Consumo de álcool por adolescentes: falta acompanhamento

Conselho Tutelar tem cinco membros para cuidar de mais de 24 mil casos de abusos em Friburgo
segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019
por Alerrandre Barros (alerrandre@avozdaserra.com.br)
A  operação sexta à noite na Monte Líbano (Divulgação)
A operação sexta à noite na Monte Líbano (Divulgação)

Três adolescentes foram flagrados consumindo bebida alcoólica na noite da última sexta-feira, 22, na Rua Monte Líbano, no Centro, durante mais uma ação da Secretaria Municipal de Políticas sobre Drogas, junto com diversos órgãos públicos, entre eles, as polícias Civil e Militar, Justiça e Conselho Tutelar. Os responsáveis pelos adolescentes foram acionados por conselheiros tutelares para comparecerem ao local, mas como não foram encontrados, os menores foram conduzidos à 151ª DP. Lá foi lavrado um registro de ocorrência e identificado o estabelecimento responsável pela venda. Em seguida, os jovens foram encaminhados à casa de familiares pelo Conselho Tutelar.

A prefeitura também divulgou que, durante a operação, um homem embriagado foi detido. Ele parou o veículo em fila dupla e deixou só a filha de dois anos, que estava na cadeirinha, junto com um cão, para consumir bebida alcoólica em um bar na mesma rua. O homem, de 40 anos, médico, foi conduzido à delegacia para prestar esclarecimentos. Ele pode responder à Justiça por dirigir alcoolizado e por abandono de incapaz.

Titular da Vara de Infância, Juventude e Idoso de Nova Friburgo, a juíza Adriana Valentim vem acompanhando essas operações de perto. Para ela, ações do tipo coíbem a venda, mas não tratam o problema do consumo de álcool e outras drogas, cada vez mais precoce entre adolescentes. A magistrada afirma que faltam políticas públicas mais concretas no município. “O investimento em educação desde a primeira infância me parece mais importante, porque as crianças e adolescentes deveriam, desde cedo, receber informações quanto aos danos causados pela bebida, tabaco e outras drogas. O acompanhamento e assistência às famílias me parece outro caminho importante, pois visa a identificar os focos de atuação e direcionamento do atendimento. O atendimento precisa ser melhor equipado. Há muita carência de recursos”.

Valentim se refere ao Conselho Tutelar em Nova Friburgo. O conselheiro tutelar Renato Gripp de Souza concorda e descreve a situação: “Somos só cinco conselheiros, acompanhando mais de 24 mil casos, numa cidade com população de mais de 200 mil habitantes. Fazemos de 10 a 30 atendimentos internos e dezenas de outros externos. Atendemos demandas de diversos órgãos, denúncias vindas pelo Disque 100, em um espaço interditado pela Defesa Civil, sem licença do Corpo de Bombeiros, e com somente um veículo para transporte”.

Em meio a esse cenário, o conselheiro prioriza atendimento aos casos mais graves, enquanto os demais ficam numa fila de espera que mais parece uma bola de neve. Para Souza, a prefeitura precisa criar uma segunda unidade do Conselheiro Tutelar, já que a primeira, em funcionamento no espaço do antigo Colégio Cêfel, no Paissandu, possui número máximo de conselheiros, conforme prevê a lei. “Não conseguimos participar de capacitações ou até encontros regionais de conselheiros tutelares por falta transporte. Com o excesso de casos, precisamos ainda lidar com responsáveis que não fazem o acompanhamento devido do filho”. 

Procurada, a Secretaria Municipal de Assistência Social informou que será instalada uma nova unidade do Conselho Tutelar em Nova Friburgo, prevista para acontecer no início do próximo ano, após as eleições dos novos conselheiros tutelares, que seguirá o cronograma estabelecido pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda). "O imóvel onde atualmente atua a equipe do Conselho Tutelar não foi interditado, passou por uma vistoria recente, em 2018, quando foram identificados alguns problemas no forro e no teto, mas que não implicam em risco de desabamento do mesmo. A expectativa é que a unidade seja transferida ainda este ano para um outro local", informa outro trecho da nota. 

A secretaria disse que "o carro que é de utilização dos conselheiros passou por manutenção e tem previsão de retornar ás atividades nesta sexta, 1º de março. O Conselho Tutelar de Nova Friburgo segue a determinação nacional, que prevê a utilização de um carro para cada equipe".

Representante da Sociedade Brasileira de Pediatria para assuntos sobre drogas, o médico João Paulo Becker Lotufo diz que preocupa falta de conscientização dos pais. “Em estudo piloto realizado no Ambulatório de Pediatria do Hospital da Universidade de São Paulo, mostrou-se que o consumo de álcool no ambiente familiar é bastante elevado (43,5%). A bebida alcoólica é seguida, nesse sentido, pelo cigarro (34,5%), pela maconha (27,5%) e pelo crack (11,5%). Os números obtidos em nossa pesquisa preocupam ainda mais porque indicam que o início no uso de álcool e outras drogas começa dentro de casa”.

Isso ocorre, segundo o especialista, porque muita gente não associa a cerveja ao álcool. As propagandas de cerveja na mídia contribuem para iniciação precoce no uso do álcool, diz Lotufo, que orienta que os pais se preocupem com o assunto, especialmente se existem pessoas que têm problema com álcool no ambiente familiar. “Quando pegamos a faixa etária de 17 anos, já temos 60% de experimentação de álcool nos jovens que participaram da pesquisa. O uso começa por volta dos 10 anos e em 20% dos casos já temos usuários de mais de uma dose diária. Isto é, já são dependentes. Se há consumo abusivo de álcool ou outras drogas na família, mais precoce tende a ser a iniciação da criança. E, para qualquer droga utilizada antes da maturação do cérebro (ao redor dos 21 anos), eleva-se o risco de dependência e problemas ligados a ela”, disse o pesquisador.

Para Lotufo, estar ciente disso e detectar as possíveis drogas lícitas ou ilícitas que entram em casa é fundamental para prevenir e saber como lidar com o uso do álcool na adolescência. Segundo ele, colocar em pauta essa discussão e incentivar a troca de ideias com a família foi o único fator positivo para reduzir a experimentação de álcool e drogas pelos jovens, segundo a pesquisa realizada. Esse fator superou a presença de espiritualidade, prática de esportes e participação em atividades culturais.

Nove conselhos do doutor:


1. Pais, estejam sempre ao lado dos filhos. Isso vai levá-los a escutar vocês.


2. Os filhos se espelham no comportamento dos pais. Reflita sobre a oferta de bebidas que você disponibiliza nas festas e encontros em família.

 

3. Discuta os assuntos em família. Aproveite filmes, novelas, notícias de jornal e leituras para falar sobre a prevenção ao uso de drogas. Aquele sermão caso o filho chegue embriagado(a) de uma festa pouco adianta.


4. Não queira de imediato fazer a dosagem de drogas em seu filho.

Muito melhor é gastar esse tempo em conversa e prevenção.


5. Traga os amigos dos seus filhos para dentro de sua casa.


6. Anote o que discutiu com eles para que você possa retomar o aconselhamento num bate-papo próximo e, assim, aprofundar o compartilhamento de informações e reflexões com a família.


7. Não importa a idade do seu filho ou filha. O aconselhamento se inicia ainda no útero. Se a mãe fuma ou o pai bebe em excesso, por exemplo, não há tempo a perder para rever esses hábitos e proteger a família.


8. Doenças como a dependência química podem ter aspecto genético. Então vale investigar os antecedentes familiares. Se há alcoolistas na família, não se deve ter bebida em casa. Em caso de pessoas com problemas psiquiátricos, saiba que o uso de maconha pode antecipar e potencializar alguns transtornos.


9. Seja amoroso e insistente nas questões e conversas sobre drogas. Nunca sabemos qual o ponto que vai pegar e fazer cair a ficha do seu filho. Minha experiência mostra, ainda, que a criança é um excelente veículo para tratar a dependência dos pais.

 

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