Lúcia Alves e o significado de Santiago de Compostela

Uma caminhada para descobrir o que é o tempo e ao encontro de si mesma
sábado, 23 de novembro de 2019
por Ana Borges (ana.borges@avozdaserra.com.br)
Lúcia Alves e o significado de Santiago de Compostela

Lúcia resistiu, demorou a aceitar o convite do marido, o advogado José Carlos Alves, que já havia feito o Caminho de Santiago de Compostela, com um amigo. Quando voltou, insistia com a mulher para irem juntos. “Vamos, você vai gostar…”, repetia sempre. E ela retrucava: “Deus me livre, ficar sem meus cremes, só com duas peças de roupas, dormindo em albergue com estranhos, tudo misturado…”, na minha cabeça, isso não batia!, conta, entre risos. 

Mas, o tempo passou e um dia, em 2017, ela topou. E me confessou, antecipando o resultado da empreitada: “Foi uma das melhores decisões que tomei na vida, uma das melhores coisas que fizemos juntos, entre tantas ao longo de nosso casamento. Fazer essa caminhada foi a oportunidade úica de sacramentar a nossa vivência como marido e mulher, como pais, como amigos”. Lúcia conta como foi essa experiência:

“Ao longo do caminho fomos repensando a nossa vida, o que temos feito de nossa existência. As pessoas perguntam porque fizemos o caminho - a maioria que fez, tinha a intenção de dar um tempo para si mesmo, para a família, ou porque tinham ou queriam tomar uma decisão, mudar de vida, enfim, inúmeras razões. Mas nenhuma dessas questões foi o nosso objetivo. Nós fomos atrás do tempo, queríamos ter tempo, o tão sonhado tempo. E descobrir: ‘o que é tempo’?  

Durante 30 dias, nós usufruímos do nosso tempo, profunda e integralmente. Conhecemos pessoas tão diferentes de nós, incríveis, plenas. Vimos o mundo em nosso caminho, através dessas pessoas, de todos os cantos desse planeta, com os quais tivemos grandes encontros. Era setembro, o mês mais procurado e tudo à nossa volta era só beleza”. 

Antes de tudo isso acontecer, Lúcia volta no ‘tempo’ para informar que surpreendeu todo mundo em casa, quando estava pronta para partir. Ela já saiu ‘diferente’. A mochila pesava apenas três quilos e meio. Levoui duas peças de roupa, uma no corpo e outra na mochila, alguns pares de meias, casaco, peças íntimas e pouquíssimos itens de higiene pessoal. Quer dizer, o estritamente necessário. Quando o marido viu a mochila da esposa, bela e vaidosa, nem acreditou. “Mas, se tomei a decisão de fazer o caminho, já tinha que sair de casa com o espírito despojado. Foi o suficiente e, afinal, me dei conta de como precisamos de tão pouco para viver”.

Tempo para estar junto, conversar com o outro 

“Nos primeiros dias, muito sofrimento. Muita dor nos pés, nas pernas, no corpo de maneira geral. Mas nada que fosse insuportável. Havia jovens, idosos, gente com 80 anos, sozinhos, aguentando a caminhada sem reclamar. Encontrar essas pessoas nos fortalecia e estimulava. Ouvia relatos de pessoas sobre como a vida delas mudou completamente após fazer o caminho, e hoje, não tenho nenhuma dúvida disso. 

A minha vida e a do Zé Carlos não mudou muito, porque não fizemos o caminho para tomar nenhuma decisão, nem alterar o que temos e vivemos. Fomos para aproveitar momentos juntos, como é viver com pouco, descobrir, por exemplo, coisas que esquecemos, como ter tempo para conversar. Simplesmente conversar, falar coisas que desacostumamos de falar, que perdemos, que não dizemos mais, um para o outro, uns para os outros. Viver momentos, em sua plenitude.

O caminho é mágico, bonito, espiritual. Faz a gente se sentir vivo, de uma maneira como não nos sentimos mais. Parece que não sabemos mais o que é estar vivo, viver a vida. Então, saímos da rotina de cuidar da casa, dos filhos, de trabalhar, pagar contas, de um cotidiano muitas vezes massacrante. Então, deixamos isso para trás e fomos viver de outro jeito, descobrir como é isso. 

O significado  do caminho

O caminho de Santiago representa exatamente o que Jesus veio nos propor. Que é amarmos uns aos outros. Lá, todos cuidam de todos, é impressionante a união das pessoas. Todos se desejam ‘buen camino’, em todos os lugares onde passamos. Oferecem comida, abrigo, e se algum de nós tem problemas, todos ajudam. Ali, somos todos iguais, um agrupamento de seres humanos onde ninguém é melhor do que ninguém. É uma sensação maravilhosa, um sentimento que transborda amor. 

Percebemos que somos todos peregrinos nesta vida. Naquele caminho só existe uma nacionalidade: peregrino. A variedade de idiomas não era empecilho para nos entendermos. O mundo inteiro estava ali e estávamos todos bem.”   

 

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