Um amor que não se resume ao rosa ou azul

Mães que criam seus filhos sem se preocupar com uma educação sexista
sábado, 11 de maio de 2019
por Guilherme Alt (guilherme@avozdaserra.com.br)
Nicole Sollberg e Ernesto (Álbum de família)
Nicole Sollberg e Ernesto (Álbum de família)

No início do ano a ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, polemizou em seu discurso de posse falando que “menina veste rosa e menino veste azul”. Muitos criticaram a postura de Damares. Tema recorrente nos principais debates acadêmicos e políticos, a ideologia de gênero, tão forte nas gerações passadas, vem sendo naturalmente substituída por uma criação sem ideologia. Não há como negar que a geração nascida até 2010 recebe uma educação em que os valores de homem e mulher são distintos e com patamar diferente, de uma forma geral.

Vale lembrar que o cientista Charles Darwin já defendia a teoria da evolução das espécies, e hoje em dia, o que era inquestionável, começam as tentativas de desconstruí-la. As principais responsáveis por isso são as mulheres. Sejam elas mães ou futuras mães, nelas encontra-se o coração da mudança. É nelas que está a esperança de que as crianças tenham um pensamento de igualdade, de que nenhum sexo é mais forte que o outro. De que menina pode ser uma piloto de Fórmula 1 e que um menino pode ser uma estrela do balé, sem ter sua sexualidade contestada. Quem sabe, daqui há alguns anos, essas mulheres sejam responsáveis pelo fim do bullying, que trata o “diferente” como errado.

Alguns bons exemplos de mães que desconstroem a educação antes dita como tradicional são encontradas em Nova Friburgo. Muitas delas se dispuseram a dar o seu depoimento. Infelizmente só tínhamos espaço para três mamães. Conheçam as mulheres responsáveis por mudar e recolocar nos trilhos a verdadeira educação que vem de casa.

Ingrid Santiago e Helena

Que mães sempre foram questionadas sobre como criar seus filhos, isso nunca foi novidade  e piora consideravelmente quando aos olhos de muitos, você não se enquadra no “tradicional”. Muitas mulheres querem o quartinho decorado com rosa ou azul. As roupas também precisam deixar bem claro o sexo do bebê e não podemos esquecer das fraldas que especificam para qual sexo ela serve. E quando você simplesmente tá “100% nem aí?” (risos).

Ouço muito “Você não ama seu bebê?”; “As pessoas não vão saber se é ela ou ele”; “Coloca só um lacinho!”. Sempre pensei que nada disso importa. O que importa é seu amor, seu acolhimento, sua forma de se permitir imaginar o mundo com eles, de não ficar selecionando friamente os brinquedos de acordo com o sexo deles, por que, fala sério, nós sabemos que eles comem terra, correm pelados, se divertem com o próprio cocô, então né, eles não estão muito preocupados com seus brinquedos que foram meticulosamente escolhidos para seu sexo. Dar a eles toda diversidade de cores, brinquedos ou roupas os tornam ao meu ver, mais imaginativos, livres, espontâneos e inteligentes. Perdemos tempo demais nos preocupando com a roupa rosa que não combina com a tiara azul ou com a camisa de time que ele vai usar, com os brinquedos que devem mostrar a eles como é a “vida”, perdemos tanto tempo querendo moldar indivíduos que são um universo à parte que contém sua própria natureza.

Eu, como mãe, sempre que olhei pra Helena queria ver felicidade, seja com o carrinho e a bola ou as panelas e as bonecas, exercer a liberdade e poder de escolha sempre foi foco na criação e desenvolvimento. Minha família já até se acostumou com a ideia e eu sei disso quando dão todo tipo de brinquedo, todo tipo de roupa e vêem nela uma criança incrivelmente saudável e feliz que não quer nada, hoje, além de brincar sem limitações, ideologias e comportamentos pré-determinados.

Nicole Sollberg e Ernesto

Tenho 30 anos, sou idealizadora da Teca & Co. Bonecos Artesanais, pós-graduanda em Processo Penal, artista plástica e mãe do Ernesto. Quando ele nasceu há 5 anos, eu não era nada disso e descobri que precisava concretizar meus sonhos para que ele crescesse num mundo melhor. É inegável que os filhos nascem para a  gente ser feliz e que é preciso ter meta, garra e força de vontade para lutar por eles e realizar nossos sonhos.

Não temos doméstica, nem cozinheira, nem motorista, somos nós dois. Aprendendo a ser uma família funcional, acolhedora e alegre. Um dos maiores desafios quando se tem a responsabilidade de educar é construir um ser humano íntegro, consciente de suas responsabilidades e feliz, no meio do caos que a sua casa pode ficar com a pressão do dia a dia e dos dias nublados que não deixam o uniforme secar nunca. As crianças aprendem com o que vêem à sua volta, em suas casas, escolas e bairros. E assim eles vão se construindo e nos construindo também. Então aqui em casa as tarefas são divididas para que a qualidade de vida da gente seja melhor e todos possamos crescer com as responsabilidades, tanto com o espaço quanto com os outros integrantes da família.

Sou mãe de um menino, hoje uma criança mas amanhã, um adulto. Espero que ele seja um profissional capaz, um adulto independente e se for a escolha dele, um bom pai e companheiro. Mas que principalmente tenha autonomia e liberdade em sua escolhas. E com isso vem a minha responsabilidade de educar esse garoto longe das doenças atuais da sociedade e o machismo é uma delas. A rotina de um lar livre do machismo é muito mais prazerosa e construtiva pra todos, eu posso cuidar da minha empresa, dos meus estudos e de mim (nunca devemos deixar de cuidar de nós mesmas) mas principalmente para meu filho, que aos poucos vai aprendendo a ser um homem independente e um bom pai quando brinca de casinha, ou vai às compras comigo por exemplo.

Aprende a empatia quando percebe que em determinado período do mês eu fico mais sensível, sim, por aqui lidamos com naturalidade as questões do corpo e de nossos sentimentos. O machismo cultural causa muitos malefícios à saúde psicológica dos meninos, que são reprimidos ao expressarem seus sentimentos: quando um menino está triste ele tende a se isolar ao invés de buscar ajuda com medo de ser ridicularizado com as famosas frases de ‘coisa de mulherzinha’ ou ‘homem não chora ‘engole esse choro’… Essas frases mandam a falsa mensagem de que ter sentimentos é sinal de fraqueza, quando na verdade, não há nada mais forte do que demonstrar sentimento e aprender a ser emocionalmente capaz.

É fundamental que todas nós, as mães, percebamos que a responsabilidade das agressões contra as mulheres também é nossa, quando aceitamos ser submissas e sobrecarregadas. Ensinamos aos nossos filhos que é aceitável tratar as mulheres assim quando não partilhamos as tarefas, mostramos que eles não têm responsabilidade com o ambiente que vive e isso gera uma sociedade triste, incapaz e agressiva. Somos a verdadeira força capaz de impulsionar um mundo mais seguro e melhor para nossos filhos, mas é preciso aprender a delegar as funções e reconhecer nosso valor dentro da sociedade.

Dayvilla Bianquini e Donatello:

Não considero que seja uma criação ‘nova’, mas sim que mais pais estejam entendendo que devemos começar a mudança desde pequenos. A minha criação foi cheia de machismo, tento fazer diferente com o meu filho. Na criação do Donatello não existe a caixa para menino e a caixa para menina, então ele tem brinquedos que, para muitas pessoas, é ‘estranho’. Ele brinca de super herói, tem um restaurante, leva as duas filhas (Alice e Ana Júlia) para o mercado, dá banho e janta, joga bola, brinca de lego, enfim, ele BRINCA. Tanto o pai, quanto eu, temos as mesmas funções com relação à casa, nosso filho e nossos gatos. Sobre as cores, ele mesmo já sabe explicar que "não existe cor só de menina e de menino".

Outra situação que é bem chata, e ele mesmo também já aprendeu a resposta, é sobre o cabelo dele: ele é um menino ‘cabeludo’, mas porque ele mesmo gosta do cabelo grande, nunca foi uma imposição minha ou do pai, sempre deixamos claro para ele que quando quiser cortar é só falar, também não é promessa. Nossa preocupação foi quando começou a frequentar a creche, mas ele tirou de letra! De vez em quando ele leva uma das filhas no dia do brinquedo e, na hora da saída, os colegas corrigem os pais quando se referem ao Don como uma menina, "não, papai, é o Donatello, meu amigo".

Sofro muita crítica ainda. A família estranhou um pouco no começo, mas hoje em dia admite que era só o "machismo enraizado". Lembro do último Natal, estávamos na fila para ver o papai Noel, quando um pai com a filha pequena chega pra gente e manda a filha dar o avião para o Donatello porque era ‘brinquedo de menino’. Na mesma hora o Don olhou pra mim, sem entender direito e disse "ué, mamãe,  mas todo mundo pode brincar de avião". Sinto muito orgulho toda vez que aponta uma situação de terceiros ou corrige algum comentário direcionado a ele.

 

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