E agora, José?

quarta-feira, 05 de agosto de 2015

E agora, José?

A propina acabou,

a empresa apagou,

o Lula sumiu,

a Dilma esfriou,

E agora, José?

E agora, você?

Carlos Drummond de Andrade, em sua impecável obra, homenageou os Josés da vida, sujeitos sem eira nem beira, possuidores de terno de vidro, incoerência e ódio, como muitos são os anônimos Josés que existem por aí, pelo Brasil afora...

Mas existe um José que, tal qual o homenageado, vive de incoerência e de uma utopia mais falsa do que a própria natureza da utopia, a tal ponto que, mesmo preso, não grita, não geme, não dorme e não cansa... sozinho qual bicho do mato, mas que não morre... como diria Drummond, é duro esse José Dirceu...

E o curioso da vida do José real não é a prisão em si, robustecida por páginas e mais páginas de provas, consubstanciadas em comprovantes de pagamentos de propinas de diversas empresas, reformas gratuitas de casas para seus filhos, bancadas por empresas que tinham negócios com o governo e até mensalidades pagas por empresas que, em troca, tinham contratos polpudos com a Petrobras, viúva da vez; o que realmente espanta neste José é que não importa o que se diga contra ele, não importa o que se prove contra ele, não importa se os corruptores confessarem que tratavam de negócios escusos com ele, que pagavam propina e não importa nem mesmo se a Justiça bloqueou inexplicáveis milhões de dólares em suas contas, propinas disfarçadas de contratos.

Nada disso importa para os seus correligionários (ou seriam fãs, cegos como em geral o são os fãs, que não veem os defeitos de quem veneram?), para quem, ao que parece, o ex-ministro possui uma espécie de eterno salvo-conduto moral só por ser de esquerda. Ele pode ser preso por chefiar quadrilha, pedir propina, comandar um esquema de corrupção, enriquecer ilicitamente, qualquer coisa que faça com que milhões de reais de dinheiro público, que deveriam ser usados para educação, saúde e segurança dos brasileiros, estejam indevidamente em seus bolsos, contas ou cuecas. Não importa quantos brasileiros tenham morrido em leitos de hospitais sem remédios e sem médicos durante estes anos em que o dinheiro público era desviado para abastecer as campanhas eleitorais e os gastos nababescos dos membros/tentáculos da quadrilha. José está acima disso para os seus fãs/correligionários.

Mas... e agora, José?

Tanto dinheiro desviado, tanta corrupção, tanto conchavo e tanta coisa errada, em nome de um projeto de poder pelo poder que não vai poder te livrar desta vez...

E agora, José? Agora é hora de voltar à prisão, repensar a vida e descobrir, finalmente, que mais importante do que o poder é a consciência tranquila... embora talvez seja tarde demais para isso...

E agora, José?

Como, de trás das grades, continuar zombando dos outros, da confiança dos outros, e com o dinheiro dos outros?

O genial Drummond parecia te conhecer, ao terminar assim o seu famoso poema que, desgraçadamente, te homenageia, José:

Sozinho no escuro
qual bicho do mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja a galope,
você marcha, José!
José, para onde?

 

 

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Alzimar Andrade

Alzimar Andrade

Alzimar Andrade é Analista Judiciário do Tribunal de Justiça, Diretor Geral do Sind-Justiça e escreve todas as quintas-feiras sobre tudo aquilo que envolve a justiça e a injustiça, nos tribunais e na vida...

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