Geni Amélia Nader Vasconcelos: o magistério e seus desafios

A história de uma relação que passa por caminhos diversos em eterno aprendizado
sábado, 14 de outubro de 2017
por Ana Borges
 Geni Amélia Nader Vasconcelos: o magistério e seus desafios

“Que educação se faz necessária para nossa sociedade?” Esta é a questão que norteia os passos da professora Geni Amélia Nader Vasconcelos, desde que escolheu o magistério, em meados do século passado.

A trajetória desta ilustre friburguense começou na Escola Normal, “como muitas outras jovens de minha geração”, no Colégio Nossa Senhora das Dores (CNSD), na década de 1960, seguindo na Faculdade de Filosofia Santa Doroteia (FFSD), onde se graduou em Ciências Sociais.

Trabalhou na rede pública estadual, na Faculdade de Filosofia Santa Doroteia e na Faculdade de Odontologia de Nova Friburgo (Fonf). Fez especialização em Antropologia Social e Sociologia da Educação, na UFRJ, e mestrado em Educação, na Uerj.

Hoje, integra a direção colegiada do CNSD, atuando como coordenadora do Ensino Fundamental II e do Ensino Médio, onde não se cansa de repetir a pergunta acima citada, a cada novo dia. Trecho de sua resposta:

“... Precisamos estar atentos para que a competência acadêmica não se transforme no único objetivo da educação. É preocupante quando perdemos de vista que o conhecimento pode colaborar para fazer do mundo um lugar mais hospitaleiro e humanizante ou um lugar inóspito, banalizando a vida de grande parte da humanidade ou mesmo ameaçando a sobrevivência do planeta.” Vale a pena compartilhar o conhecimento de Geni Nader, a mestra que honra a profissão que pratica há 50 anos.

Que papel você atribui à educação?

Cada tempo histórico tem seus desafios e possibilidades. Já se tornou lugar comum, e sobram razões para isso, afirmarmos que vivemos tempos difíceis. O mundo contemporâneo se apresenta, com frequência, como ameaçado e ameaçador e essa observação não pode escapar ao debate educacional.  Que educação se faz necessária para nossa sociedade?

Sem nos esquecermos da enorme importância da competência acadêmica, precisamos estar atentos para que este não se transforme  no único objetivo da educação. É preocupante quando perdemos de vista que o conhecimento pode colaborar para fazer do mundo um lugar mais hospitaleiro e humanizante  ou um  lugar inóspito, banalizando a vida de grande parte da humanidade ou mesmo ameaçando a sobrevivência do planeta.

Qual a sua maior preocupação hoje, como educadora?

Precisamos estar atentos ao que Hanna Arendt nos trouxe em sua análise sobre a Banalidade do Mal: podemos ser inteligentes, com enorme conhecimento, mas incapazes de pensar sobre o que fazemos, de nos interrogarmos sobre o sentido que nossos atos têm para nós, para os outros e para o mundo. O mundo  comum  precisa  ser  cuidado  por nós. E a educação, nas diversas frentes em que se manifesta, não pode se furtar a essa tarefa…

Tempos conturbados como o que vivemos deixam em nós marcas de cansaço e de descrença, porém, mesmo em um cenário difícil, a vida resiste a enquadramentos, à lógica da certeza e nos permite perceber o esforço sério e persistente de pessoas que, em frentes diversas, seguem acreditando que participam de uma fabulosa aventura da humanidade. Pessoas que, animadas pelo sentimento de pertencer a uma totalidade mais ampla, sentem-se  comprometidas com ela e vão em frente, desafiando as adversidades e acreditando que o mundo pode ser melhor. Com esse propósito, abraçam o  fazer cotidiano como fundamental. Em nossas escolas, felizmente, encontramos muitos professores assim.

Que tipo de relação é essencial entre professor e aluno?  

Creio ser fundamental nos fazermos atentos ao fato de que alunos não são apenas estudantes. São sujeitos com múltiplas dimensões e pertencimentos. Necessitam ser compreendidos como indivíduos que se alegram e sofrem, que refletem sobre si mesmos e sobre o mundo, que possuem sonhos, projetos e dúvidas.

As mudanças densas e aceleradas que se apresentam na vida social atingem a todos nós, mas recaem, de modo especial, sobre as novas gerações. Tais mudanças exigem que questionemos constantemente se a relação que mantemos com nossas crianças e jovens se faz atenta a esse fato e se as nossas práticas institucionais estão preparadas para acolher esses novos sujeitos presentes em nossas salas de aula. Creio que, para isso,  precisaremos construir relações pautadas no diálogo, articular suavidade e firmeza, marcas tão caras ao trabalho desenvolvido pelas escolas doroteanas, como o CNSD, na convivência cotidiana. É nessa convivência, é nessa comunhão, palavra cara a Paulo Freire, que aprendemos e ensinamos.

Como se cria esse ambiente?  

Creio ainda que, um ambiente democrático entre os adultos e as gerações mais novas, não se constrói pela ausência da palavra do adulto. Não se estabelece quando tomamos decisões, ignorando a necessidade dos mais jovens construírem suas próprias respostas. Um ambiente democrático requer mais. Exige diálogo, formulação de questões, contraponto de ideias. Insisto que o exercício da conversa na escola - como maneira de respeitar as diferenças, de questioná-las, de gerenciar conflitos e de criar normas que facilitem a vida em comum – é uma tarefa da qual não podemos nos omitir.

Em algum momento se arrependeu de sua escolha profissional?  

A história de nossa relação com a carreira passa por caminhos diversos. Algumas pessoas ao longo da vida se decepcionam com a profissão abraçada. Certamente, tiveram motivos para isso e seus motivos precisam ser escutados. Meu percurso, porém, foi de outra ordem.

No exercício do magistério, descobri possibilidades que não imaginava inicialmente e que tornaram o meu trabalho prazeroso, apesar de seus constantes desafios. A escola é espaço do coletivo, da diversidade,  da aprendizagem com muitas e diferentes pessoas. Na escola, experimentamos, em larga escala, a convivência intergeracional e a responsabilidade desse processo para a vida em sociedade.

Que tipo de troca no ambiente escolar a comove, a incentiva?  

A riqueza trazida pelo cotidiano escolar tem marcado profundamente minha existência. Tive a alegria de, ao longo da vida e ainda hoje, trabalhar com profissionais que nutrem uma paixão pelo que fazem e que cultivam, sem ingenuidade, mas como força para a atuação cotidiana, uma teimosa esperança, uma “estranha mania de ter fé na vida”. Ouvir de muitos jovens, quer durante seus anos de formação, quer, posteriormente,  ao ingressarem na faculdade ou no mercado de trabalho, o significado da escola para suas vidas é outro motivo forte que confere leveza aos meus muitos anos de magistério.

A paixão em dialogar com o entorno, fato que acompanha minha trajetória, levou-me a criar, com outras pessoas que vivenciam o mesmo interesse, o Grupo de Estudo “Memória, Identidade e Espaço”. Originário da Faculdade de Filosofia Santa Doroteia, esse grupo, com oito anos de atividades ininterruptas, constitui uma das muitas marcas da presença da FFSD em nosso município.

 

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