O amor em tempos de Copa

sábado, 07 de junho de 2014

Se você viver 70 anos, 60 que seja, quantas vezes, em sua vida inteira, terá ouvido que o Brasil é o país do futebol? Ou mais: que o futebol é a paixão nacional. Cerveja, mulher (e homem, há que se fazer a devida feminilização da coisa) e futebol. Pra se ter ideia, acho que eu, por exemplo, aprendi primeiro que a Copa do Mundo é de quatro em quatro anos do que, com as aulas de ciência do professor Willys, lá no Dermeval Barbosa Moreira, soube que um ano era o curso de 365 dias da Terra girando em torno do Sol. E a minha primeira lembrança de Copa era a alegria das crianças saindo cedo da escola. O ano, 1994. O herói Taffarel e uma nação inteira de corações apertados. 

Claro que eu, na aurora da minha vida aos oito anos de idade, não tinha nada com nada com o preço do pão. Não me doía, ainda, trocar a manteiga pela margarina. Ao lado de minha casa, morava uma senhora, dona Patrícia, que me comprou um origami: fiz um leque, a dona disse que era lindo, feito com tanto amor, que eu deveria vendê-lo, de tão lindo. Eu, com uma pressa vergonhosa, respondi: este está à venda. Dona Patrícia riu o sorriso condescendente dos já vividos, soltou 15 cruzeiros perto da minha barbie e levou fora meu leque. E eu, aos oito anos de idade, já era rica com meus 15 cruzeiros. Assim pensaria qualquer criança em 94. Então, o que seria certo de se guardar na lembrança, a inflação daquela época na casa dos 46%? Prefiro manter essa ideia de que todas aquelas pessoas de coração apertado, apesar de tudo, amavam realmente o Brasil. 

Em 98, me fazia de veterana das Copas com as primas mais novas. Minha mãe e minha avó, assíduas e responsáveis senhoras futebolísticas, se incumbiam de fazer inflamar a flâmula dentro de nós. Como a maioria das mães e pais, inclusive. Acho nobre uma pessoa honrar o chão que o fez nascer através do esporte. Porque não há exclusão de amor à pátria nos três anos que antecedem e sucedem as Copas do Mundo, isso é uma ideia errônea. O mundial é uma espécie de fio invisível unindo cada brasileiro, em cada casa, em prol de um bem comum. Poxa, qual o problema de algo unir uma nação inteira em uma torcida? Ruim, ruim mesmo, é o povo não se unir por nada, em momento algum. 

Brasileiros congratulam-se ferozmente com desconhecidos quando ganha a Seleção. Embora rico de talentos esportivos em outras esferas, a Copa faz parte da cultura, da tradição nacional. Não foi o futebol que se tornou corrupto, não foi o sonho de ser jogador de futebol que se tornou indigno. A degradação moral dos políticos brasileiros, somada à fome sem fim de grandes empresários, brasileiros ou não, é que foi a combinação que culminou no momento em que vivemos agora, no qual tentamos cegamente ignorar o fato de que o futebol está presente na raiz de todas as famílias tupiniquins. Crianças que cresceram ansiosas por colar as bandeirinhas na rua hoje renegam esta cultura, como se renegar a Copa no Brasil fosse o ápice do gigantismo. 

A pátria de chuteiras estreia a Copa no Dia dos Namorados — e isso é de uma simbologia no mínimo interessante. Quantos casais já se formaram em meio às comemorações de futebol? Aliás, a memória da Copa é algo tão entranhado no brasileiro que faz parte da história da família. Pergunte a qualquer casal em que situação se encontravam em 86, em 90, em 98, 2002. O nascimento de um filho em ano de Copa, a filha com catapora, o dinheiro que juntaram pra comprar a televisão. Eu, pelo menos, vi minha mãe planejando muitas vezes a tão sonhada TV de 40 polegadas, que nunca chegou. Mas, o que isso importava, de fato? Gostoso mesmo é a expectativa — assim como em Dia de Namorados — do que virá, do que se terá pra lembrar, afinal. É a tradição que nos move, não a taça, não o presente, não as bandeiras, não os balões. Quando entendemos isso, curtimos mais os momentos, as pessoas, e o que se ganha, de material, deixa de ser relevante. A gente não joga na vida só pra levar a taça no fim. E é aí que a gente descobre que dona Patrícia estava errada, que coisa linda, feita com amor, não se compra. Não se vende. Faz parte de nós. E das histórias que um dia teremos para contar.

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Ana Blue

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O que dizer dessa pessoa que a gente mal conhece, mas já considera pacas? Ana Blue não tem partido, não tem Tinder, é fã de Janis Joplin, parece intelectual mas tem vocação mesmo é pra comer. E divide a vida dela com você, todo sábado, no Blue Light.

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