De herói em herói nada se constrói

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Três servidores do Poder Judiciário ingressaram com uma denúncia de crime de responsabilidade contra o governador Luiz Fernando Pezão. Os motivos? Vários: descumprimento da lei de responsabilidade fiscal; descumprimento da lei orçamentária; não repasse de verbas obrigatórias para saúde e educação; desrespeito à autonomia e independência dos demais poderes; ameaça de não repasse de verbas dos órgãos independentes; falta de merenda e de luz nas escolas, uso inadequado das verbas públicas, tornando prioritários os gastos com olimpíadas e empreiteiras e deixando faltar medicamentos em hospitais; reforma de piscina em meio à alegada crise; não pagamento em dia dos servidores; atraso do décimo terceiro, obrigando os servidores a tomarem empréstimos bancários e endividando ainda mais o estado; concessão de isenções sem critérios, causando prejuízos aos cofres públicos; má gestão dos recursos do Rio Previdência, que está praticamente quebrado etc.

Aí, chega a mídia, que deveria ser isenta e relatar fatos, e diz o seguinte: Três servidores do Poder Judiciário pedem o impeachment de Pezão por causa de uma notícia de jornal sobre atraso no pagamento. (?)

Como assim? Só no primeiro parágrafo (que é um resumo das 12 páginas de denúncias) relatei mais de uma dezena de motivos que fundamentam a denúncia de crime de responsabilidade e o jornal só viu o atraso no pagamento dos servidores? O jornalista não se deu ao trabalho de ler a denúncia. Esta é uma hipótese.

Mas, se o jornal diz que é só por causa de atraso no pagamento, a população vai pensar que é só birra de servidor e não vai dar importância. E esta é outra hipótese, bastante plausível. Principalmente se acrescentarmos outro item no extenso rol de motivos acima, que faz parte da denúncia encaminhada à Assembleia Legislativa do estado, a Alerj: o governo do Rio gastou absurdos e estratosféricos R$ 1,5 bilhão com propaganda nos últimos dez anos de governo Cabral/Pezão e ainda prevê gastar mais R$ 150 milhões com propaganda em 2016. Em plena "crise". E gasto com propaganda inclui, claro, os mesmos jornais que divulgam notícias de forma tendenciosa e parcial, para agradar ao seu maior anunciante, o governo.

Já não é uma tarefa fácil convencer a população de que brigar por saúde, educação e segurança é muito mais importante do que carnaval, BBB e futebol. Imagine então com uma mídia desta, que minimiza todas as tentativas de exigir mudanças no estado? E, para facilitar, esta mídia providencial terá menos trabalho ainda neste ano. Vejamos: O início do BBB 16 hipnotiza os brasileiros, que gasta preciosos reais, como se isso fosse fazer alguma diferença em sua vida, para ligar e eliminar algum desafeto do jogo e manter lá dentro o “heroi ex-anônimo” que merece ganhar uma fortuna para se exibir e fingir ser bonzinho. Com o foco no jogo, a roubalheira corre solta em todas as esferas.

A partir deste mês, todos estarão focados no carnaval. Os políticos aproveitam para escancarar as porteiras dos cofres públicos para os amigos do governo. A população, preocupadíssima em saber qual é a melhor escola de samba e em aclamar os “heróis com samba no pé”, nem vai notar o quanto vai se escoar pelo ralo da corrupção, da impunidade e do desleixo.

Para azar da cidadania, no mesmo mês começa o campeonato estadual de futebol. Mais uns bilhões vão desaparecer enquanto flamenguistas, vascaínos, botafoguenses e tricolores se digladiam pelos “heróis da bola”, midiáticos e milionários, que se lixam para o que os torcedores pensam.

 Aí depois teremos as olimpíadas. Nada de política. Nada de governo. Nada de desvios e nada de corrupção. A mídia só vai falar dos “heróis olímpicos”. E mais dinheiro vai sumir enquanto isso.

Acabando as olimpíadas, o país finalmente vai começar a enxergar o tamanho do rombo e do atoleiro em que estamos metidos até o pescoço? Não. Ainda não. Temos eleições, o que, por si só, já significa desvio de dinheiro público, fraude, caixa dois, compra de votos e roubalheira generalizada. Mas a mídia oficial, auxiliada por marqueteiros de plantão, só vai falar dos “heróis políticos” que vão salvar o estado com fórmulas mirabolantes que jamais serão postas em prática, porque precisam ser usadas como argumento de novo daqui a quatro anos.     

Enquanto isso, os heróis de verdade, pais e mães de família, estudantes, trabalhadores, desempregados, continuarão vendo políticos ladrões enriquecendo, empresários milionários recebendo dinheiro público e crises generalizadas em hospitais, porque, claro, com tanto evento, não sobra dinheiro para essa “bobagem” de saúde pública.

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Alzimar Andrade

Alzimar Andrade

Alzimar Andrade é Analista Judiciário do Tribunal de Justiça, Diretor Geral do Sind-Justiça e escreve todas as quintas-feiras sobre tudo aquilo que envolve a justiça e a injustiça, nos tribunais e na vida...

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