"Dar vez às pessoas que não têm vez, dar voz a quem não tem voz"

No Dia Mundial de Combate à Injustiça, defensora Larissa Davidovich fala sobre o trabalho do órgão em Friburgo
quinta-feira, 23 de agosto de 2018
por Ana Borges (ana.borges@avozdaserra.com.br)
Larissa Guimarães Davidovich, titular do Núcleo de Atendimento da Defensoria Pública
Larissa Guimarães Davidovich, titular do Núcleo de Atendimento da Defensoria Pública
Uma boa maneira de homenagear o Dia Mundial de Combate à Injustiça, neste dia 23, é revisar as próprias atitudes e aceitar o desafio de mudá-las, mesmo que isto represente perdas de quaisquer natureza. A injustiça significa principalmente o desrespeito pelos direitos tanto dos indivíduos como da sociedade em conjunto, e isso pode ser visível de diversas formas: alguns menores e quase invisíveis, outras mais notórias e flagrantes. Se entendermos que a justiça é a busca do bem comum e do bem-estar conjunto, a injustiça será o benefício de alguns em prol do prejuízo de muitos.

“Acredito no protagonismo do defensor na pacificação dos conflitos. Não quero ser uma fomentadora de discórdia, muito menos acirrar os ânimos”
Titular do Núcleo de Atendimento da Defensoria Pública, a advogada friburguense Larissa Guimarães Davidovich vem implementando, junto à sua equipe, sua visão de como deve funcionar a instituição que presta um serviço gratuito à população que não tem condições de pagar um advogado. “Esta é uma instituição pública, como o próprio nome indica, totalmente gratuita, voltada para pessoas comprovadamente pobres, identificados como hipossuficientes, o que não possui recursos suficientes para se sustentar. Essa pessoa não tem como pagar as custas de um processo nem os honorários de um advogado. É importante esclarecer esse ponto, porque estamos aqui para atender essa população, que forma uma grande parte de nossos assistidos, que tem crescido enormemente”, esclareceu.  

O atendimento a pessoas cujo grau de escolaridade atinge o 2º e até 3º grau, explica esse crescimento. Segundo Larissa, esse grupo perdeu renda, status, padrão de vida estável. Com o desemprego batendo à porta de tantos brasileiros, a situação se agravou. “Em média, atendemos cerca de 100 pessoas por dia. O perfil do assistido vem mudando ao longo dos últimos anos. Hoje, quem deixou de fazer parte de determinada faixa da classe média, que até se considerava privilegiada, deve ficar sem acesso à justiça? Não pode. Então, a defensoria é uma instituição que presta assessoria jurídica, que pode entrar com processo, mas existem outras inúmeras maneiras de atender essa parcela da população. Somos defensores da sociedade, em diversas áreas, cível, criminal, de família, que prestam assessoria para as pessoas que não podem contratar um advogado”.

Ação coletiva para problemas comuns

A defensora informa que a demanda é bem abrangente num primeiro atendimento. Tão diversificada que acolhe todo tipo de pedido de orientação, como, por exemplo: o que fazer para divorciar, como abrir inventário, dívida impagável, constrangimento, falta de medicamento, filho que precisa de atendimento especial na rede pública de ensino etc. “Quando surgem problemas comuns, iguais para diferentes pessoas, buscamos uma solução coletiva. Esse é um grande braço da Defensoria Pública, que é a sua legitimidade para ajuizar ações coletivas. Se um grupo grande de pessoas está diante de um mesmo problema, em vez de ajuizar cada um, faço uma ação cívil pública (ação coletiva), resolvendo esse problema que aflige tanta gente, através de um único procedimento”.     

O serviço atende, em sua grande maioria, pessoas que vivem em situação de exclusão social. São indivíduos que estão à margem da sociedade, em locais onde faltam serviços básicos como postos de saúde, escolas, segurança. Onde a iluminação pública é precária, assim como transporte e saneamento básico. É preciso um olhar diferenciado para lidar com essas pessoas, que levam uma vida dura, que sofrem com o descaso das autoridades e, não raro, da própria sociedade à qual é seu direito pertencer. Mas são excluídas.

“Essas pessoas chegam aqui em total desamparo. Então, não basta prestar o serviço para o qual fomos designados. É preciso ir além, ter um olhar que indique respeito e compreensão. Não condescendência, mas compaixão. Esse é o eixo que pretendo que movimente a defensoria que devemos aos nossos assistidos. Aqui, todos nós devemos gostar, efetivamente, de estar com pessoas, gostar de gente, ter paixão pelo nosso ofício. Trabalhar essa cultura é uma das minhas metas com a minha equipe. Temos que ser solidários, responsáveis, honestos, generosos com cada um que nos procura. Essa é a essência do defensor público, é como encaro o meu trabalho”, diz Larissa, apontando para um quadro na parede onde está escrito “a empatia é revolucionária”. O que significa?

Significa que, “na medida em que você não julga pela sua perspectiva, você não aponta só o dedo, sem assumir o compromisso de fazer alguma coisa para ajudar o próximo. Você começa a enxergar as perspectivas daquelas pessoas, o que as trouxeram até aqui, quais suas expectativas, qual o seu cotidiano. Gosto de lembrar para meus estagiários que nem sempre o problema do assistido, é jurídico, que é a parte do problema mais fácil de resolver. Para o jurídico a gente tem os livros, os códigos, as petições prontas. O difícil é resolver o problema social, econômico, familiar. Muitos chegam aqui agoniados porque não conseguem pagar a conta de luz. Intermediar isso é o difícil, porque não depende só da gente. Juridicamente, o que podemos fazer por essas pessoas?”, questiona.

Mesa redonda para mediar conflitos

O que fazer para ampliar a visão em direção a essas pessoas? Para Larissa, olhar o outro, ouvir o outro. “Esse olhar, esse ouvir, deve criar uma conexão. Num mundo em que ninguém mais olha no olho do outro, que não ouve, não presta atenção ao que o outro está dizendo, fica difícil manter a humanidade que todos devemos exercitar dentro de nós. Acredito que está faltando essa conexão, essa proximidade entre as pessoas. Quando você olha para o outro significa que você está cuidando dele, quer, sinceramente, ajudá-lo. Eu me emociono, diariamente, aqui, com as histórias de cada um. Tanto que, para melhor lidar com as situações, criei um ambiente mais acolhedor, onde a mesa é redonda, simbolizando a maneira como acho que devemos nos colocar em relação aos assistidos. Não há lados, ao contrário, estamos todos ali em condições de igualdade, ombro a ombro”, diz.   

Outra preocupação de Larissa é não se deixar endurecer, não criar uma crosta para se proteger de envolvimentos. Fortalecer, sim, endurecer, jamais, é seu lema. “O dia em que eu parar de me emocionar, me sensibilizar no meu trabalho, eu deixo a Defensoria, não poderei mais ser defensora pública. Devemos ser a luz para as pessoas que nos procuram, aqui deve ser o lugar onde encontrarão a solução para o seu problema, onde, no mínimo, encontrarão uma mão estendida. Às vezes temos que agir como assistente social, psicóloga, amiga, irmão. Por exemplo, hoje, quarta-feira, é dia em que só faço acordo de família. Teve um caso em que, à primeira vista, parecia que o problema era pensão. Daí, fomos para a ‘mesa redonda’, escutei, fiz uma ou outra mediação para enfim descobrir que o problema mesmo, era a falta de diálogo do pai com a filha, o desentendimento entre os dois. Depois de muito chororô, o casal percebeu qual era a verdadeira divergência, e se comprometeram a resolvê-la. Portanto, saber ouvir, prestar atenção, é quase tudo o que precisamos, todos nós, para encontrar solução para muitos dos problemas que temos”.

Conciliar e pacificar, são duas ferramentas que Larisssa maneja com total maestria. “Acredito no protagonismo do defensor na pacificação dos conflitos. Não quero ser uma fomentadora de discórdia, muito menos acirrar os ânimos. Quando cheguei para assumir esse cargo, em janeiro desse ano, eu instituí, de cara, o que chamamos de ‘dia do acordo, da mediação e da pacificação’. Como mediadora formada, estou capacitada e me sinto habilitada para lidar com conflitos, um tipo de situação que temos atendido muito aqui. Afinal, o defensor é um resolvedor de conflitos, e esse não o tipo de disciplina que você aprende na faculdade, mas aqui, no dia a dia, na prática, com cada pessoa que vem buscar ajuda. É na empatia. Dar vez às pessoas que não têm vez, dar voz a quem não tem voz”, reitera Larissa.

 

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