A frota da vergonha

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

A mídia passou os últimos dias criticando o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro por causa de um edital publicado no Diário Eletrônico de renovação da frota oficial de veículos, ao custo de cerca de 23 milhões de reais. Os mais de 200 veículos serão usados para a condução de desembargadores e juízes ao local de trabalho. A mídia se mostrava indignada, alegando que o Estado está atravessando uma grave crise no momento. A mídia está errada. Grosseiramente errada.

Para entendermos onde a mídia errou, tomemos como exemplo um sujeito que está com febre e, para se curar, toma um litro de refrigerante. De uma única vez. Ele não ficará curado, por certo. Mas será que a culpa é da quantidade de refrigerante que ele tomou? Ou esse refrigerante simplesmente não deveria existir nessa história?

O primeiro erro da mídia é que ela se incomoda com o gasto por estarmos em crise financeira no Estado. Acontece que, com crise ou sem crise, o Tribunal de Justiça não tem que ter frota de carros particulares (no caso, Jettas zero quilômetro), nem que fosse uma frota de fusquinhas 71.

Ora, quer dizer então que se o Estado estivesse nadando em dinheiro, deixaria de ser uma vergonha que desembargadores tenham direito a carros oficiais às custas do dinheiro público? De onde vem essa prática de que certas “autoridades” precisam de um carro oficial para se locomover? E pior, o carro nunca vem sozinho. É acompanhado de um motorista particular, quota de combustível, multas pagas, IPVA quitado... Ou seja, uma benesse puxa outra e a coisa não tem fim.

E estamos falando de um Tribunal onde profissionais que dependem de veículos para trabalhar, como assistentes sociais, psicólogos e comissários de infância, juventude e idoso frequentemente precisam partilhar uma única kombi para se deslocar a serviço entre dezenas de cidades para atender à população.

O segundo erro é que isso não acontece somente no Judiciário. A Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro possui uma frota absurda de 160 veículos para 70 deputados. Além do absurdo da existência de tal frota, paga com dinheiro público, é claro que tem um monte de apaniguados passeando em alguns carros oficiais.

E a história se repete em cada casa Poder Executivo, em cada Tribunal e em cada Casa Legislativa pelo país afora, inclusive nas câmaras de vereadores, onde frotas de carros oficiais pululam aos montes, como se o dinheiro do contribuinte fosse capim.

Como nem tudo está perdido, em Jacarezinho, no Paraná, começou um movimento vitorioso em que a população pressionou os vereadores a reduzirem os seus subsídios. A ideia, que a princípio foi atribuída por um vereador a um pequeno grupo de gatos pingados, logo tomou corpo, toda a população abraçou a causa e o resultado foi a inédita redução, que trará economia aos cofres públicos. Mauá da Serra e Santo Antônio da Platina, também no Paraná, seguiram os exemplos e conseguiram que os seus edis também reduzissem o que ganham.

Por que o Rio de Janeiro assiste quieto a essa mudança de comportamento? Vamos abraçar a causa. E melhor ainda: podemos aqui não somente reduzir o “salário” dos políticos, como também exigir o fim dessa odiosa frota de “carros oficias” para autoridades do Judiciário, Legislativo e Executivo. O raciocínio é simples: se você, com o seu salário, se vira para ir trabalhar todos os dias, por que os políticos e demais autoridades precisam de carro oficial para se locomover?

E aí? Vamos começar a reagir? Ou vamos continuar deitados eternamente em berço esplêndido, enquanto assistimos a essa farra com o dinheiro público?

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Alzimar Andrade

Alzimar Andrade

Alzimar Andrade é Analista Judiciário do Tribunal de Justiça, Diretor Geral do Sind-Justiça e escreve todas as quintas-feiras sobre tudo aquilo que envolve a justiça e a injustiça, nos tribunais e na vida...

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