Meio ambiente: Friburgo adere à agricultura sintrópica

Objetivo é produzir alimentos com o cuidado de sempre recuperar o solo
segunda-feira, 05 de junho de 2017
por Ana Borges, com fotos de Henrique Pinheiro
Meio ambiente: Friburgo adere à agricultura sintrópica

Agricultura sintrópica ainda é pouco conhecida pelo público em geral, mas vem atraindo adeptos entre produtores de todos os cantos do país. Segundo seu criador, o agricultor e pesquisador suíço Ernst Götsch - que migrou para o Brasil na década de 1980 -, ela é baseada na ecologia e na conservação e sua premissa está em produzir alimentos recuperando solos. A manutenção de áreas produtivas e independentes de insumos externos resulta em oferta de serviços ecossistêmicos, com destaque para a formação de solo, a regulação do microclima e o favorecimento do ciclo da água.

Agricultura mais meio ambiente igual a planeta saudável. É vida preservada, população sã e feliz. A lembrança mais remota de Götsch, aos três anos de idade, é ele plantando e observando o crescimento de rabanetes no quintal de sua casa em Raperswilen, no nordeste da Suíça. Hoje, passados 65 anos, sua brincadeira continua sendo a mesma: plantar, observar, testar e inventar.

    Entre o garoto que plantava rabanetes na Suíça e o "gringo" que fez “rebrotarem” 14 nascentes em uma terra degradada no Brasil (mais precisamente, no interior da Bahia), inúmeras histórias desenham sua trajetória de vida. Tanto empenho e paixão o levaram às conclusões que hoje compõem a estrutura conceitual e prática de sua agricultura sintrópica.

    E é justamente em sua história de vida que podemos colher pistas de como o seu pensamento foi criado. Se perguntado sobre sua formação acadêmica, responde com um sorriso contido, que foi expulso três vezes da escola pelo mesmo motivo: "Questionamento do conteúdo acima do nível suportável". Toda a sua história e filosofia, sua relação com a natureza, estão contadas em seu site www.agendagotsch.com.

Friburgo cada vez mais orgânica

    Por aqui, não poucos agricultores adotaram as práticas da agricultura sintrópica e praticam com sucesso seus ensinamentos. Entre esses, o pessoal da “Friburgo Orgânica”, uma empresa de cultivo de alimentos e produtos da agricultura sintrópica que “atua como um movimento de mudança nos conceitos de plantio transbordando para outras áreas do conhecimento”, diz o produtor Luã Madureira. Nesta entrevista, ele conta como se interessou por esse processo e se juntou aos dois amigos - Heitor Gastin e Conrado Stroligo, para, em sociedade, criar uma empresa.  

Entrevista

A VOZ DA SERRA: Como e quando vocês começaram essa empreitada?

Luã Madureira: Somos amigos de longa data e sempre conversávamos sobre fazer algo diferente do que vinha sendo feito aqui nesse setor. O Conrado, que trabalha com agricultura há mais tempo, tinha esse projeto e apresentou pra mim e pro Heitor. Na mesma hora sentimos uma identificação com tudo aquilo que já vínhamos conversando. A agricultura sintrópica foi um dos fatores decisivos para iniciarmos o projeto da Friburgo Orgânica, pois tínhamos certeza de que através dela estaríamos contribuindo de fato com a preservação do nosso planeta.

Como souberam da agricultura sintrópica? Como foi o encontro com o Ernst Götsch?  

O Conrado tem contato com Ernst desde 2009, fazendo cursos e passando temporadas de trabalho na propriedade do Ernst. No ano passado, na sede do Agenda Gotsch, localizada em Casimiro de Abreu, com o aprendizado e experiência adquiridas, Conrado decidiu iniciar a produção de alimentos sem agrotóxicos aqui em Friburgo. Conviver com Ernst é muito enriquecedor. Trabalhando com ele você percebe o quanto ele está na vanguarda em termos de plantio e na maneira como ele entende o ciclo do ecossistema como um todo. São 40 anos lidando com a terra, com o clima, com a atmosfera. Por tudo isso, ele é a maior referência em agrofloresta do Brasil e uma das maiores no mundo. Portanto, não há como pensar diferente: a agricultura sintrópica enxerga de forma mais completa a interação entre os agentes que compõem o ecossistema e busca reintegrar o ser humano ao seu ambiente natural.

Como vocês "sentem" a natureza?

Enxerga a natureza como um só organismo e queremos nos readaptar a ela, e não fazer com que ela se adapte a nós, o ser humano. A gente quer seguir os preceitos de Ernst e sentir a natureza como um todo. O ser humano é parte disso.

É uma relação que vai muito além da produção. Como é isso?

Sim, é uma relação que vai muito além da produção. Trabalhamos visando a recuperação de áreas degradadas para restabelecer o equilíbrio bioquímico do solo que é perdido pelas práticas da agricultura convencional, devido ao uso abusivo de agrotóxicos ao longo de décadas. Não se deve combater as espécies que integram esse ambiente, como formigas, lagartas, aranhas, etc. A atividade humana não pode provocar a competição entre as espécies, mas promover uma relação onde o ganho de um não significa o prejuízo do outro. O objetivo não é só produzir, é melhorar o solo, melhorar as condições do ambiente à nossa volta, criar vida e permitir que ela se perpetue, com ou sem a nossa presença.

Há algo de espiritual nessa relação ou não chega a tanto?

Independentemente de crenças pessoais, mas acreditamos que exista algo espiritual, sim, maior, por trás disso tudo. Pois, em cada momento de dificuldade ou incerteza nossa sobre o futuro, alguma coisa acontecia, e, como um sinal, nos trazia uma percepção positiva sobre as possibilidades do nosso projeto. E então, seguíamos em frente. Como deve ser, sempre.

De que forma a natureza o toca?

Acho que a natureza toca a todos nós da mesma maneira, pois mesmo que alguns se sintam donos da Terra, estamos apenas de passagem. Queremos deixar um lugar melhor para quem vem depois, e como já foi dito, que esta forma de lidar com o meio ambiente se perpetue ao longo dos tempos.

Em tempo: A agricultura sintrópica tem origem na agrofloresta e Ernst Götsch percebeu que muito do que se chamava de agrofloresta não condizia com métodos e práticas favoráveis ao ecossistema a longo prazo. Daí a nomenclatura "sintrópica", onde o principal objetivo é melhorar as condições do ambiente, devolver o que tiramos da natureza e não apenas extrair. Os métodos de substituição de espécies, plantio consorciado, abundância de cobertura de solo e o plantio de espécies arbóreas fazem com que a sintropia esteja um passo à frente de tudo o que é feito em agricultura, seja ela convencional ou orgânica.

Harmonia entre produção e ambiente

    Segundo o agrônomo PhD Ari Uriartt, assistente técnico estadual em agroecologia e produção orgânica da Emater/Porto Alegre, ao se fundamentar na conservação e acúmulo de energia solar a AS promove o processo de fotossíntese.

“Como consequência temos a produção de biomassa e a partir dos ciclos naturais um aumento da matéria orgânica nos solos. O conceito preconiza a adoção de sistema agroflorestal, a partir do plantio de algumas espécies de árvores de rápido crescimento aliadas a cultivos de ciclo anual e horticultura, por exemplo. Entre as vantagens está a recuperação mais rápida de solos degradados, maior retenção de água no solo e mananciais, geração de oxigênio e captura do carbono.

“Outra vantagem é a menor utilização de combustível fóssil na geração de alimentos. O sistema tem seu melhor desempenho em regiões tropicais e subtropicais onde há maior incidência de sol e temperatura mais alta, o que favorece a biocenose e a transformação do carbono contido nos vegetais, por meio de fungos e bactérias, nos nutrientes e na matéria orgânica que vai recuperar o solo degradado”, explicou Uriartt.

Esses e outros termos não surgem por acaso, mas sim, derivam de uma mudança na própria forma de ver, interpretar e se relacionar com a natureza. É como uma simbiose perfeita, que vai além da associação entre duas espécies que resulta em vantagens mútuas. As espécies, várias, se multiplicam e se expandem solo afora, em encontros inimagináveis. E assim, a natureza brota em toda a sua beleza e capacidade de renascer. Ainda mais forte.

 

  • Heitor, Conrado e Luã: experiência com agricultura sintrópica

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  • Horta sintrópica

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