Eleições 2010: Política ou politicagem?

terça-feira, 31 de agosto de 2010
Sou servidor público há quase três anos. Chefe de Cartório Eleitoral há pelo menos dois. E o que tenho visto a respeito de pleitos eleitorais, candidatos e suas propagandas políticas, bem como legislação reguladora de todo o processo eleitoral? Um emaranhado de ações que se confundem em avanço e retrocesso, paradoxalmente. Já nas eleições municipais do ano de 2008, muito se discutiu a respeito dos ‘fichas-sujas’, quanto à capacidade ou não de concorrerem a um cargo político. Ineditismo em âmbito nacional foi alcançado quando se extirpou do nosso cotidiano, neste mesmo ano, sob a vigência da lei 11.300/2006, a propaganda invasiva, que tomava conta de nossas ruas, avenidas e praças, como a veiculada por meio de galhardetes, e causava indiscutível poluição visual nas cidades de todo o país. Em contrapartida, para a eleição presidencial deste ano de 2010, o legislador incluiu no artigo 37 da “Lei das Eleições”, por intermédio da Lei nº 12.034/2009, uma brecha de notória contradição, inserindo o parágrafo 6º no referido artigo. Ora, se o caput do artigo 37 da Lei nº 9.504/97 é patentemente claro ao estabelecer que “nos bens (...) de uso comum (...) é vedada a veiculação de propaganda de qualquer natureza, inclusive pichação, inscrição a tinta, fixação de placas, estandartes, faixas e assemelhados.”, que razão subsiste para inserir no rol deste mesmo artigo o parágrafo 6º permitindo “(...) a colocação de cavaletes, bonecos, cartazes, mesas para distribuição de material de campanha e bandeiras ao longo das vias públicas, desde que móveis e que não dificultem o bom andamento do trânsito de pessoas e veículos.”? (grifo nosso). O TSE, a quem compete também a interpretação da lei eleitoral, editou a Resolução nº 23.191/2010, que disciplina a propaganda eleitoral, regulada pela Lei 9.504/97, nas eleições deste ano, acompanhando tamanha incongruência legislativa e permitindo a colocação de cavaletes, bonecos, cartazes, mesas para distribuição de material de campanha e bandeiras ao longo das vias públicas, desde que não ultrapassem a marca de 4 m2, inclusive sem a necessidade de acompanhante, o que atribuía a mobilidade da propaganda em 2008. Resultado: ruas infestadas de cavaletes/cartazes, em visível desrespeito aos direitos do cidadão, constitucionalmente assegurados, como o de um meio ambiente ecologicamente equilibrado (desprovido de poluição visual inclusive) e o de locomoção ou livre circulação. Placas invadindo calçadas e ruas, inúmeros candidatos disputando, cada qual a seu jeito, o melhor local para veicular sua propaganda. E o povo, abatido, tendo de aturar passivamente tamanha afronta. Por outro lado, o Congresso Nacional, talvez encurralado pela pressão popular e de entidades sociais, resolveu editar e promulgar, com a sanção do presidente da República, a Lei Complementar nº 135/2010, popularmente conhecida como “Lei da Ficha Limpa”, pela qual, em resumo, cidadãos condenados por qualquer órgão colegiado, composto por magistrados, não estariam habilitados a concorrer a um cargo político em uma eleição. Então veja-se: ao passo que o legislador pátrio procurou, escorado no Projeto Ficha Limpa encabeçado pelo Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE - http://www.mcce.org.br), dar maior credibilidade e lisura a todo o processo eleitoral em si, com a promulgação da LC nº 135/2010 (que alterou a Lei das Inelegibilidades – LC nº 64/1990), este mesmo legislador naufragou, amparado posteriormente pelo próprio TSE, quando possibilitou ao candidato valer-se de seu poder econômico para infestar o patrimônio público com suas enfadonhas propagandas. O cotidiano do cidadão brasileiro já está mergulhado em diversas espécies de propaganda eleitoral, seja televisiva, seja por meio de panfletagem ou comícios, enfim, inúmeros métodos que já possibilitam a este mesmo cidadão a escolha de seus candidatos, o que tem se mostrado muito difícil atualmente, hei de convir. Como ouvi recentemente de um nobre ser humano a serviço de seu país, que talvez não tenha completado o ensino fundamental, o povo deve escolher seu candidato sabendo de quem se trata, tomando conhecimento do que realizou em prol do bem-estar comum, e não por ser importunado pela propaganda massiva e alienante, resultado, talvez, de um abuso de poder econômico por parte destes mesmos candidatos. Sábias palavras para quem talvez desconheça, ou finja desconhecer, o viés manipulador que sempre existiu por trás de uma candidatura política, como a compra de votos e o assédio moral para conquista de um voto. Entretanto, certamente traduzem o real sentimento de uma boa parcela da população que agoniza por ter de enfrentar desrespeitosa situação. E ainda acrescentou: “este mesmo material que polui visualmente nossa cidade é o mesmo que será abandonado ao relento e trará também a poluição do nosso meio ambiente”. Prescinde de nota contundente afirmação, pois fatalmente é o que se vê na prática em muitas ocasiões. Ao povo, resta a indignação. Soma-se a isso a perplexidade pelo fato aparente de não se ter no país qualificados suficientes para exercer a sua cidadania na escolha dos ‘melhores’ representantes (como demonstraram alguns dos resultados nas últimas eleições); e, ao que tudo indica, os que se considerem aptos para tanto ficarão extenuados por se depararem, quem sabe, com a situação de não ter em quem votar. Os noticiários já sinalizam: “Funkeira Tati Quebra-Barraco, cantora Simony e humorista Tiririca estão entre os artistas candidatos nas eleições 2010” . Politicagem e política estão sendo confundidos, como se mesma coisa fossem? Já a nós, servidores, resta-nos o papel de coadjuvantes. Não editamos as leis eleitorais, na qualidade de cidadãos nos prostramos à difícil escolha dos que consideramos aptos a governar e a nós não cabe a interpretação destas leis eleitorais promulgadas, tão somente sua aplicação, algo de extrema dificuldade, considerando o ímpeto de desarrazoabilidade que parece ter contaminado a nação político-social brasileira. Gutierrez G. Corguinha
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