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Se soubesse que era importante, não teria matado!
Há algumas semana, um dentista americano ficou famoso por ter matado um leão que era o símbolo de um país africano. Ele reapareceu na mídia agora, com a sua explicação: “Eu não sabia que ele era importante. Se soubesse, não teria matado”, o que significa que, em sua mente obtusa, caso o leão não fosse importante, poderia ser morto... como se fosse simples assim...
É revoltante saber que uma pessoa pode ser tão mesquinha e tão medíocre a ponto de não enxergar a importância de uma vida somente por ser uma vida, independente de rótulo, prestígio ou fama. Independentemente de ser humana ou animal, mesmo porque muitas vezes não sabemos mais quem é quem, pelo critério de racionalidade que a humanidade adotou e que se aplica cada vez menos aos humanos.
Mas a revolta que temos em relação ao caçador nos faz lembrar que também somos assim. Por mais duro que possa ser admitir isso...
Matamos todos os dias, ininterrupta e impunemente, os nossos ideais, os nossos planos e as nossas virtudes. Matamos de forma cabal e definitiva, ainda que redundante e pleonasticamente, ideias, projetos e esperanças, com a mesma serenidade com que o dentista mata leões e ainda ousamos usar a mesma desculpa: não sabíamos que era importante!
O problema é que, frequentemente, tal qual ocorreu com o famigerado caçador, nós descobrimos, tarde demais, que era, sim, importante aquele projeto que abandonamos, aquele passeio que não fizemos, aquela paciência que faltou, aquele carinho do qual alguém dependia para sorrir, aquela viagem que mudaria por completo a nossa história se não a tivéssemos abortado covardemente, aquela palavra que não demos e que mudaria a vida de outra pessoa, aquele passo que jamais foi dado por medo do amanhã ou das pessoas... tudo o que não fizemos por valorizarmos demais a mesmice e a indiferença...
Mais do que importante, cada coisa que matamos em nós mesmos era vital; era absurdamente essencial. A única diferença é que aquilo que matamos não é importante por ser famoso, mas por ser parte de nós mesmos. Afinal, o que resta de nós depois que matamos sonhos, ideais, planos...?
E assim seguimos o que resta de nossas vidas, dando passos errantes enquanto nos desfazemos de pedaços de nós que levamos anos, décadas, por vezes uma vida inteira para construirmos... e matamos, dentro de nós, impiedosamente, cada vestígio do que um dia fomos, para nos transformarmos num amorfo patético que mal reconhecemos como sendo nós mesmos...
Não mate o que mora em você. Não mate aquilo que você um dia carregou como precioso, ainda que você não julgue hoje importante e, principalmente, não mate o que você não pode ressuscitar. Nem sempre podemos recuperar o que destruímos. A vida não vem em HD, para ser recuperada ou formatada. Ela vem em doses homeopáticas e constantes, divididas em minutos e segundos, para que cada um de nós possa tornar importante cada momento e, assim, nunca alegar que só matou dentro de si alguma coisa por não julgá-la mais tão importante.
E há gente que, não satisfeita, mata sentimentos, mata amizades e mata amores... a esses, a vida não perdoa... ela se vinga, matando-os de saudades e de remorso...
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Alzimar Andrade
Alzimar Andrade
Alzimar Andrade é Analista Judiciário do Tribunal de Justiça, Diretor Geral do Sind-Justiça e escreve todas as quintas-feiras sobre tudo aquilo que envolve a justiça e a injustiça, nos tribunais e na vida...
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