A justiça moderninha

quarta-feira, 02 de setembro de 2015

Um cidadão entrou numa loja e viu que a plaquinha que informava o preço de um pote que custava R$ 4,99 estava ligeiramente deslocada, ficando próxima a uma cafeteira. O que fez o cidadão? Tirou fotos da plaquinha com o preço, pegou a cafeteira e dirigiu-se ao caixa, para pagar R$ 4,99. Com a recusa do funcionário, o cidadão ligou para o seu advogado, que compareceu ao local, fotografou tudo e depois ingressou com uma ação judicial, exigindo pagar somente R$ 4,99 pela cafeteira, que custava dez vezes mais. E ainda queria receber danos morais pelo enorme dissabor, transtorno, aborrecimento, sofrimento, dor, angústia e humilhação que o seu cliente teria passado por não poder levar a cafeteira por R$ 4,99.

A juíza não caiu na armação e não condenou a empresa, por entender, acertadamente, que o indivíduo agiu de má-fé, sendo previsível e aceitável que mesmo outros clientes, inadvertidamente, acabam por modificar de lugar os objetos e placas de preço, no intuito de verificar em mãos algum produto. Mas, às vezes, o dano moral realmente existe. E devem ser utilizados todos os meios legais de comprová-lo. Foi o que fez outro magistrado, em uma ação que um cidadão ingressou contra o Estado por conta de uma multa recebida.

Atuando como relator em um recurso, o desembargador Paulo Sérgio Prestes dos Santos, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, decidiu anular uma multa de trânsito, com base em provas que ele mesmo coletou. E no Google Maps. A prefeitura do Rio multou o indivíduo por este ter, supostamente, estacionado o carro em frente ao número 31 da Rua Dias da Cruz, a apenas cinco metros de distância de um cruzamento. Ao julgar o caso, o magistrado decidiu utilizar os recursos disponíveis no Google Street View. Percorreu virtualmente a Rua Dias da Cruz e constatou que a casa de número 31 não se situa em uma esquina. Além disso, utilizando a ferramenta de cálculo de rotas do Google Maps, ele descobriu que a esquina mais próxima fica a 55 metros de distância, o que é bem mais do que os cinco metros alegados pela prefeitura para multar o sujeito.

No pedido inicial, em que afirmava não ter cometido a infração, o autor tinha visto o seu pedido ser negado pelo juiz na sentença, sob o argumento de que no caso “incide a presunção relativa de legitimidade dos atos administrativos”, ou seja, os atos praticados pelo Estado (no caso, a multa) possuem veracidade, sendo legítimos até que se prove o contrário. A diferença é que o desembargador foi além e provou o contrário.

De acordo com a decisão do desembargador, foi-se o tempo em que controle jurisdicional do ato administrativo restringia-se apenas aos aspectos da legalidade do ato. Hoje, o ato administrativo pode e, se for o caso, deve ser invalidado. “E isto assim se opera por força de um controle ampliado e dotado de maior efetividade que é garantido pela inarredável adequação a que o ato deve ser submetido diante de todo ordenamento jurídico vigente, aí incluídas as regras, princípios e demais atos normativos de conformação.”

Ele terminou o seu voto, afirmando que o juiz deve se valer de todos os recursos que estejam à sua disposição na busca da verdade. “O magistrado moderno tem acesso a instrumentos tecnológicos que lhe permitem comparecer a determinados locais no mundo físico sem sequer precisar sair de seu gabinete. Seria, a certo modo, uma forma de efetivar a norma contida no artigo 442, I, do Código de Processo Civil, que diz que ‘O juiz irá ao local, onde se encontre a pessoa ou coisa, quando: julgar necessário para a melhor verificação ou interpretação dos fatos que deva observar’”.

O Estado terá de indenizar o cidadão em 10 mil reais pelo grosseiro erro do agente de trânsito. Indenização esta que será paga, é claro, com o dinheiro dos nossos suados impostos.

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Alzimar Andrade

Alzimar Andrade

Alzimar Andrade é Analista Judiciário do Tribunal de Justiça, Diretor Geral do Sind-Justiça e escreve todas as quintas-feiras sobre tudo aquilo que envolve a justiça e a injustiça, nos tribunais e na vida...

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