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Impressões — 07/05/2016
Fábula
Hermes – é o nome que os gregos davam a Mercúrio; de uma palavra de sua língua que significa “interpretação”, pela razão de ser ele mensageiro e intérprete dos deuses. Reverenciava-se debaixo deste nome como deus da eloqüência e em respeito a isso se representava na figura de um homem de cuja boca saíam cadeias que iam parar nas orelhas de outras figuras humanas, que exprimiam aos ouvintes que ela encadeava pela força do discurso.
(Dicionário da Fábula- traduzido por Chompré – com argumentos tirados da história poética- Ed. Garnier – Paris)
Linha do Tempo
Conservar algo que possa recordar-te seria admitir que eu pudesse esquecer-te.
William Shakespeare
Entrevista
Janaína Botelho – paixão e missão
E maio chegou. É o mês do aniversário de Nova Friburgo, 198 anos bem vividos. No próximo dia 16, a cidade provavelmente despertará sob um céu maravilhosamente azul típico da estação, as montanhas com suas cores vivas, a mata deslumbrante, a vida em um constante refazer. Feriado municipal. O prefeito hasteará a bandeira de nossa cidade, as bandas irão passar garbosamente pela Avenida Alberto Braune, crianças e jovens desfilarão saudando a data, bandeirinhas do Brasil, gente feliz nas ruas. Um cenário que se repete a cada ano com prazer e espírito cívico. Assim é Nova Friburgo.
O passado friburguense está muito bem documentado através dos inúmeros historiadores que narram aspectos de nossa formação, da colonização suíça aos dias atuais, das dificuldades e vitórias obtidas ao longo dos anos, numa farta historiografia que poucas cidades possuem. Passado também guardado com zelo e carinho pela Fundação Dom João VI, o nosso Pró Memória. E dentre os inúmeros escritores que descreveram a nossa história, um chama a atenção pela pesquisa dos nossos hábitos e costumes, pela presença atuante, pela determinação por fazer uma obra que certamente não acabará na última página de um livro – a professora Maria Janaína Botelho Corrêa.
Nestas Impressões louvo a todos que transcrevem a nossa formação. Através de Janaína, saúdo esses fazedores da nossa rica história, do nosso passado glorioso a um futuro de progresso e fraternidade. Como deve ser Nova Friburgo.
Em sua obra “História e Memória de Nova Friburgo” você desnuda a cidade em suas múltiplas facetas econômicas, políticas e sociais. Ainda falta mais alguma a coisa a descobrir dos friburguenses?
Sim, falta muito. Cada vez mais que realizo pesquisa de campo e me afasto dos documentos, compreendo melhor a história de nossa região e vejo como há lacunas e problemáticas ainda não respondidas. Fico imaginando alguns historiadores que conheço que devoram livros sobre o seu objeto de pesquisa, documentos em centros de documentação, mas nunca se preocuparam em ir a campo, ver, ouvir, sentir, vivenciar a região sobre o qual escrevem o seu trabalho. Eu poderia dar muitos exemplos de minhas experiências pessoais, mas estenderia muito a resposta.
O que a levou a pesquisar tão fundo a história de Nova Friburgo? Interesse histórico? Paixão? Abundância material?
Quando fiz a minha especialização e depois o mestrado, percebi que mesmo não tendo formação em história, já havia lido 80% da bibliografia recomendada, por interesse pessoal. Lia os clássicos da Escola de Anales e minha iniciação foi com Fernand Braudel. Ele me fez amar história. Maria Yeda Linhares que foi minha professora no mestrado me disse certa feita: “você tem bossa de historiadora”. Aí eu disse a mim mesma, descobri o meu caminho. Mas o que me deu mais motivação foi a resposta do público. Os leitores de A VOZ DA SERRA sempre me deram incentivo com seus comentários sobre a minha coluna no jornal e já se vão sete anos desde que comecei a escrever. Quando se vende um livro não se sabe nada sobre o leitor, mas nos artigos do jornal eu sinto a temperatura do que escrevo, conheço o meu leitor e isso é fundamental. A história é para mim uma paixão e uma missão. Como dizem as redes sociais “em um relacionamento sério com a história”.
De todos os seus escritos já dá para traçar um perfil da alma friburguense?
Até meados do século 20, Nova Friburgo estava entre as cidades mais importantes do estado do Rio de Janeiro. Imagine um município com um complexo industrial como o que tivemos em razão das indústrias têxteis e metalúrgicas, um clima fabuloso, uma avenida repleta de lindos palacetes, a Rua General Osório toda arborizada e igualmente com belíssimas residências, o glamouroso trem, chácaras lindíssimas em seus arredores...poderia descrever mais encantos, mas tenho que ficar por aqui. Qual era a alma friburguense? A boa recepção dos turistas estava no inconsciente coletivo dos friburguenses. Isso decorre de uma época que o turista ficava seis meses na cidade, em fins do século 19. Criavam-se vínculos estreitos com os turistas. Já nas primeiras décadas do século 20, esse período de permanência cai imensamente, mas não dá para explicar aqui o porquê. O certo é que ainda assim veraneavam, ou seja, passavam boa parte do verão e então estabeleciam estreitas ligações sociais com os friburguenses. Olhe o exemplo de Eduardo Guinle que comprou o chalet do barão e doou à municipalidade as estátuas das quatro estações, importadas da França, no aniversário do centenário da cidade. Que turista faria isso hoje? A alma do friburguense era a boa acolhida, a simpatia, a sociabilidade. Me recordo de um artigo de O Friburguense alertando que a Câmara Municipal deveria limpar a Praça 15 de Novembro(Getúlio Vargas) pois os turistas estavam começando a chegar e era uma vergonha o estado daquele logradouro público.
A miscigenação étnica ajudou a formar o que poderia ser a nossa “friburguensidade”?
O fato de Nova Friburgo ser reconhecida como uma cidade de lourinhos, de olhos verdes ou azuis não justifica afirmar que em nosso processo histórico não tivemos a escravidão em nossa estrutura econômica e social. Tivemos sim e muitos escravos! O que ocorreu foi que com a proclamação da República perdemos justamente os territórios em que se concentravam os escravos e a produção cafeeira, como Sumidouro e São José do Ribeirão, nossas antigas freguesias. E daí imaginarmos que éramos uma população majoritariamente constituída por brancos e não havia escravos no município. Isso é equivocado. Quando se consolidou como uma cidade industrial, Nova Friburgo recebeu a imigração do Centro Norte fluminense em busca de empregos e serviços. Nos últimos anos, tem recebido constantemente a imigração da Baixada Fluminense que foge da guerra do tráfego de drogas e procura melhor qualidade de vida. O perfil da cidade de fato mudou. Nova Friburgo está como Constantinopla durante o Império Bizantino, cosmopolita. Temos que saber conviver com o “outro”.
Como você vê essa miscigenação? Positiva ou negativa?
Sem uma política de habitação, saneamento, saúde, etc, negativa. O problema da imigração do Centro-Norte e agora da Baixada Fluminense está sendo o mesmo. Um dejà vu! Não nos preparamos para receber esses novos moradores e a Câmara Municipal que deveria iniciar essa discussão faz ouvidos moucos. O Executivo elaborou um plano diretor aumentando o gabarito dos prédios para concentrar a população no centro da cidade em razão das áreas de risco nas periferias. Resolvem de forma simplista um problema de habitação. Daqui há alguns anos, do centro da cidade não veremos mais as montanhas, apenas prédios. É o fim de Nova Friburgo!
Ao longo dos anos, Nova Friburgo vem se descaracterizando. Como você vê esta mudança? Evolução ou retrocesso?
Retrocesso. Sinto que cada vez mais perdemos em qualidade de vida. Se não tivéssemos potencial eu diria, perfeito, faz parte de seu processo histórico. Mas temos e não fazemos. O que precisamos é de planejamento. Mas reconheço que os municípios não conseguem dar conta, o orçamento não é suficiente. O governo federal concentra a arrecadação ficando com boa parte da receita e os prefeitos depois tem que se submeter a uma rede de clientelismo para conseguir uma verba suplementar, através de emendas. O governo federal faz isso propositadamente para ter os prefeitos no beija mão.
Como a cidade deve conviver com o passado e o presente?
Preservando a sua memória e principalmente atenta ao seu patrimônio histórico. Estamos com uma relação de vários imóveis históricos com tombamento provisório, e então? Como dar prosseguimento a isso? E o plano diretor, vai ser mesmo aprovado o aumento do gabarito dos prédios e perderemos a vista das montanhas do centro da cidade? Temos que formar gerações que se preocupem e zelem pelo patrimônio histórico. Sempre defendi que a história local e regional deveria fazer parte do currículo escolar do ensino fundamental. Está sendo feito, mas timidamente. A Secretaria de Educação tem intenção, mas argumentam que não têm um livro didático adequado aos professores para ministrarem as aulas. Perfeito, mas não acho isso um entrave. É só fazer um plano de curso com a bibliografia existente, que é muito rica por sinal, e voilá!
E para o futuro, o que você está preparando para conhecermos mais a nossa história?
Eu tenho dois projetos de livros para os 200 anos de Nova Friburgo. Mas preciso parar e mergulhar neles. Um é em coautoria e outro uma pequena contribuição com uma síntese sobre os 200 anos de nossa história. Nada muito pretensioso. Como estou trabalhando como roteirista e produtora de programas de história na Luau TV há três anos, abandonei o projeto do livro que já havia iniciado. Os programas da TV absorvem muito o meu tempo, mas por outro lado, essa forma de contar história é fascinante. Já vou para o quarto ano de programa e me apaixonei por esse trabalho. Mas preciso de um ano sabático senão não conseguirei pegar nos livros. Por fim, gostaria de fazer alguns agradecimentos. Não cheguei aqui sozinha. Agradeço ao professor Alexandre Gazé pelo incentivo e estrutura que sempre me deu, a todos os historiadores, pesquisadores que contribuem com o meu trabalho, pessoas idosas que entrevisto e abrem suas vidas, me dão farto material para que eu possa reconstituir a nossa história e aos leitores de A VOZ DASERRA, que me fazem toda semana exercitar o ofício como historiadora.
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