A mão que balança a toga

quinta-feira, 07 de maio de 2015

Na pequena e pacata cidade de Rebimboca do Norte, as oportunidades são poucas. A conquista de um estágio, para quem está em início de carreira, é motivo de comemoração em família. E a jovem estudante de direito consegue uma vaga no Fórum, onde aprenderá tudo sobre justiça perto justamente de quem mais entende de justiça: o juiz. É o que ela espera...

A estagiária, logo de cara, chama a atenção do juiz, que pode se chamar Zé. Com um histórico de rompantes e grosserias por onde passa, sempre impunemente, ele parece não se preocupar muito com a própria imagem e logo passa a convidar a estagiária para sair. Ela tenta ser gentil. Diz que tem namorado e que poderiam sair todos juntos, socialmente, ela com o namorado e ele com a esposa. Ele rejeita. Insiste em sair somente com a estagiária. Ela, educadamente, explica que não é possível.

Fim da história. É o que ela espera...

Ele a remove para o próprio gabinete. Ela diz que não quer trabalhar lá, mas, que diferença faz?, ele é o juiz. Ele manda. Ele decide. Ele a quer no gabinete, ela vai pro gabinete. Ponto. Na primeira oportunidade, ele faz um comentário sobre a roupa íntima da menina. Ela se revolta. Exige respeito. Avisa que se ele continuar ela vai gravar para denunciá-lo. Com raiva, ele a remove de novo.

Fim da história,.. é o que ela espera...

Mesmo com a recusa dela e a raiva dele, o assédio continua. Convites para sair, beijos literalmente roubados, pedidos de abraços sem motivo... ela descobre que outras estagiárias passam pelo mesmo problema. Zé manda mensagens pelo celular e, como as estagiárias demonstram desinteresse, ele as ameaça com remoções contínuas entre os cartórios.

As estagiárias passam a evitar qualquer situação que desperte a perseguição do juiz. Batons, vestidos, algumas conversas, calças jeans, tudo passa a ser automonitorado, na tentativa vã de paz e na inversão clássica de que a culpa é da vítima. Elas se recusam a deixar o estágio por culpa do juiz. Não mais suportando a situação, decidem denunciar o sujeito.  
Fim da história. É o que elas esperam...

A denúncia é protocolizada na polícia fiscalizadora, que, por lei, tem o dever de investigar a conduta do juiz. Ao saber da denúncia, e sem ser afastado do local de trabalho, o juiz chama as estagiárias e pede para que mudem o depoimento. A grave tentativa de coação é comunicada à polícia fiscalizadora. Enviam uma colega dele para ouvir as vítimas. Uma colega, mulher... logo, vítima em potencial deste tipo de comportamento que envergonha todos os homens decentes, o que tranquiliza as meninas.

Fim da história, então... é o que as estagiárias esperam...

Mas a colega diz às vítimas que há uma diferença entre assédio sexual e uma simples cantada. E que o episódio delas retrataria somente uma simples cantada.

Passam-se dois meses. O juiz ainda não foi afastado e continua lá, em Rebimboca do Norte, com as estagiárias ao alcance de suas mãos. Literalmente. 

Fim da história... é o que ninguém espera... porque não pode terminar assim... pode?

Ainda bem que a cidade é fictícia, os nomes são fictícios e a história... bem...  imaginem se o mundo real fosse assim... Seria terrível, não?

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Alzimar Andrade

Alzimar Andrade

Alzimar Andrade é Analista Judiciário do Tribunal de Justiça, Diretor Geral do Sind-Justiça e escreve todas as quintas-feiras sobre tudo aquilo que envolve a justiça e a injustiça, nos tribunais e na vida...

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