A justiça e o papel higiênico

domingo, 26 de abril de 2015

A justiça no Brasil pode se relacionar ao papel higiênico de diversas formas. Por diversos motivos. Em diversas situações.  Literalmente. Ou não.

Um presidiário de São Paulo mandou uma carta ao STJ – Superior Tribunal de Justiça, com um pedido de habeas corpus. Até aí nada demais. O curioso é que esse habeas corpus estava escrito em um papel higiênico. Em um metro dele, para ser exato. E pode isso?

O habeas corpus é uma medida jurídica para proteger quem esteja sofrendo ou na iminência de sofrer ameaça à sua liberdade. Não se exige nenhuma formalidade e sequer é necessário contratar advogado. Qualquer um pode fazê-lo, em seu favor ou de outrem, sob qualquer forma. No caso do prisioneiro, ele utilizou o que tinha à mão. Sem trocadilhos.

Mas não há como falar em justiça e papel higiênico sem lembrar de alguns episódios recentes no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, cujo desfecho só não foi pior graças à atuação do Sind-Justiça, sindicato dos servidores do Poder Judiciário.

Há poucos meses, na gestão anterior do Tribunal, a Administração tentou contratar uma frota de táxi, ao preço módico de um milhão de reais, mesmo possuindo uma frota própria de quase mil veículos, com os seus respectivos motoristas, cotas de combustível etc.

Ainda na gestão anterior, o Tribunal publicou licitação para comprar água mineral para magistrados ao preço de um milhão de reais (enquanto servidores fazem as tradicionais vaquinhas nos fóruns para comprar galão d’água). Alguém já parou para pensar quantas centenas de milhares de litros d’água se compra com um milhão de reais?

E não para por aí... Tentaram contratar pessoas sem concurso para atuar no lugar de servidores, ao arrepio da Constituição; e tentaram aprovar um auxílio moradia retroativo para magistrados, cujos efeitos retroagiriam a 10 anos (acabaram aprovando o auxílio, mas o sindicato impediu a retroatividade, que daria a cada magistrado um milhão de reais, a título de “atrasados”, transformando magistrados em milionários); 

Na gestão atual do TJ, quando a sociedade e os servidores finalmente viram no comando do Tribunal um Presidente voltado para a justiça e não para os magistrados, a Corregedora decide implantar uma política de retrocesso: sem ter a menor noção de quantos servidores deve haver em cada cartório, saiu removendo dezenas deles, alguns para lugares distantes mais de 100 Km de suas residências, incluindo grávidas e servidores com câncer, sem as pernas, com síndrome do pânico, com pais doentes, com filhos que exigem cuidados especiais, readaptados por laudos médicos e mais uma série de problemas graves, solenemente ignorados.

Além disso, decidiu perseguir os que restaram, através de visitas surpresas de “fiscais”, que, curiosamente, entram em cartórios, mas não podem entrar nos gabinetes, onde estão os secretários e, claro, os magistrados... e o que tem de juiz que não seria encontrado no local de trabalho é uma enormidade...  ou seja, todos são iguais, mas uns mais iguais que os outros...

Bem... resultados do dia: No STJ, o pedido de habeas corpus escrito no papel higiênico será digitalizado e entregue a um Ministro para decidir. Como manda a lei. E a Corregedora? Bem, ela acaba de ser denunciada nesta semana pelo Sindicato dos servidores por favorecer um magistrado acusado de assédio sexual, nomear filha e nora de outra desembargadora como diretoras, nomear seu ex-estagiário como diretor de área especializada sem ter qualificação para tal e outras situações não adequadas.

A justiça no Brasil pode se relacionar ao papel higiênico de diversas formas. Por diversos motivos. Em diversas situações.  Literalmente. Ou não...

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Alzimar Andrade

Alzimar Andrade

Alzimar Andrade é Analista Judiciário do Tribunal de Justiça, Diretor Geral do Sind-Justiça e escreve todas as quintas-feiras sobre tudo aquilo que envolve a justiça e a injustiça, nos tribunais e na vida...

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