Setembro Amarelo: este ano Friburgo já contabiliza 50 tentativas de suicídio

Falta de medidas de prevenção e tabu em torno do tema são alguns dos responsáveis pela alta taxa, diz psiquiatra
domingo, 24 de setembro de 2017
por Dayane Emrich
Setembro Amarelo: este ano Friburgo já contabiliza 50 tentativas de suicídio

Um, dois, três…quarenta. Embora seja difícil dimensionar e acreditar o quão alarmante são os números, a cada 40 segundos uma pessoa se mata em alguma parte do mundo, um total de 800 mil registros anuais. Os dados são do relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS), que alerta também que, para cada vítima, cerca de dez a 20 tentativas foram feitas antes. Para os familiares, amigos e conhecidos a pergunta que fica é: “Mas porque ele ou ela fez isso?”

De acordo com um dos mais conhecidos filósofos da história, Aristóteles, existe na natureza humana uma tendência a viver em sociedade. Em sua tese, o pensador argumenta que o homem é um ser naturalmente carente, que necessita de coisas e de outras pessoas para alcançar a sua plenitude. A teoria faz muito sentindo, ainda mais se pensarmos que, desde os primórdios, o homem sempre se organizou em grupos, tribos e comunidades. Mas, então, por que tantas pessoas se sentem perdidas, tristes, confusas e, de alguma forma, predispostas a tirar a própria vida?

No Brasil, considerado o oitavo país com mais suicídios no mundo, de acordo com um levantamento da campanha Setembro Amarelo, 32 pessoas morrem por dia vítimas do suicídio. A taxa é superior às vítimas da Aids e da maioria dos tipos de câncer. Informações do Mapa da Violência 2017, estudo publicado anualmente a partir de dados oficiais do Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, mostram que a taxa de suicídios no país aumentou 60% desde 1980, principalmente entre os jovens. O levantamento revela que, em 1980, a taxa de suicídios entre 15 a 29 anos era de 4,4 por 100 mil habitantes; chegou a 4,1 em 1990; e a 4,5 em 2000. Ou seja, um crescimento de 27,2% entre 1980 a 2014.

Segundo o primeiro Boletim Epidemiológico de Tentativas e Óbitos por Suicídio no Brasil, divulgado na última quinta-feira, 21, entre 2011 e 2016, foram registradas 62.804 mortes por suicídio, a maioria (62%) por enforcamento. Os homens concretizaram o ato mais do que as mulheres, correspondendo a 79% do total de óbitos registrados. Os solteiros, viúvos e divorciados foram os que mais morreram por suicídio (60,4%). Na comparação entre raça/cor, a maior incidência é na população indígena. A taxa de mortalidade entre os índios é quase três vezes maior (15,2) do que o registrado entre os brancos (5,9) e negros (4,7).

Em Nova Friburgo, segundo dados do 6º Grupamento do Corpo de Bombeiros, de janeiro até o último dia 18de agosto, já foram contabilizadas 50 tentativas de suicídio. Quantidade que, a menos de cem dias para o fim de 2017, já representa 88% do registrado em 2016, quando foram contabilizados 57 casos. Em 2015 foram registrados 41 tentativas de suicídio, contra 30 em 2014 e 31 em 2013. Os números são alarmantes pois, de acordo com o Ministério da Saúde, a média nacional de quem tenta tirar a própria vida é de 5,8 casos para 100 mil habitantes.

Determinantes econômicos e sociais

Entre todos os fatores sociais que podem influenciar o ato suicida, de acordo com o estudo do Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea) sobre austeridade e saúde, as crises econômicas e o consequente aumento do desemprego têm influência em diversos casos investigados. Embora sejam registrados episódios de suicídio em todos os países, em 2012, por exemplo, 75% dos casos ocorreram em nações de baixa e média renda, segundo dados da OMS.

Outros fatores sociais também são apontados como os responsáveis pelas altas taxas de suicídio. Afinal, quem nunca se sentiu pressionado para entrar em uma boa universidade, arranjar um bom emprego, manter as contas em dia, ter um relacionamento estável ou tantas coisas mais? Vivemos em uma sociedade onde a ditadura da moda fala mais alto, a competitividade, a concorrência por uma vaga em qualquer coisa que seja é extremamente elevada, assim como o custo de vida.

É o que explica a psiquiatra Angela Maria Moura Rezende. "A taxa de suicídios é alta em função das mudanças culturais e sociais que estão acontecendo no mundo. Não há uma única causa. As pressões sociais hoje são muito maiores. Por exemplo, a necessidade de você ter sucesso profissional, amoroso, o corpo perfeito. O mundo cobra isso das pessoas. Em cima dos jovens, então, a pressão é muito difícil. O jovem, às vezes, não está nos ‘padrões’ e se sente fora do grupo social”, explica ela, acrescentando que: “medidas de diminuição das tensões sociais, sociedades com menos teor de exigência e menos excludentes diminuem o número de suicídios”, pontua.

A depressão não é a única vilã

A depressão é, de fato, um dos fatores que mais leva as pessoas a cometerem suicídio, mas outros quadros psicóticos também podem provocar o ato. “A esquizofrenia e o Transtorno Afetivo Bipolar, às vezes doenças clínicas consumptivas ou degenerativas de evolução longa, além de fatores genéticos (outros suicidas na família) são algumas delas”, explicou Angela.

Segundo a psiquiatra, o suicida deixa pistas sobre o fato a que pretende e, por isso, amigos e familiares devem estar atentos. “São frases como: ‘Eu não dou mais certo!’, ‘As coisas estão ruins’, ‘Eu não tenho saída’. Assim, o suicídio pode ser uma procura real da morte ou uma forma de comunicar o próprio sofrimento, mitigar a solidão, evitar sequelas de doenças, ou uma alteração no status social, ou ainda pode ser sintoma de uma doença psicótica ou mesmo uma vingança contra a pessoa amada”, destacou.

Para a psiquiatra, todos podem ajudar uma pessoa nesta situação, ouvindo-a sem julgamentos e estimulando-a com falas motivadoras. “Mas é importante procurar atendimento médico para que a pessoa receba o tratamento adequado o mais rápido possível. Ao efetuarmos um tratamento precoce com psicoterapia e até mesmo uso de medicação com indicação precisa, estaremos sim no caminho de melhor cuidarmos deste paciente”, diz a médica.  

Ainda um tabu

De acordo Angela, a falta de medidas de prevenção e controle público também são questões influenciadoras no número de suicídios. “As medidas de prevenção são precárias e pouco divulgadas e ainda é tabu falar sobre suicídio. As famílias não se sentem à vontade e escondem o fato”, pontuou.

Em artigo divulgado no início do mês, a ONU também abordou o assunto e destacou o preconceito no uso do termo, como um dos principais fatores do seu crescimento. “O estigma, particularmente em torno de transtornos mentais e suicídio, faz com que muitas pessoas que estão pensando em tirar suas próprias vidas ou que já tentaram suicídio não procurem ajuda e, por isso, não recebam o auxílio que necessitam. A prevenção não tem sido tratada de forma adequada devido à falta de consciência do suicídio como um grave problema de saúde pública”, diz trecho do texto. Segundo o órgão, poucos países consideram a prevenção ao suicídio como prioridade e apenas 28 nações afirmam ter uma estratégia nacional para combate do problema.

Quando se fala de tabu, é fundamental abordar a imprensa brasileira que, em muitos casos, acredita que não deve falar sobre o suicídio, pois ao abordar o assunto, pode incentivar outras pessoas a fazerem. Em muitos veículos, inclusive, é proibido publicar notícias com a temática do suicídio ou deve-se omitir a causa da morte.

“Devemos sempre abordar este assunto com a seriedade que ele merece. Campanhas preventivas como o atual Setembro Amarelo ajudam muito aquele indivíduo que está sozinho tomado pela angústia e o temor de não dar conta dos seus sentimentos, da sua dor, da sua incapacidade de lutar. Quando abrimos uma escuta sem repreensão, sem julgamento, sem preconceito, podemos sim ajudar e, muitas vezes, evitar o ato suicida”, disse Angela.

Onde buscar ajuda

Em Friburgo, ainda não existe um órgão especializado no tratamento do suicídio, mas, qualquer pessoa pode procurar o Caps (Centro de Atenção Psicossocial) como uma porta de entrada para uma avaliação. O órgão fica situado na Avenida Comandante Comte Bittencourt, 142, Centro. O telefone para contato é (22) 2523-4206.

Outra opção para quem precisa de auxílio é o Serviço de Psicologia Aplicada, que funciona na Universidade Estácio de Sá, no bairro Braunes. No local é feita a triagem para que alguns casos tenham prioridade. O atendimento é gratuito. Mais informações podem ser obtidas pelo telefone (22) 2525-1525.

 

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