Copa “sem” identidade: a análise de Vinicius Gastin

Mundial da Rússia coloca na mesma altura do pedestal quem sempre e quem nunca foi tradição
domingo, 01 de julho de 2018
por Vinicius Gastin (esportes@avozdaserra.com.br)

A Copa no país de maior extensão territorial do mundo é simbólica. Talvez as suas dimensões possam ser análogas à velocidade da informação, da globalização e de suas consequências também no futebol. Tão grande quanto a nação anfitriã é a diversidade que, no fundo, parece ser indiferente. Se na parte cultural e física os países ainda conseguem preservar as suas características, no esporte essa identidade vem se perdendo.

O Mundial da Rússia traz em cada camisa uma história, um peso, uma expectativa. Mas em campo, o nivelamento assusta, e coloca na mesma altura do pedestal quem sempre e quem nunca foi tradição. Surpreendente sim, mas sobretudo resultado de um processo histórico e silencioso. O mundo mudou e o futebol também. O que fazer então?

Uma Copa do Mundo sem a Itália já seria o suficiente para questionarmos essas transformações aos Deuses do futebol. De sensações na Europa e América do Sul, Holanda e Chile foram reduzidas a decepções. Gerações de jogadores acima da média se foram, e com elas parte do poder de quem outrora era supremo no Olimpo deste esporte.

Outras seleções fortes, ainda que sem a peculiar “divindade”, foram aprovadas no longo processo de quatro anos. Um vestibular com raras notas 10, letras disformes e nem sempre compreendidas.

Na Copa sem identidade, a Alemanha não apresentou a mesma segurança que a caracterizou em toda história tetracampeã. A obediência tática, os poucos erros, a frieza e a eficiência de quem não precisava criar tantas chances para vencer os jogos não embarcaram com a Seleção de Low.

O último lugar em um grupo com Suécia, México e Coreia do Sul é trágico, errado, inadmissível. Não é apenas o resultado de um processo de renovação, após a aposentadoria de símbolos alemães - Podolski, Klose, Lahm, Schweinsteiger. É tendência.

A Argentina segue. Ainda que sem rumo, sem encanto. Graças a “Díos”, com Messi. À exceção do segundo tempo contra a Nigéria, uma seleção sem vibração, sem alma. Eles foram Argentina durante 30 minutos neste mundial, e quase nunca nas eliminatórias.

Contudo foi o suficiente, por enquanto. Uma Inglaterra de toques rápidos e jovens talentosos, depois dos fiascos da anterior geração estrelada – boa parte joga no Reino Unido, tornando-se quase uma exceção à regra, ao lado da renovada seleção espanhola.

Colômbia e Bélgica com gerações excepcionais, mas assombrados pelo poder de chegada que ainda lhes falta. Um Uruguai diferente, de ataque mais forte que a defesa. E o Brasil?

Nunca, talvez, tenhamos precisado ser tão competentes taticamente. O talento inquestionável e decisivo já não existe. Há lampejos. É inegável que o trabalho feito por Tite e sua equipe, a partir de uma Seleção desmoralizada e em risco de não estar na Rússia, é bastante competente. Mas pensemos: há algum nome fora da lista de convocados em que discutimos?

Já se foi o tempo em que sobravam opções. Temos o básico, retocado por Neymar e, em escala semelhante, Coutinho. Reflexos da falta de investimentos no futebol de base, no interior do país. Da política da CBF, dos desmandos e incompetência histórica dos clubes. É preciso fabricar para vender. O jogador brasileiro é espanhol, inglês, italiano. O senegalês é francês, e o argentino gênio, o Messi, é espanhol.  A identidade não mais existe.

Esse processo não é de hoje, mas talvez tenha atingido o ápice no Mundial onde todas as seleções marcam forte, se organizam de forma competente nas linhas defensivas e recompõem rápido. Futebol não tem mais segredo, e o mundo inteiro aprendeu a jogar. Na Copa dos espaços reduzidos, sobressai quem tem talento e preserva parte de suas características diferenciais. 

Diante da Sérvia, as tentativas de Neymar, o passe genial de Coutinho para Paulinho - qualidade e tática aliadas - me fizeram respirar. Ali estava a nova tendência e o Brasil. Paulinho, por muitos anos, jogou no futebol nacional. Coutinho foi embora cedo, mas defendeu um time inglês ofensivo, o Liverpool, talvez o que mais se aproxime da essência verde e amarela. Neymar jogou algumas temporadas no Santos antes de rumar para a Europa. Há outros exemplos no plantel canarinho de atletas que foram e continuam sendo jogadores brasileiros. Artigo cada vez mais raro, entretanto.

O texto não é crítico para o lado negativo, tampouco positivo. A proposta é apenas refletir sobre a nova realidade, cada vez mais consolidada e traduzida em resultados. Não podemos fechar os olhos, e a adaptação é questão de sobrevivência, mas devemos lutar para preservar as identidades. E dentre todas elas, eu quero ser sempre Brasil!

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