Terceirização... Por que não?

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Todo mundo está acompanhando a discussão que se trava em todo o país sobre a terceirização, que é a entrega do serviço a uma empresa contratada para executá-lo. Isso era feito no Brasil em atividades intermediárias, mas o projeto de Lei 4330/04 pretende agora permitir a contratação de mão de obra terceirizada para a chamada atividade fim da empresa. Mas, afinal, isso é bom ou ruim?

Para entender, vamos supor que você trabalhe numa empresa que faz tijolos. Você recebe R$ 1.500,00 por mês. Graças ao seu esforço e dos seus colegas trabalhadores, a empresa cresce e resolve contratar uma outra empresa para fornecer pessoal para fazer a limpeza e conservação do local de trabalho. Isso é a terceirização, que já existe. Mas a nova lei  quer estender isso. Na prática, o seu patrão vai notar que o trabalhador terceirizado que faz a limpeza ganha apenas R$ 800,00. Custa barato. Ele pensará: “Por que eu preciso pagar R$ 1.500,00 a um funcionário, se posso contratar outra empresa que me fornece trabalhador por R$ 800,00?”. Aí termina o discurso bonitinho da lei e começa a sua desgraça pessoal, porque você vai perder o seu emprego, para colocarem em seu lugar quem se sujeita a receber muito menos, sem nenhuma garantia e com pouquíssimos direitos.  

O seu patrão te paga R$ 1.500,00 não porque adore fazer isso, mas porque existem leis trabalhistas que te protegem. Já o terceirizado, aquele que é contratado para fazer o serviço no seu lugar, vai ganhar o que a empresa terceirizada quiser pagar. E pronto. Na prática, o lucro vai se sobrepor às condições de trabalho e ao princípio da dignidade humana. Isso é bom para quem?

Na área pública, a nova lei pretendia estender as suas garras às empresas públicas e sociedades de economia mista, o que inclui a Caixa e o Banco do Brasil, por exemplo, colocando em risco o concurso público para estas entidades e prejudicando milhões de pessoas. A Câmara, num raro rasgo de bom senso, abortou, por hora, a possibilidade, mas os defensores da ideia não vão desistir e o assunto voltará à baila no Senado, com certeza.

No Estado do Rio, por exemplo, onde, na área pública, já há terceirização para praticamente tudo (e que se dane a lei!), as empresas terceirizadas são sempre as mesmas, muitas vezes do mesmo grupo, que vão se revezando nas licitações. Funciona assim: uma empresa do grupo ganha a licitação, de milhões de reais, fornece pessoal e, depois de alguns meses, para de pagar a esse pessoal. Aí, quando começa a ser investigada, a empresa simplesmente desiste do contrato ou encerra as atividades e começa tudo de novo com outra empresa, do mesmo grupo e dos mesmos donos, mas com CNPJ diferente.

Vejam um exemplo de como é fácil “enganar” o Poder Público, se é que alguém é enganado nesta história, além do cidadão: segundo informações jornalísticas, a empresa Space 2000, contratada pela Câmara de Vereadores do Rio, pagou os salários do pessoal da limpeza com cheques sem fundo. Há ainda outro contrato entre a Casa e a empresa para a área de produção jornalística, nos quais a Space 2000 receberia cerca de R$ 4,4 milhões por 12 meses, substituindo a empresa SCMM, doadora da campanha do ex-secretário de Desenvolvimento Social. Relatório da Delegacia Fazendária mostra que a SCMM e a SPACE 2000, conforme diversos processos trabalhistas, pertencem ao grupo Locanty, denunciado por oferecer propinas para ganhar licitações na área da saúde.

No Tribunal de Justiça, o Sind-Justiça - Sindicato dos Servidores do Poder Judiciário oficiou à Administração, requerendo explicações sobre algumas empresas terceirizadas. O primeiro ofício, de 2014, estranhamente foi arquivado sumariamente pela então presidente do TJ, no prazo recorde de cinco dias, sem resposta. Em novo ofício, encaminhado à atual gestão do Tribunal, o TJ respondeu que as empresas que fornecem mão de obra para o TJ apresentaram impontualidades no pagamento de salários dos empregados terceirizados, na entrega dos benefícios de alimentação e transporte e na entrega de materiais de limpeza e higiene e foram punidas com suspensão, advertência ou multa.

E o que aconteceu depois disso? Uma das empresas, Infornova, ex-Locanty (olha ela aí de novo, com nome diferente), pediu o encerramento dos seus contratos com o Tribunal. A outra empresa envolvida não pagou até hoje o 13° e o salário de dezembro dos terceirizados. E os funcionários terceirizados destas empresas continuam prestando os mesmos serviços, mas através de outra empresa, que possui CNPJ diferente.

Isso é a terceirização na área pública, onde empresários ganham dinheiro fácil, vendendo para o Poder Público mão de obra de pessoas exploradas, mal pagas e que, por vezes, nem sequer recebem.  

Terceirização. Por que não? Porque é imoral, injusta e prejudicial ao trabalhador da área privada e, na área pública, vai substituir o concurso público pelo apadrinhamento, em que os donos das empresas terceirizadas poderão indicar quem eles quiserem, na retomada dos famosos trens da alegria que empregam parentes, amigos e amantes de governantes. E, se não impedirmos, isso vai se estender em breve a todo o serviço público.

E se isso não é argumento suficiente para lutarmos contra a terceirização, basta ver quem são os políticos que apoiam a ideia. É motivo suficiente para sermos contra...

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Alzimar Andrade

Alzimar Andrade

Alzimar Andrade é Analista Judiciário do Tribunal de Justiça, Diretor Geral do Sind-Justiça e escreve todas as quintas-feiras sobre tudo aquilo que envolve a justiça e a injustiça, nos tribunais e na vida...

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