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O mal ronda o Brasil
Rodrigo Garcia*
Tony Judt, um historiador inglês que morreu em 2010, lançou naquele mesmo ano o excelente ensaio “O mal ronda a Terra - um tratado sobre as insatisfações do presente”. No livro, o autor oferece excelentes reflexões acerca da essência “materialista e egoísta da vida contemporânea”, da profunda desigualdade que construímos em nossas sociedades, e das dificuldades para enfrentar os tempos atuais de inseguranças econômicas, políticas e físicas. Citando os EUA e a Grã-Bretanha, o autor defende que nunca vivemos tempos de tanta riqueza e de tanta desigualdade, e que esta situação foi especialmente construída nas últimas três décadas de desregulamentação econômica mundial.
O trabalho de Judt oferece também duas questões que, embora apresentadas numa ótica global, tem tudo a ver com o Brasil da atualidade. A primeira é a incapacidade do atual capitalismo de dar conta de níveis necessários e desejáveis de desenvolvimentos social e econômico, com efetiva redução das desigualdades. A segunda é a dificuldade da “esquerda” de formular e agir neste crítico momento da humanidade.
Creio que vivemos quadro essencialmente similar no Brasil. O projeto reformista liberal que foi implantado desde os anos 1990 — e que apresentou-se novamente na eleição de 2014 — não serve mais ao país (aliás, nunca serviu à complexa realidade brasileira). E o projeto de centro-esquerda que vivemos desde 2003 — e que venceu a eleição de 2014 e priorizou as camadas mais pobres — parece estar em dificuldades de métodos e de objetivos.
Diante deste quadro, e em analogia ao título do livro de Tony Judt, há um mal que ronda o Brasil. O fato é que, nos últimos 20 anos, nos acostumamos a pensar o Brasil apenas entre um projeto econômica e socialmente mais conservador e liderado pelo PSDB, e um projeto econômica e socialmente menos conservador e liderado pelo PT. Eu mesmo estou acostumado a pensar nesta perspectiva. Nos acostumamos com o imediato, como se o futuro do país durasse apenas quatro ou oito anos seguintes, e como se tudo fosse resolvido substituindo ou mantendo Dilma Rousseff. Uma ilusão!
A pauta de curto prazo do Brasil é de pelo menos 20 anos, e extrapola, em tempo e conteúdo, o confronto PT x PSDB. Nos próximos anos as economias centrais (EUA, Europa, etc) vão se recuperar. E para esta recuperação (deles) será fundamental obter recursos e divisas com economias relevantes e menos estruturadas, como a brasileira. Cada vez mais seremos obrigados a competir com os países ricos nas pautas de 1) educação, 2) ciência, 3) tecnologia, 4) inovação e 5) financiamento.
O mal que ronda o Brasil é a acomodação que a sociedade (academia, sindicatos, militantes políticos, setores produtivos, etc) organizou em torno do imediatismo eleitoral, em detrimento a uma estratégia de desenvolvimento para os próximos 20, 30 e 40 anos, e que contemple as áreas que citei acima. A defesa e promoção das empresas genuinamente nacionais é exemplo de assunto deste contexto e que à esquerda e à direita é tratado aquém do que merece.
Tempos difíceis virão. Não simplesmente por causa de Dilma, Aécio, ou de nossa estrutura político-partidária carcomida; mas principalmente pela falta de reflexões e ações estratégicas para as próximas décadas do Brasil.
*Rodrigo Garcia é mestre em ciência política pela Universidade Federal Fluminense
rodrigo7garcia@yahoo.com.br
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