Copa do Mundo: os bastidores de uma história de emoções e tragédias

Muito além da politica(gem): um mês de emoção, congraçamento e conhecimento sobre a cultura, os costumes e os valores de outros povos
sábado, 16 de junho de 2018
por Liliana Sarquis*
Copa do Mundo: os bastidores de uma história de emoções e tragédias

Começou a 21ª Copa do Mundo de Futebol da Fifa, na Rússia, com 32 países. Se para alguns a Copa pode ser uma forma de desviar a atenção da população dos problemas reais ou servir de propaganda política, para milhões será um mês de emoção, congraçamento e até de conhecimento da cultura, costumes e valores de outros povos.

É certo que políticos - bons ou maus - sempre usaram os elementos que emocionam a população como propaganda. Não é só o futebol. Todos os esportes, e mais o balé, a música, o cinema – com seus 007s da vida – os recordistas mundiais nas várias categorias.... enfim, é só se destacar para servir como propaganda política, ideológica e empresarial. Não só no Brasil, não só nos tempos atuais. Entretanto, nada disso desmerece o valor dessas atividades – incluindo o futebol - que estão muito além da politicagem. Basta que se saiba separar o joio do trigo. E, não ficar alheio às verdadeiras mazelas.

A Copa do Mundo de Futebol conseguiu conquistar milhões de pessoas do planeta em seus 88 anos de existência. A vontade de se criar um torneio de futebol que englobasse nações de vários continentes, veio de um grupo capitaneado pelo holandês Carl Hirshmann, ainda em 1906, quando 16 países foram convidados. Nenhum aceitou. O sonho ficou  para 1914, mas veio a 1ª Guerra Mundial e, com ela, novo adiamento da Copa. Até que...

1930

13 de Julho. Começa no Estádio Centenário, em Montevideu, o torneio esportivo que se tornaria um dos mais famosos e queridos  do planeta: a Copa do Mundo de Futebol (masculino). Coordenado pelo francês Jules Rimet, a competição teve como primeira sede o nosso vizinho Uruguai, por este país ter sido o vencedor olímpico de 1928. Apenas quatro países da Europa se dispuseram a atravessar o Atlântico para participar do torneio. O mundo ainda sofria os efeitos da Grande Depressão americana, de 1929. O Brasil via a política chamada “café-com-leite” desmoronar e levar junto a República Velha. O Uruguai foi o primeiro campeão.

1934

O ditador Benito Mussolini investe 3,5 milhões de liras para realizar a Copa na Itália. O objetivo é provar a superioridade das ideias fascistas ao mundo. O governo influencia na formação da equipe de futebol que, apesar de fazer boa campanha, não chega à final. O torneio não conta com o campeão anterior, o Uruguai, mas consegue juntar 16 países. A Áustria é um dos grandes destaques, mas os finalistas acabam sendo a Itália e a Tchecoslováquia, e o troféu fica para a dona da casa, Itália.

1938

A Alemanha se candidata a ser sede, para que o torneio sirva de propaganda do nazismo, mas a Fifa escolhe a França. A Áustria se classifica para a disputa, mas logo depois é anexada à Alemanha e desiste de participar. Alguns atletas austríacos concordaram em participar da equipe unificada, mas o craque Matthias Sindelar se recusou a defender a “Grande Alemanha”. Um ano depois, apareceu morto em sua casa. A final ficou entre a Itália e a Hungria, e antes da partida, Mussolini mandou um recado à equipe: “Vitória ou morte”. A Azurra ganhou por 4 x 2 e o goleiro húngaro, Antai Szabó, declarou: “Levei quatro gols mas salvei a vida de onze italianos”.

1950

Com vários países arrasados pela 2ª Guerra Mundial, a 4ª Copa do Mundo foi trazida para o Brasil. O torneio – interrompido por doze anos - teve a presença de apenas seis países europeus. Os destaques foram dois países sul-americanos: Uruguai e Brasil, que buscava o 1º título. Tinha tudo para ganhar. Poderia até empatar na final e, melhor, começou a partida ganhando, mas cedeu a vitória à Celeste. A vergonha brasileira, em pleno recém-inaugurado Maracanã, passou para a história como “Maracanaço”.

1954

O destaque da 5ª edição da Copa foi a Hungria. O país comunista elaborou um projeto que levava jovens talentos do futebol para o exército, base da seleção nacional. Dali saiu um dos grandes nomes do esporte:  Ferenc Puskás. Bem montada, a equipe chegou à final e parecia que levaria o título. Marcou dois gols, mas não resistiu à Alemanha Ocidental: 4 x 2, na partida chamada de “O Milagre de Berna”.

1958

Enfim, Brasil campeão. O país passava por um momento de euforia, com ares de modernidade, com a bossa nova, Juscelino Kubitschek e a construção de Brasília no Planalto Central, a expansão da indústria automobilística nacional. Faltava, porém, o título mundial de futebol. E ele veio, através de uma das melhores seleções de todos os tempos: Pelé, Garrincha, Zagalo, Zito e cia derrotaram a dona da casa, Suécia, por 5 x 2. Brasil ganha seu 1º título.

1962

Jânio Quadros é o presidente e o Brasil conquista o bicampeonato. A Copa, no Chile, tinha como pano de fundo o encrudescimento da disputa entre os países capitalistas e os comunistas. Cuba e União Soviética assinavam acordo de cooperação, levando os EUA a aprovarem o “embargo total” ao país de Fidel Castro. O torneio, que contou com cinco países da chamada “Cortina de Ferro” – incluindo a União Soviética – teve como finalistas a Tchecoslováquia, representante desse bloco, e o Brasil. Resultado: 3 x 1 para a nossa seleção. Brasil bicampeão!

1966

O Brasil, já sob o regime ditatorial, teve um de seus piores resultados numa Copa: 11º lugar. A Inglaterra, ao som dos Beatles e Rolling Stones, sediou o torneio e acabou vencedora, o que para muitos foi uma das maiores injustiças do esporte. Portugal, sob o comando de Euzébio, artilheiro da competição, foi o grande destaque, mas acabou em 3º lugar. O time da Rainha Elizabeth disputou a final no estádio de Wembley e levou o título, mesmo sob a acusação de ilegalidade no segundo gol.

1970

O Brasil vivia uma das piores fases da ditadura, quando se tornou tricampeão mundial. O Governo Médici, com slogans do tipo “Brasil, Ame-o ou Deixe-o”, fazia uma brutal perseguição política aos opositores. Depois do vexame de 1966, o comunista João Saldanha havia conseguido classificar a seleção para a Copa do México, mas, às vésperas, foi substituído pelo técnico Zagalo. Formado por Pelé, Gérson, Tostão, Jairzinho e Rivelino – a equipe venceu todos os jogos e goleou a Itália numa final emocionante. Médici não perderia a oportunidade de receber os campeões no Palácio do Planalto. “Noventa milhões em ação, prá frente Brasil”...

1974

Não se pode falar em Copa de 74 sem lembrar do "Carrossel Holandês” ou “Laranja Mecânica”. O técnico Rinus Michels mostrou ao mundo um futebol diferente, quebrando as até então “engessadas” posições dos jogadores. Tendo como líder o versátil Johan Cruijff, o time fazia seus atletas se revezarem pelo campo, o que confundia os adversários e dava mobilidade e eficiência à equipe. Mas a espetacular seleção holandesa não resistiu à final contra a fria dona da casa, a Alemanha Ocidental, perdendo por 2 x 1. Sem o título, mas para sempre na memória do universo do futebol.

1978

Sob uma violenta ditadura militar, a Argentina sediou sua primeira Copa, com estádios prontos às pressas, sem condições ideais para o público. Pior: registrou na história do esporte um dos maiores escândalos da competição: a suspeita goleada por 6 x 0 sobre a boa equipe peruana, o que levou a equipe portenha à final. A Argentina venceu a Holanda na final.

1982

Com expectativas de abertura política, mas ainda na ditadura militar, o Brasil chorou a derrota de uma das suas melhores seleções. Com um time formado por Zico, Falcão, Éder, Sócrates, Júnior e Cerezzo, a equipe canarinho encantou o mundo, mas não resistiu à Itália de Paolo Rossi e Dino Zoff. Não chegou nem à semifinal. A Azzurra levou o título.

1986

O México realizou o torneio com 24 participantes. O Brasil da pós-abertura não passa das quartas, perdendo nos pênaltis para a França. Ficou em 5º lugar e viu nossa eterna adversária, a Argentina, levar o título – com um placar de 3 x 2 sobre a Alemanha Ocidental – e ainda teve que “engolir” um novo ídolo mundial, Diego Maradona.

1990

As transformações no mundo eram evidentes: o Muro de Berlim havia caído e o presidente soviético Mikhail Gorbachev sinalizava para o fim da União Soviética e seu império. O Brasil assistiu à posse de seu primeiro presidente eleito, desde o golpe militar de 1964, Fernando Collor de Mello. Tudo mudava, menos a seleção canarinho, que mais uma vez decepcionou, não passando das oitavas-de-final. Ainda dividida, a Alemanha viu seu lado ocidental levantar mais uma taça.

1994

Num mundo sem Guerra Fria, sem URSS, com o (res)surgimento de vários países e conflitos nos Balcãs, o mundo viu a Seleção Brasileira vencer, depois de 24 anos, nos EUA. Tendo à frente o técnico Carlos Alberto Parreira, a equipe verde-amarela foi composta por craques, como Branco e Bebeto e principalmente Romário e o goleiro Taffarel. O torneio seria decidido, pela primeira vez, pela cobrança de pênailtis, consagrando nosso goleiro que defendeu uma cobrança da Itália e esteve cara-a-cara com Roberto Baggio, que isolou a bola decisiva. Vai que é tua, Taffarel!

1998

Contando com 32 países, a Copa da França teve uma das maiores polêmicas da história, ainda não esclarecida. Pouco antes da partida final começar, o Brasil, com Zagallo como técnico, por pouco não perde seu craque, Ronaldinho, que teve uma convulsão no vestiário. Mesmo assim ele entrou em campo, com uma atuação muito abaixo do que vinha apresentando. Já Zinedine Zidane, mostrou toda a sua categoria e levou os Les Blues ao primeiro título. Até hoje há quem acredite nas muitas teorias de conspiração para tirar o penta do Brasil.

2002

Pela primeira vez na história, a Copa foi realizada no continente asiático e em dois países: Japão e Coreia do Sul. O euro chegava à comunidade europeia, George W. Bush declarava o Irã, Coreia do Norte e Iraque como o “Eixo do Mal”, e no Brasil, Fernando Henrique Cardoso encerrava seu governo depois de 8 anos no poder.Com o técnico Luiz Felipe Scollari e os jogadores Marcos, Cafu, Rivaldo e Roberto Carlos, a seleção e, principalmente o atacante Ronaldinho, se redimia da polêmica copa anterior, ao vencer a poderosa Alemanha. Brasil penta ao som de “E vai rolar a festa”.

2006

Enquanto o mundo presencia ataques terroristas e assassinatos de opositores de Pútin, a Itália se torna tetracampeã em casa. O Brasil, com o ex-sindicalista Luiz Inácio Lula da Silva como presidente, chega à 18ª Copa como uma das grandes favoritas. Mas fica em 5º lugar. A Alemanha realizou uma Copa bem organizada, mas teve que se contentar com o 3º lugar. A final ficou entre Itália e França que empataram em 1 x 1. A decisão foi para os pênaltis, consagrando a Azzurra.

2010

Copa no continente africano não poderia ser diferente: alegria, cores, música e descobertas sobre as belezas e costumes sul-africanos. E, claro, Nelson Mandela. Até o então presidente Barack Obama compareceu à abertura. A simpatia dos africanos entretanto, não os levou nem às oitavas. O Brasil também decepcionou e perdeu para a Holanda nas quartas. Esta, com Robben e Sneijde caminharam até a final. Mas a talentosa Espanha, de Iniesta e Piqué levou a 1ª taça para casa.

2014

“Não vai ter Copa”. Com este bordão, grupos de manifestantes pregavam a não realização do torneio no Brasil. Diante de denúncias de superfaturamento de estádios, obras atrasadas, CPIs e conflitos (e manipulações) entre grupos políticos, o clima se tornara tenso. Apesar disso, o Brasil realizou uma grande Copa do Mundo, elogiado pela maioria. O que não se esperava era que a seleção, comandada novamente por Scolari, seria arrasada na semifinal pela Alemanha, num vexatório 7 x 1, partida que ficou conhecida como “Mineiraço”, em alusão ao “Maracanazaço”, de 50.

2018

Na bela Rússia, sob o comando de Tite, uma equipe de muitos craques: Marcelo, Thiago Silva, William, Phillipe Coutinho, Gabriel Jesus, é uma das favoritas, com destaque para Neymar. Sem Holanda e Itália, o Brasil tem ainda Alemanha, Inglaterra, França e Espanha como principais concorrentes. Num país sacudido por desestabilidade política, impopularidade recorde de presidente, e escândalos diários, resta torcer para a seleção trazer o hexa, sem nos esquecermos dos nossos verdadeiros problemas. Brasil-sil-sil-sil!!!!!

* Especial para A VOZ DA SERRA

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