Cinco ovos vermelhos e fritos

Alto, magro, uns 50, talvez 55 anos, no máximo. E de terno. Sapato lustrado. Um dentre tantos outros homens de ternos cinzas e sapatos da Renver que almoçam ali, no mesmo restaurante em que eu costumo contar minhas moedas. Teria passado despercebido, como os outros, não fosse seu prato. Ele pôs cinco ovos fritos. E nada mais. Minto, tinha um pouquinho de purê de batata e umas azeitonas, coadjuvantes mínimas no meio daquela granja toda.

Cinco ovos. E eu que tinha vergonha de admitir ovo frito em restaurante. Eu, que quase nunca comia em restaurante, que tinha uma mãe que fez do "estritamente necessário" uma religião. Criança criada a ovo, salsicha e sardinha em lata, como poderia entender adultos ricos que pediam ovo em restaurante? Não, eu não aceitava. Como nunca entendi escargô, como nunca entendi a dieta da melancia. Comer é bom - e quando se é criança pobre, comer é diversão. Comer é Disneylandia.

Hoje, adulta, dúzias de ovos fritos bem vividos, achei graça dos meus pensamentos de criança. De ter me surpreendido, de ter quase secado as gemas do prato do moço, de ainda associar terno a dinheiro, embora abra exceções nessa lógica quando passo pela rodoviária aos domingos. Mas eu me libertei. Depois de poucos segundos de fito atônito naquele prato, eu me libertei. Eu sou fruto de todas as portas fechadas, de todos os ovos fritos que comi.

Só não entendi por que tanto ovo, meu Deus. Parecia uma promessa, uma religião. Nem um arrozinho com feijão pra contar história. É, é muito feio reparar o que os outros comem. Arrumei meu prato e fui pra minha mesa no outro canto, comer o meu almoço merecido e apressado.

A propósito, eu gosto mesmo é de bife. E com cebola vai bem, obrigada.