Friburgo perde Thereza (Barroso) de Albuquerque e Mello

Acervo do Pró-Memória só existe graças ao seu trabalho de catalogar, desde 1975, todos os documentos da cidade que julgava importantes
segunda-feira, 29 de outubro de 2018
por Ana Borges (ana.borges@avozdaserra.com.br)
Thereza Barroso: saudade
Thereza Barroso: saudade

Conhecida como Thereza Barroso, mas batizada Thereza Albuquerque e Mello, ela foi a grande responsável pela memória friburguense, missão a que se dedicou por mais de 35 anos. O imenso acervo do Pró-Memória, que em 2010 foi incorporado ao Centro de Documentação D. João VI, só existe graças ao seu incansável trabalho. Tudo começou em 1975, quando deu início à catalogação de jornais e recortes, fotos, livros históricos e demais documentos da cidade que considerava de valor. Com o decorrer dos anos, o Pró-Memória juntou um acervo que poucos municípios podem se orgulhar de ter. Como disse Raphael Jaccoud (engenheiro e escritor), “a história de nosso Pró-Memória se confunde com a vida de Thereza. Não fosse ela, talvez nem existisse. Ela o criou e o vem acalentando como a um filho, no decorrer de tantos anos”.

Em entrevista concedida a este jornal em 2012, Thereza contou: “O Jaburu (Júlio César Seabra Cavalcanti) chegou aqui em casa um dia me perguntando se eu gostaria de trabalhar no Departamento de Cultura da prefeitura. ‘Pensei, puxa, estou sem fazer nada mesmo, vai ser maravilhoso’. Conheci a dona Suzy (Suzel Cunha) que já colecionava notícias antigas de Friburgo, fui apresentada à professora Dilva Maria de Moraes, que era a secretária de Educação. A empatia entre nós, de cara, foi enorme. Naquela época a biblioteca também era subordinada ao Departamento de Cultura e uma das primeiras coisas que fiz foi perguntar à Margarida Liguori (bibliotecária) se ela estava recebendo os jornais. Quando soube que não, pedi. O Laercio Ventura (diretor de A VOZ DA SERRA), por exemplo, me atendeu na hora e nunca deixou de me mandar as edições, diariamente. Graças a ele, hoje temos praticamente todas as edições, desde o primeiro número. Todos os diretores dos demais jornais da época também colaboraram. Começaram a me mandar jornais antigos e eu ia guardando, catalogando, e assim consegui formar uma coleção muito boa da imprensa friburguense. Agora, só contamos com A VOZ DA SERRA”.

Ela contou que baseou seu trabalho na sua intuição. Primeiro arquivava por data, “mas a Iracema Mastrângelo Moreira, que chegou depois e trabalhou dois anos comigo, catalogou todos os documentos que eu já tinha guardado e eram milhares. Até hoje, se alguém quiser procurar algo, é só procurar no catálogo da Iracema que vai saber em que caixa o documento está guardado”, esclareceu.

Thereza trabalhou durante quase quatro décadas na prefeitura, até se aposentar. Os governos se sucediam, ela sempre intocável. Todos os prefeitos reconheciam a importância de seu trabalho e a mantinham em sua função. Mas as condições de trabalho eram precárias. “Nós trabalhávamos numa salinha ali na parte de trás da prefeitura. No começo não tinha nem onde organizar nada. Pedi umas prateleiras para ir organizando o material que chegava e que arquivávamos, e instalaram umas tábuas de madeira que nem poderiam ser chamadas de estantes. Tudo muito improvisado mesmo. Mas o acervo foi crescendo. A Secretaria de Administração mandou para lá um caminhão cheio de documentos antigos, rasgados e sujos. Nós íamos separando e guardando em pastas”.

Até que, em 1976, o prefeito Heródoto Bento de Mello institucionalizou o Centro de Documentação Histórica Pró-Memória, e passou para a Fundação D. João VI. “Era um velho sonho meu e do Raphael Jaccoud, pois assim o Pró-Memória ficou mais independente, podendo, inclusive, receber recursos de outras fontes. Com isso, o Guguti (Nelson Bohrer, presidente da Fundação na época) está podendo realizar um trabalho inestimável para Nova Friburgo. Ele está realizando meu sonho, não sei quantos papéis ele já digitalizou, mas sei que foi uma coisa gigantesca. Mas foram praticamente 37 anos juntando cada coisinha, cada foto, cada jornal.

Falou com carinho do prefeito Heródoto Bento de Mello, “a pessoa que mais valorizou aquilo ali”. Recorda que às vezes ele aparecia em sua sala, dizendo: “Vim refrescar minha cabeça”. Ressaltou que o Pró-Memória era o melhor local para se trabalhar dentro da prefeitura. “Uma vez uma funcionária que tinham mandado para lá comentou que não sabia como a gente gostava de trabalhar naquilo. Sabem o que eu fiz? Pedi que a removessem imediatamente. Como você vai trabalhar num negócio sem gostar? Se não tiver paixão, não faz porcaria nenhuma ou só faz porcaria. O Guguti, por exemplo, tem verdadeira paixão por aquilo lá (a Fundação). É igual a mim”.

 Assim era Thereza Barroso, uma mulher forte e determinada a quem Nova Friburgo deve reverência e gratidão pela obra que nos legou. Essa pessoa querida e admirável, nos deixou, aos 90 anos de uma vida bem vivida, com a autenticidade que lhe era peculiar. Thereza faleceu na madrugada de domingo, 28, em sua residência. Foi velada na Igreja Luterana e seu corpo sepultado na tarde desta segunda-feira, 29, no jazigo da família, no Cemitério São João Batista, às 16h. Consternada, a direção e equipe de A VOZ DA SERRA envia sentimentos de pesar e se solidariza com a família neste momento de dor.

 

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