Mentira braba: eu não sou filho do Heródoto

sábado, 19 de setembro de 2015

Eu quis fazer parte de um fã clube de Sandy & Júnior, porque não entrava na minha cabeça gostar de alguém que não sabia que eu existia. E chegar aos ídolos, naquela época, só pagando mensalidade de fã clube. A dupla foi o meu último suspiro de infância, por obra e graça divina das fitas K7 que insistentemente ganhei aniversário após aniversário, natal após natal. Acho que acompanhei a carreira deles até ela fazer par romântico com Paulinho Vilhena.

Escrevi muitas cartas para Sandy, de tão inocente o meu amor – fosse eu na época um pouco mais velha, teria escrito cartas para Júnior. Ou não: fosse eu um pouco mais velha, acharia Sandy & Júnior um saco. Se eu tivesse visto a foto de Júnior numa banheira de miojo, então, o amor teria acabado há mais tempo. Enfim. Pulei de Abre a porta, Mariquinha, direto para Faroeste Caboclo, dali para o Kiss e a Rádio Cidade, e nunca mais saí do roquenrol.

Embora não entenda hoje o que me fazia ouvir aquelas musiquinhas tão chatas, não sou anacrônica. Não tenho vergonha alguma dos meus gostos infantis. Quem torceu o nariz pra Sandy & Júnior deveria lembrar que a geração seguinte cresceu na boca da garrafa e a de hoje, desejando a todas inimigas vida longa. Eu preferia Eliana a Xuxa e ser paquita coadjuvante, graças a Shiva, nunca fez parte dos meus planos, assim como ter bunda grande, marido rico ou carro de luxo na garagem. Eu preferia a Sandy ao Júnior – e, de fato, quem mandava na parada era ela. Ele era só o acompanhante. Sandy é empoderamento feminino grau máximo. Pena ela nunca ter respondido minhas cartas.

Na verdade, eu não as enviei – e duvido que mamãe falasse a verdade quando dizia que ia pô-las no correio. Mas mantive o costume de buscar contato com os artistas de quem gostei e gosto. Fico no fim do show, tiro foto, sigo no facebook. Para Gregório Duvivier, até carta escrevi. Se não me engano, pedi Fernando Anitelli em casamento em todas as vezes que o vi. E Veríssimo, bem, todas as vezes que Veríssimo se pega com as orelhas vermelhas e quentes em frente ao espelho do banheiro deve ser porque estou falando dele, lendo ele, usando frase dele pra justificar a minha vida, o trabalho de artista, o preço das coisas. Eu realmente me aproximo daqueles que gosto, mesmo quando parecem seres inalcançáveis.

Mas, olha que coisa, o facebook está aí para quebrar o paradigma das nossas relações. Essa semana foi aniversário do Heródoto, esse mesmo, do trem do futuro, que ninguém nunca mais viu, que aqui em Friburgo também ficou conhecido como o pai do Lobão – que se chama João Luiz Woerdenbag Filho e não Heródoto Bento de Mello Filho. E lá fui eu, fazer gracinha no facebook (coisa de sagitariano desocupado), renascendo a história. E não é que o próprio Lobão se manifestou?

Bem, claro que eu chamei pra treta, marquei o cara no status. Mas, tão ocupado ora com os fãs, ora com os inimigos de vida longa, ora com a política caótica do país, como eu poderia imaginar que ele responderia? Que viria ele mesmo desmentir a história? Parece que nem todo mundo é inalcançável – e o Lobão não é. Eu, fã, ele, fônico, e nós dois, por alguns minutos, tratando de derrubar mais um dos muitos mitos friburguenses. Falem o que quiser, eu gosto do xurupito. A anormalidade é algo que me atrai. E eu não tenho vergonha alguma dos meus gostos de adulta.

É boa a sensação da reciprocidade, por isso sigo acompanhando quem eu gosto. Se eles existem pra mim, então também eu quero existir pra eles. Aliás, é uma máxima que eu levo pra vida, a da reciprocidade. Não sou fã número um de ninguém, mas curto a galera no face, peço foto em fim de show, puxo conversa. Ninguém é inalcançável.

Só não escrevo mais carta. Eu ainda gosto muito do Gregório, mas ele jamais respondeu a minha carta.

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Ana Blue

Blue Light

O que dizer dessa pessoa que a gente mal conhece, mas já considera pacas? Ana Blue não tem partido, não tem Tinder, é fã de Janis Joplin, parece intelectual mas tem vocação mesmo é pra comer. E divide a vida dela com você, todo sábado, no Blue Light.

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