O cafezinho de 640 mil dólares

quarta-feira, 08 de julho de 2015

Quem é estudante de Direito provavelmente já conhece a historia de Stella Liebeck, uma senhora de 79 anos que ficou famosa em um processo que moveu contra o McDonalds nos Estados Unidos. Veja o inteiro teor do caso, leia os argumentos de cada parte e avalie se a condenação foi justa.

Numa manhã de fevereiro de 1992, Stella Liebeck comprou um copo de café por 49 centavos no drive-thru do McDonald’s. Dentro do carro, colocou o copo entre os joelhos para abrir a tampa, momento em que acabou entornando o café quente em seu colo, causando diversas queimaduras de terceiro grau. Ela teve que se submeter a algumas cirurgias e fazer enxertamento de pele. Ficou internada por oito dias, fez mais dois anos de tratamento e ficou com sequelas permanentes. As despesas médicas foram de cerca de 11 mil dólares.

Ela tentou, inicialmente, receber uma indenização de 20 mil dólares, mas a empresa só queria pagar 800 dólares. Numa tentativa de mediação, pouco antes do julgamento, foi proposto à empresa pagar 225 mil dólares, proposta também recusada. Como não houve acordo, o caso foi a julgamento.

Veja os argumentos do advogado de Stella:

  • O McDonald’s servia café em torno de 82 a 88°C, calor suficiente para causar uma queimadura de terceiro grau (que atinge todas as camadas da pele, até o musculo e o osso) em poucos segundos.
  • A temperatura do café do McDonald’s seria mais quente do que a encontrada, por amostragem, nas lojas dos concorrentes.
  • Apesar de vender café no drive-thru e saber que muitas pessoas costumavam bebê-lo no carro enquanto dirigiam, não havia advertências suficientes aos clientes sobre os riscos.
  • A empresa nunca consultou um médico especialista em queimaduras ou um físico especialista em termodinâmica para avaliar os riscos a que expunha seus clientes.
  • Entre 1982 e 1992, a empresa já tinha recebido mais de 700 reclamações semelhantes. Nesses casos, a empresa pagara indenizações, que, somadas, alcançaram 500 mil dólares, com alguns casos eram tão graves quanto o de Stella, inclusive envolvendo crianças e, em alguns casos, o acidente fora provocado pelos funcionários da empresa.

Veja os argumentos dos advogados da empresa:

  • Havia uma advertência impressa na embalagem indicando que o conteúdo era quente.
  • O café deveria ser servido quente para que preservar as qualidades do sabor e do aroma do produto. A recomendação da Associação Nacional do Café dos Estados Unidos é que o produto seja fabricado numa temperatura entre 90 a 96°C e conservado entre 82 a 85°C.
  • Num drive-thru, é natural que a pessoa deseje levar o café para consumir em outro lugar. A temperatura mais alta seria necessária para garantir que o produto chegasse ainda quente ao destino.
  • O McDonald’s vende mais de um bilhão de copos de café todos os anos. A empresa considerava que o índice de ocorrência de acidentes (um a cada 24 milhões de copos de café vendidos) seria “estatisticamente irrelevante”.
  • A lanchonete já havia sido ré em pelo menos 13 ações judiciais semelhantes, mas não perdera em nenhum caso, porque os juízes entendiam que as queimaduras causadas pelo café eram um perigo óbvio. O mesmo ocorrera com lanchonetes concorrentes, que serviam café e chá em temperaturas até mais altas.

A decisão do júri foi com base na Teoria da Negligência Comparativa, pela qual analisa-se o comportamento da vítima, comparando-o com o de uma pessoa mediana, para, assim, mensurar o quanto a pessoa contribuiu para a ocorrência do problema. O resultado é que os jurados consideraram o McDonald’s responsável por 80% do incidente e Liebeck, por 20%. Assim, a indenização foi fixada em 200 mil dólares, reduzida proporcionalmente para 160 mil dólares, abatendo-se a parte de culpa da vítima.

Os jurados consideraram ainda que era preciso desestimular as empresas a continuar colocando em risco a segurança dos consumidores. Por isso, houve ainda uma condenação punitiva, no valor de 2,7 milhões de dólares, equivalentes a dois dias da receita da empresa com a venda de café. Posteriormente, este valor foi reduzido para 480 mil dólares, correspondente a três vezes a indenização compensatória. 

Stella Liebeck veio a falecer em 2004, aos 91 anos de idade, 640 mil dólares mais rica. Quanto ao café, não se tem informação de qualquer mudança nas regras ou na temperatura, a não ser a recomendação dos fabricantes para que houvesse mudanças na embalagem.  

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Alzimar Andrade

Alzimar Andrade

Alzimar Andrade é Analista Judiciário do Tribunal de Justiça, Diretor Geral do Sind-Justiça e escreve todas as quintas-feiras sobre tudo aquilo que envolve a justiça e a injustiça, nos tribunais e na vida...

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