E a cultura, como fica?

sexta-feira, 20 de maio de 2016

Fábula

Medusa – uma das três górgones. Netuno abusou dela no templo de Minerva. Esta deusa, irritada com semelhante sacrilégio, metamorfose ou os cabelos de Medusa em serpentes e deu à sua cabeça virtude de converter em pedra todos aqueles que para ela olhassem. Perseu, munido dos talares de Mercúrio, cortou a cabeça de Medusa, de cujo sangue nasceu o cavalo Pégaso.

(Dicionário da Fábula – traduzido por Chompré – com argumentos tirados da história poética – Ed. Garnier – Paris)

Linha do Tempo

Nos indivíduos, a loucura é algo raro - mas nos grupos, nos partidos, nos povos, nas épocas, é regra.

Nietzsche

E a cultura, como fica?

Uma decisão que tomou de assalto o meio cultural brasileiro foi a extinção do Ministério da Cultura pelo governo interino Temer, com a conseqüente criação da Secretaria Nacional de Cultura, subordinada ao Ministério da Educação. Artistas, intelectuais, políticos e os meios de produção cultural estão em polvorosa com a notícia. Durante toda a sua existência – 30 anos – a cultura foi tratada como patinho feio das administrações públicas, recebendo migalhas dos governos federal, estaduais e municipais sempre com um orçamento aquém de suas atribuições.

Nações desenvolvidas têm na cultura o esteio da nacionalidade, da cidadania e da liberdade de expressão. A redução do seu status, como quer o governo, retira da sociedade um dos pilares de sua formação, restringindo a criação artística e a política cultural do Brasil a uma posição secundária nas políticas de estado.

O espectro cultural é amplo. E por sua amplitude relaciona-se com todos os setores da sociedade, da economia à agricultura, do turismo, ao meio ambiente, esporte e à antropologia. E à educação. Combate a intolerância, promove a justiça social, estimula o desenvolvimento dos povos, o respeito e a aceitação das diferenças, sem falar da preservação do patrimônio histórico e artístico do Brasil, com seus bens materiais e imateriais. A decisão do governo mexe também com as administrações das cidades, refazendo a gestão da cultura local. Nova Friburgo, portanto, não pode ficar alheia a esta significativa mudança.

Consultamos agentes culturais e deles obtivermos opiniões de certa forma unânimes, que formam um mosaico do pensamento cultural friburguense. Eis o que eles pensam:

“Acho o fechamento desse ministério hediondo! Não se deve confundir educação com cultura, são assuntos completamente diferentes. O Brasil, que tem três matrizes culturais, a indígena, a européia e a africana, ao contrário, deveria primar por esse ministério para administrar a complexidade de nossa formação. Existem ainda, as diferenças regionais, cujas práticas culturais diferem enormemente. Logo, perceba como é difícil dar conta de todas essas diretrizes. O que fazem? Tornam a cultura um subproduto da educação. Está sendo difícil absorver essa decisão!”

Janaína Botelho, historiadora, professora da Universidade Candido Mendes e colunista de A VOZ DA SERRA

 “Considero um retrocesso. Acredito que a cultura e a educação podem e devem trabalhar lado a lado, no entanto, deve ser respeitada a autonomia de cada um dos setores. Políticas culturais não se resumem à renúncia fiscal (Lei Rouanet – tão pouco conhecida e tão mal interpretada pelos curiosos), e a ausência de políticas públicas para o setor seria um retrocesso irreparável na história do Brasil. Sem um ministério forte e bem estruturado, o setor cultural ficará desamparado. Sabemos que não cabe ao estado produzir cultura, mas e é importante estabelecer ferramentas para a criação e difusão artística de forma igualitária para todas e todos”.

David Massena - jornalista, escritor e roteirista

 “O Ministério da Cultura deixou de existir e tornou-se Secretaria Nacional da Cultura, subordinada ao Ministério da Educação. Ainda é cedo para afirmarmos que houve um retrocesso à identidade da cultura nacional, como defende parte da classe artística que, diga-se de passagem, tem posicionamento político-partidário muito bem definido. Encaremos a realidade. Nós vivemos em um momento de profunda recessão, desemprego em alta, saúde na UTI, educação em crise. Natural que a cultura também seja atingida. É preciso paciência, vigilância e fiscalização. Como diria Millôr Fernandes, ‘eu desconfio de todo idealista que lucra com o seu ideal”. Eu também, Millôr.”

Monique Schuabb – Blogueira (Transparência Nova Friburgo)

"A cultura é a espinha dorsal do ser " humano". É a alma... Um povo sem cultura é um povo sem memória, sem passado. Ceifaram a vida dos brasileiros, com a extinção do Ministério da Cultura. É um retrocesso. Um trabalho que já é difícil de ser feito... Fazer cultura é um trabalho árduo. A cultura no Brasil já era  tratada com descaso e agora sentiremos na carne e na alma esse descalabro... Nós artistas estamos de LUTO!  

Chico Figueiredo - Ator/presidente do GAMA

- “É um absurdo é...., na contramão da história”.

Álvaro Ottoni de Menezes – escritor

O que entra

O ministro da Educação, Mendonça Filho, anunciou, na última quarta-feira 18, o diplomata Marcelo Calero, 33 anos, para comandar a nova Secretaria Nacional de Cultura, que passou a ser vinculada à pasta da educação.

Calero, que comandava a Secretaria de Cultura do município do Rio de Janeiro, reuniu-se com o presidente Michel Temer e assumiu o compromisso de melhorar a gestão das políticas culturais no Brasil. “Vamos tratar de restaurar a dignidade dos fazedores de cultura desse país que, nos últimos meses, foram desrespeitados, porque não tiveram, muitas vezes, prêmios pagos, contratos honrados. E estaremos muito atentos a isso”, destacou Calero.

Questionado sobre a resistência de artistas e servidores da pasta em relação à extinção do Ministério da Cultura, disse que a vencerá a partir do diálogo e resultados concretos. Também garantiu que pretende explorar as potencialidades da integração entre educação e cultura.

 “Aqui não se trata de procurar o diálogo pelo diálogo, fazer um exibicionismo, mas sim buscar resultados concretos, fazer com que realmente a gente possa aprimorar a gestão da cultura a partir do diálogo que se estabeleça com os fazedores, a quem devemos todo o respeito.”

O novo secretário disse ainda que irá trabalhar no sentido de valorizar os servidores da pasta. “Vamos construir juntos uma política pública de cultura consistente, progressista, democrática, que trate, justamente, de dar a mais ampla abrangência a todas as manifestações que nós temos do norte ao sul do país.”

O que sai

O ex-ministro da Cultura, Juca Ferreira, foi enfático ao criticar uma possível fusão do MinC com outra pasta, ato que considera uma "irresponsabilidade" e "um retrocesso de mais de 20 anos". O Ministério foi fundado há mais de 30 anos, durante o período de redemocratização brasileira e atendendo a uma ampla demanda popular. O ministro previu ainda o desafio de enfrentar o momento de turbulências e de retrocessos de direitos já adquiridos que deverão vir pela frente.

"Acho de uma irresponsabilidade enorme essa retrospectiva de retrocesso. Temos uma soma de legados e acumulações. A cultura tem uma interface com todas as facetas da vida social. Você pode fundir (o MinC) até com o Ministério da Fazenda, se quiser, mas é um erro, porque há uma especificidade do nosso trabalho", afirmou.

Juca Ferreira também falou sobre a importância da cultura para combater a intolerância e para promover o respeito e a aceitação do outro diferente. Também salientou o papel cultural em relação aos povos indígenas, para preservar suas tradições e, ao mesmo tempo, equipá-los para que sua relação com outros não seja "destruidora do seu contexto específico".

O ex-ministro citou ainda que a cultura pode promover uma economia que diversifique as exportações além das commodities, que o setor tem capilaridade para combater a violência e, por fim, que promove a qualificação da população brasileira para viver a democracia. "[Com a possível fusão], essa complexidade vai ser reduzida e empacotada", lamentou.

  • Foto da galeria

  • Foto da galeria

TAGS:

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.