licores no teleférico, não sei se já contei isso em outra ocasião. Lá no alto, no meio do frio e cheia de sono, eu me enrolava num cachecol de lã azul e jogava o casaco preto por cima, fosse a roupa que fosse: vestido, calça, saia florida. Ia com ele ao trabalho, a casamentos, ia beber cachaça de jabuticaba com ele nas festas de São Pedro. Posso dizer que ele é mais meu amigo que muitos dos amigos que tenho.

Vestida nele dei beijos e abraços, escrevi cartas, fiz poesia, fumei cigarros. Chorei pitangas. Ele já me serviu até de travesseiro em colos onde deitei. Passados talvez dez anos, mais dois casamentos, mais dois filhos, três empregos, quem sabe uns vinte e cinco quilos a mais, o casaco preto já não fecha. De jeito nenhum, nem encolhendo a barriga. E não é raro encontrar moedinhas de troco perdidas por dentro do forro, já que consegui arrebentar os dois bolsos. Parece Nárnia. Já resgatei um batom da Natura depois de meses ali. Juro.

Ele rasgou na máquina de lavar. Esgarçou a gola, encheu de pelo. Mas continua meu amigo, dentro do guarda-roupa. É um bom casaco, importado, fino, e sendo de bom material, assistiu choro, riso e cantoria. Não fecha mais, porém. É hora de libertá-lo. Eu já entendi que não vou mais emagrecer. Mas... quem disse que consigo viver sem ele?

As pessoas, todas, no troca-troca de roupa usada, veem cabides, looks e oportunidades de negócio. Eu vejo história. Há história em tudo.

E esta é a história que eu conheço do meu casaco preto. Se ele soubesse escrever, teria muito mais a contar sobre ele.

E sobre mim.

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Ana Blue

Blue Light

O que dizer dessa pessoa que a gente mal conhece, mas já considera pacas? Ana Blue não tem partido, não tem Tinder, é fã de Janis Joplin, parece intelectual mas tem vocação mesmo é pra comer. E divide a vida dela com você, todo sábado, no Blue Light.

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