Márcia Tiburi: “É preciso oferecer oportunidades para reduzir desigualdades”

Pré-candidata ao governo estadual pelo PT cumpriu agenda em Nova Friburgo e concedeu entrevista ao AVS
sexta-feira, 03 de agosto de 2018
por Marcio Madeira (marcio@avozdaserra.com.br)
Marcia Tiburi em entrevista ao jornal A VOZ DA SERRA
Marcia Tiburi em entrevista ao jornal A VOZ DA SERRA

Mesrtre e doutora em Filosofia, a pré-candidata do PT ao governo estadual esteve em Nova Friburgo e deu entrevista exclusiva ao jornal A VOZ DA SERRA, assim como outros candidatos. O jornal reservará o mesmo espaço a todos os candidatos ao governo de Estado que visitem Nova Friburgo e/ou demonstrem interesse em serem entrevistados pelo jornal.

AVS: É notório que o PT descreveu um arco desde a primeira candidatura de Lula à presidência, em 1989, até o momento em que ele chega ao poder, em 2002, partindo do que poderia ser descrito como uma esquerda mais acentuada rumo a uma situação que muitos chamam de centro-esquerda. Dentro deste contexto, é possível que o ponto mais oriental da curva descrita pelo partido tenha sido o robusto apoio que reservou aos governos do PMDB no Rio de Janeiro, em especial nos dois mandatos de Sérgio Cabral. Considerando o seu perfil mais à esquerda, e sendo a senhora uma filósofa, como deve ser interpretada a sua candidatura? Em termos gerais, qual a mensagem que o partido tenta passar ao Rio de Janeiro através dela?

Marcia Tiburi: Em primeiro lugar é preciso reconhecer que o PT andou com más companhias, digamos assim. Eu penso que os partidos devem ser compreendidos como entes históricos, e nessa medida o PT já viveu a sua infância cheia de promessas, a sua adolescência difícil, e agora se encontra num momento de maturidade política. Eu passei a rever a história do Brasil a partir do golpe de 2016. A história dos golpes, a história da ditadura, das elites do atraso, das classes sociais no Brasil. E também voltei o olhar para a minha própria classe social, porque sou mais um caso de pessoa para a qual, durante todo o tempo histórico da bolha democrática, desde a abertura até o golpe de 2016, a questão da classe social não pesava tanto. Eu sou filha de pessoas que estudaram até a 5ª série. E como eu estudei muito – fiz duas faculdades, mestrado, doutorado, pós-doutorado, sempre com uma vida acadêmica intensa –, as pessoas sempre interpretaram, também por eu ser branca, que só poderia ter estudado o que estudei e vivido o que vivi por pertencer à classe dominante. Então, quando em 2016 veio o golpe, para mim ocorreu um momento paradigmático, que altera tudo e nos obriga a fazer uma autocrítica do Brasil como um todo, dos nossos posicionamentos e dos partidos. Eu também me envolvi nessa autocrítica, que me levou a olhar para o PT de outra forma. Aquela esquerda idealizada que se tinha, a esquerda pura, se tornou para mim um lugar de luxo que não combina com as condições históricas que estamos vivendo. Era um luxo poder fazer a crítica do PT estando num partido mais à esquerda. No entanto, hoje a impressão que eu tenho é que estar ao lado do povo e junto com o povo é realizar a utopia da esquerda mais profunda. A gente precisa trabalhar pela política, buscando uma ética que que passa por enfrentar a verdade. Então, para mim fica esse movimento: repensar o que pode ser a esquerda dentro das condições históricas, e não mais uma esquerda idealizada, que no Brasil acaba sendo uma esquerda moralista. Vem daí a minha aproximação com o PT, que é um partido de multidões, com todo tipo de pessoa. E, de fato, hoje o partido se coloca com um novo tipo de proposição, minha candidatura tem a ver com uma mudança de paradigma. A abertura à minha candidatura se deu através do meu encontro com Lula. Nós almoçamos juntos em março e conversamos durante muitas horas sobre políticas voltadas às mulheres, que a meu ver se relacionam diretamente com políticas de enfrentamento à pobreza, porque nós sabemos que são as mulheres do Brasil que vivem o sofrimento mais profundo em relação a toda a precariedade de setores como saúde e educação, e os problemas diversos que envolvem a economia, mobilidade urbana, moradia... No Rio de Janeiro essa é uma grande questão.

Sua resposta dá a entender que uma de suas maiores preocupações está na redução das desigualdades, em especial entre homens e mulheres. O que pode ser feito nesse sentido em esfera estadual?

Na verdade estou falando da desigualdade entre classes. A gente fala das mulheres porque elas são o pivô de processos econômicos e políticos arraigados num tipo de cultura em que os homens são agentes de todos os tipos de violência. Violência econômica, violência física, violência simbólica... Mas não se trata apenas de eliminar desigualdades entre homens e mulheres porque os homens também estão pobres, e essas pessoas precisam estar no centro das preocupações de qualquer partido que se preze. E para reduzir essas desigualdades é necessário oferecer oportunidades. Na esfera estadual essas oportunidades podem estar ligadas a políticas de produção, construção inteligente de emprego e renda. Essa é uma função do estado. Neste momento o estado do Rio de Janeiro vive um estado de abandono profundo. Isso não começou hoje, o que vem sendo chamado de crise é na verdade o aprofundamento de uma política de descaso, de desconsideração, de desrespeito, de humilhação das pessoas. De abandono dos servidores públicos em todos os seus níveis, e também do cidadão. Direitos básicos são tratados pelo estado como se fossem mercadoria, ou até menos do que isso. Esse abandono do estado em relação a educação, saúde e segurança pública redunda em um espaço para que a iniciativa privada possa atuar. Só que ela também não consegue atuar de maneira justa, porque hoje temos um capitalismo que não é razoável. Não é o capitalismo da produtividade e do consumo, como foi em outras épocas, ou mesmo da industrialização e do desenvolvimento. Tudo isso foi abandonado em favor de um capitalismo puramente rentista. Então, a meu ver, também cabe ao estado a tarefa de conversar, dialogar, e servir de mediação entre os setores, porque também não acredito que vamos resolver todos os problemas do Rio de Janeiro simplesmente construindo um estado abstrato. A gente precisa pensar em todos os setores que podem contribuir para a reconstrução do estado. E, nesse nível, talvez a principal função do estado seja pensar uma política de gestão destes setores.

 

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