Nas academias e fora delas, a disciplinada arte de esculpir o corpo

Fisiculturismo inspira cada vez mais pessoas a buscar o corpo perfeito e um estilo de vida saudável
sábado, 28 de outubro de 2017
por Dayane Emrich
Nas academias e fora delas, a disciplinada arte de esculpir o corpo
Ao contrário do que muitos imaginam, elas não têm músculos daqueles que saltam do corpo e causam espanto. Também não têm traços brutos, desproporcionais ou voz rouca, típica de quem fez uso de anabolizantes. Tampouco se parecem com homens. Na verdade, elas têm atributos avantajados e definidos e, por isso, atraem um séquito de fãs nas redes sociais.

“O esporte me trouxe perseverança, disciplina, controle emocional, saúde e força interior”

Julenoy Dias

No Instagram, elas postam fotos e vídeos acompanhados de inúmeras hashtags, reproduzidas por seus admiradores e admiradoras. Entre as mais usadas estão #bodybuilding, #shape #lifestyle, as engraçadas #treinobrutotododia, #esmagaquecresce e a famosa #bumbumnanuca, popularizada pela musa fitness Gracyanne Barbosa.

E se o fisiculturismo vem ganhando destaque no cenário nacional, em Nova Friburgo não podia ser diferente. Em homenagem ao Dia do Fisiculturista, 30 de outubro (esta segunda-feira), o Caderno Z conversou com representantes do esporte na cidade. Além de contar sobre o seu dia a dia, a rotina de treinos e dieta, mulheres que inspiram milhares de internautas com seus estilos de vida saudável falaram das competições e do preconceito em torno do esporte.

Garota Wellness

Desde que comecei a me interessar pelo universo fitness, há pouco mais de três anos, acompanho a rotina da estudante de Educação Física Ana Ruiz Etz, de 20 anos, através da rede social Instagram. Eu e mais 317 mil usuários da plataforma. O motivo é simples: além do corpo escultural, a jovem compartilha fotos e vídeos de seus treinos, rotina, alimentação e mostra as transformações pelas quais passou desde que adotou o estilo de vida fitness e o fisiculturismo como profissão. Tudo isso, é claro, com algumas doses extras de bom humor, alegria e muito carisma.

Tricampeã mineira na categoria Wellness (destinada a mulheres que preferem desenvolver um físico menos musculoso), Ana (foto antes e depois) nasceu em Nova Friburgo, mas mora atualmente em São João Del Rei (MG). Lá conheceu o esporte e viu nos pesos da academia o caminho para alcançar qualidade de vida.

“Fui uma criança muito gordinha. Me alimentava mal e era muito sedentária. Não passava um dia sequer sem comer chocolate e tomar refrigerante. Minha mãe e minha avó viviam chamando a minha atenção, mas eu não me importava, mesmo estando com sobrepeso, hiperglicemia e outros problemas de saúde. Um dia, aos 14 anos, me olhei no espelho e não gostei nada do que vi. Decidi que eu não queria aquele reflexo e que faria o possível para mudá-lo. Lembro como se fosse hoje”, conta ela.

Ana explica que começou a fazer jump e prática circense e que a musculação veio logo depois. “Por conta da perda de peso, fiquei muito flácida e percebi que precisava fazer algo para tonificar os músculos. Foi então que comecei a praticar musculação: um amor à primeira vista. Gostei tanto que lá se vão seis anos”, explica, acrescentando: “Com um pouco de persistência, a gente consegue. Se eu falar que eu não tive obstáculo, é mentira. Foram muitas as dificuldades. Mas o importante é cair, levantar e seguir em frente”.  

O primeiro campeonato de fisiculturismo foi aos 17 anos. “Eu era bem novinha e tive que pedir autorização judicial para subir no palco. Foi algo muito legal. Além do campeonato mineiro, do qual fui campeã em 2014, 2016 e 2017, já participei uma vez do Arnold Classic, mas não consegui pegar pódio; e três vezes do campeonato brasileiro, sendo por duas vezes a quinta melhor do país. Participei também da ExpoNutrition, em 2014, e fiquei em primeiro lugar na minha categoria e em terceiro na categoria unificada.

Barriga chapada? Muito suor e boca fechada!

Claro que para desfilar o corpão na internet e servir de inspiração para tantas mulheres e colírio para os marmanjos, o trabalho é árduo e requer muita determinação. Além de treinar todos os dias da semana, Ana segue um plano alimentar e suplementar, preparado pela equipe que a acompanha.

“Treino membros inferiores três vezes na semana e superiores duas. Praticamente todos os dias faço uns dez minutos de cárdio em intensidade leve, para soltar a musculatura. Nos fins de semana faço cerca de uma hora de cardio para melhorar o condicionamento muscular”, conta ela, explicando que, além da musculação, treina muay thai duas vezes na semana.

    A esta receita “mágica” soma-se ainda a dieta equilibrada. “Minha alimentação varia muito dependendo da fase em que estou: se tenho competição ou não; se quero crescer ou dar uma secada. Atualmente, como não pretendo participar de nenhum campeonato, estou como uma dieta de ganho, entre 2.000 e 2.100 calorias por dia. Em geral, a dieta é muito rica em carboidrato, proteínas e gorduras. Tudo de alta qualidade”, afirma.

    Embora as medidas sejam essenciais para quem trabalha com o corpo, Ana argumenta: “O nosso espelho é nosso melhor parâmetro. Na minha opinião, o importante é gostar do que se vê, independente do tamanho. Acho que as pessoas não devem se prender a isso”, afirma ela, revelando os 1,59 centímetros de altura, 62 de cintura; 100 de quadril; 58 de coxa; e 56 quilos.

Quanto pesa o preconceito?

Questionada sobre os obstáculos para seguir na profissão, Ana foi enfática. “Ainda há muito preconceito, principalmente quando se trata de mulheres. Eu, por exemplo, tive que convencer a minha família de que não viraria uma troglodita e que a prática do fisiculturismo não prejudicaria a minha saúde. Mas, felizmente, aos poucos, as coisas estão melhorando. O mercado está evoluindo no país, o que vem incentivando o aumento do número de praticantes e o surgimento de outras categorias, desde aquelas onde se busca o volume extremo de definição muscular até aquelas onde pouca massa muscular fica aparente”, pontua.

A dama de ferro

Quem vê a nutricionista Julenoy Dias Vieira (foto), de 34 anos. atrás da mesa de seu consultório na Rua Monte Líbano, no Centro, não imagina o quão pesada e regrada é a sua rotina. Isso porque, além da agenda de consultas, ela divide o tempo entre treinos diários, a preparação das marmitas, casa, família e, claro, o descanso.  

Nascida na vizinha Sumidouro, July veio morar em Nova Friburgo aos 12 anos de idade e hoje passa metade da semana aqui e a outra na capital carioca, onde também possui um consultório. Ela conta que começou a praticar musculação por estética, aos 14 anos. “Comecei porque eu era muito magra e queria ganhar corpo. Mas, antes da academia, eu já praticava handebol e ginástica aeróbica. Sempre fui uma pessoa ativa; ser saudável faz parte da minha vida”, afirma.

July explica ainda que faz acompanhamento médico com frequência, mas que monta a sua própria estratégia nutricional. “Minha dieta é composta de proteínas de alto valor biológico como peixe, frango, carne e ovos; carboidratos complexos, isto é, batata, tubérculos, arroz, aveia; gorduras mono e polinsaturadas (oleaginosas); frutas (mamão, morango, abacate, kiwi, açaí); e sementes (chia e linhaça, por exemplo). Em relação a suplementação, uso o whey protein rotineiramente, quantificado de acordo com a estratégia nutricional traçada para cada período da preparação. Uso adaptógenos, manipulados com doses específicas à minha condição física, período de treinamento e condições fisiológicas e bioquímicas” conta.

Além do foco com a alimentação, a nutricionista bate ponto seis vezes por semana na academia, durante todo o ano. “Quando estou em fase de preparação para alguma competição vou duas vezes por dia à academia. Os treinos incluem musculação, funcional, cardior-respiratório e alongamentos”. Segundo July, o treinamento é montado de acordo com o padrão físico exigido na categoria Bikini Fitness, pela qual compete. Nesta categoria, os grupos musculares devem ter uma forma natural e firme, com baixo percentual de gordura corporal e sem volume muscular. Além de beleza, são julgados a simetria corporal, o tônus muscular, tom de pele, vestimenta, presença de palco e simpatia.

Com mais de 20 mil seguidores no instagram e um vasto currículo de vitórias, July começou a competir na categoria Wellness, em 2010. Naquele ano ela foi vice-campeã estreante, campeã estadual e ficou entre as três melhores atletas do país. No ano seguinte, já na categoria Bikini, foi vice-campeã do Arnold USA e ficou em quarto lugar no Arnold Europe. A atleta foi campeã do Arnold Classic South American, em 2014; terceira colocada no Arnold Classic USA; e top 3 no Mr. Olympia Moscow Russia, em 2015. Esse ano ela participou do Arnold Classic South American e foi campeã; e do Mr. Olympia Las Vegas USA, onde ficou entre as sete melhores do mundo.

“Sou atleta a nível internacional há oito anos. No próximo ano terei um calendário grande de competições e terei que vencer o principal obstáculo da minha carreira esportiva: a falta de patrocínio para custear minhas viagens internacionais, que são bastante caras”, disse, acrescentando: “O esporte me trouxe perseverança, disciplina, controle emocional, saúde e força interior. Agradeço a todos que de alguma forma me incentivam e contribuem para meu desenvolvimento como atleta, principalmente à minha família, que sempre me apoia e acredita no meu potencial”, finaliza.

Da Grécia antiga às calçadas friburguenses

Na Mitologia Grega, uma das principais características dos deuses, além dos superpoderes, é o porte físico atlético. Assim também são os heróis, que aparecem em várias lendas mitológicas, como Hércules e Aquiles por exemplo, exibindo músculos extremamente desenvolvidos. No entanto, há algum tempo eles deixaram de existir apenas nos livros, mitos, filmes e histórias em quadrinhos e hoje desfilam por toda parte. Estão no ônibus, na fila do banco, no shopping e no mercado, entre nós, meros mortais.

O atleta Diogo Montenegro (foto), 26 anos -- paranaense de nascimento, friburguense de coração -- é um exemplo dessa nova geração, que adotou a prática de exercícios para controlar e desenvolver os músculos do corpo como um estilo de vida e também uma profissão. Ele conta que veio morar na Serra fluminense antes mesmo de completar 1 ano, quando seus pais decidiram criá-lo em um lugar mais tranquilo, sem a agitação rotineira da cidade grande. O contato com o esporte começou na escola, ainda pequeno, ao se destacar no futebol e nas corridas de velocidade. “Conheci e comecei a praticar musculação também muito cedo, em 2005, aos 15 anos. Na época eu não tinha grandes objetivos. Na verdade, queria apenas um corpo bonito”, revela.

Diogo conta que resolveu se profissionalizar apenas em 2011, após assistir a uma competição de fisiculturismo. “Fiquei encantado e percebi que era algo que eu queria para mim! Hoje, seis anos depois, entre a liga amadora e a liga profissional, já participei de 25 competições”, afirma. Um dos momentos de maior destaque na carreira foi o primeiro lugar na categoria amador, do Arnold Classic Brasil, em 2014, e do Classic Europa, no mesmo ano. A competição -- idealizada pelo ex-fisiculturista, ator, empresário e político austro-americano Arnold Schwarzenegger -- foi realizada em Madri, na Espanha.

Como profissional, Diogo foi campeão de três competições: em 2015, 2016 e 2017, o que o qualificou para ser o primeiro brasileiro a disputar o Mr. Olympia por três anos consecutivos. A competição, a mais importante do fisiculturismo, foi criada por Joe Weider e teve a primeira edição no ano de 1965 em Nova York.

Os superpoderes de um mortal

Treinar seis vezes na semana, às vezes duas por dia; resistir a doces, pizzas e salgados; carregar marmita para todos os lados e viver uma rotina absolutamente regrada. Quem disse que os atletas de fisiculturismo não têm superpoderes?

Com 1,68 metro de altura e 85 quilos, Diogo conta que manter a boa forma a nível de competição não é tarefa fácil. “O atleta precisa estar focado 24 horas por dia, precisa preparar sua comida, comer de 3 em 3 horas, treinar, estudar, trabalhar e descansar. Devido a essa rotina, muitas vezes amizades são perdidas e o afastamento das pessoas que não vivem esse meio é inevitável”, afirma.

Ele explica que os seus treinos têm duração média de 40 minutos e que são sempre seguidos de exercícios aeróbicos. “Geralmente faço um grupamento muscular por dia: segunda peito, terça dorsal, quarta perna, quinta ombro, sexta braço e sábado abdômen. A alimentação é bem regrada; na primeira e última refeição do dia, por exemplo, gosto de usar proteínas e gorduras provenientes de ovos e castanhas do Pará ou amêndoas. As refeições do início da tarde têm carboidratos e proteínas; geralmente arroz branco e frango”, conta, acrescentando a importância da suplementação. “No pré-treino utilizo BCAA, glutamina, creatina e vasodilatador e, no pós-treino, whey isolado, BCAA, glutamina e aveia”.

Como se não bastassem a árdua rotina de treinamento e o foco na dieta, o atleta também tem que enfrentar o preconceito. “De forma geral, esse preconceito em torno do esporte afasta as empresas e os investimentos públicos. É quase impossível o atleta seguir carreira apenas como fisiculturista no Brasil por conta da falta de patrocínio. Somos obrigados a dividir a rotina de atleta com uma rotina de trabalho, ou seja, na maioria dos casos é a profissão que nos mantém no esporte”, conta o atleta, que trabalha como professor de educação física e tem mais de 123 mil seguidores no Instagram.

Sarados anônimos...

Se o número de adeptos do fisiculturismo vem crescendo em Nova Friburgo, a quantidade de pessoas que pratica atividade física e esbanja um corpo sarado também. Basta uma volta pelas principais avenidas da cidade, como a Comte Bittencourt e a Galdino do Valle Filho, por exemplo, para flagrar a galera fitness em plena atividade: caminhando ou correndo. Uma visita nas academias também é garantia de encontrar gente bonita e preocupada com a qualidade de vida. São os sarados anônimos.

Daniel Knupp de Carvalho (foto), de 24 anos, é marinheiro e “crossfiteiro” de coração. “Quando criança eu fazia natação e judô e, dos 17 aos 21 anos, fiz musculação, com o objetivo de melhorar o físico. Agora, treino crossfit e realizo acompanhamento nutricional. Aprendi a importância de uma boa alimentação, visando tanto a uma melhor qualidade de vida e bem-estar, quanto a um melhor desempenho nos treinos. Me alimentar bem é algo normal e espontâneo. Preparo toda a alimentação em casa e carrego comigo em uma bolsa térmica”, afirmou.

A estudante de Educação Física Ariadyne de Sá Pimentel (foto), de 25 anos, garante que o segredo do corpo em forma é a dedicação. “Pratico musculação há oito anos porque sempre fui muito magra e queria ganhar massa muscular. Porém, há 3 anos conheci o treinador Omar Pimentel, hoje meu marido, e passei a levar a musculação realmente a sério, assim como a dieta. A partir daí, realmente meus resultados começaram a aparecer. Hoje, mesmo com a correria do dia a dia, faço minhas refeições no horário e com as quantidades certas e sempre dou um jeito de treinar, nem que seja 30 minutos por dia, sempre com o acompanhamento do treinador. Às vezes, nos fins de semana, faço uma refeição "off", afinal, ninguém é de ferro.  Posso dizer que treinar e me alimentar de forma saudável se tornou um vício do bem, pois sempre saio feliz e revigorada da academia”, revela.

Quem também ostenta a tão desejada barriga “tanquinho” é o costureiro Rondinelli Rodrigues, de 27 anos (foto). De segunda a sábado, entre agulhas, linhas e máquinas de costura, ele reserva um momento do dia para os treinos de crossfit. “Eu sempre fui muito magro; com 18 anos eu pesava 54 quilos, e isso me gerava um certo complexo. Tinha vergonha do meu corpo a ponto de nunca tirar a camisa e evitar ao máximo praia, piscina ou coisas do tipo. Por conta disso, comecei na musculação para ver se conseguia ganhar um pouco de peso. Entre idas e vindas, fiquei na musculação dos meus 18 aos 24, porém a rotina me saturou e, há dois anos, conheci o crossfit. Me encontrei na modalidade e mudei meus hábitos. Hoje treino seis vezes por semana e faço acompanhamento com um nutricionista. A estética virou apenas uma consequência de todo o trabalho; o foco principal é o bem-estar e a qualidade de vida”, pontua.

E não é só a galera da casa dos 20 e poucos anos que está preocupada com a saúde. Aos 46 anos, a professora de Educação Física, mãe de dois filhos e avó Cristiane Blaudt (foto) é a certeza de que, com foco e determinação, tudo é possível. Dona de um corpão que serve de inspiração para muita mulher, ela pratica musculação há 30 anos. “Aos 16 optei pela atividade física simplesmente por estética. Alguns anos depois associei o esporte a uma dieta balanceada, mudando completamente meu estilo de vida e a minha visão sobre vida saudável. Comecei a procurar qualidade de vida, disposição para minhas tarefas do dia a dia e melhora das minhas noites de sono. Hoje em dia penso principalmente em envelhecer ativamente e com saúde, sem as doenças típicas do sedentarismo e da má alimentação. Ser capaz de envelhecer, dentro do possível, com capacidade física e mental preservadas é meu objetivo e sei que o caminho para isso é a prática de atividade física diária e uma alimentação regrada”.

 

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