Ciro Gomes em Friburgo: “Estou acompanhando o Rio com absoluta proximidade”

Pré-candidato do PDT à Presidência da República em 2018 cumpriu rápida agenda na cidade na noite de quarta
sábado, 16 de dezembro de 2017
por Marcio Madeira
Ciro Gomes conversa com o jornalista Marcio Madeira, de A VOZ DA SERRA (Reprodução da internet)
Ciro Gomes conversa com o jornalista Marcio Madeira, de A VOZ DA SERRA (Reprodução da internet)

Pré-candidato do PDT à presidência da República nas eleições de 2018, Ciro Gomes cumpriu rápida agenda em Nova Friburgo na noite da última quarta-feira, 13, onde discursou para cerca de 200 pessoas sobre os desafios e as origens da conjuntura política nacional. Atencioso com a imprensa, o ex-governador do Ceará e ex-ministro da Fazenda e da Integração Nacional atrasou o início das atividades em aproximadamente dez minutos para conceder esta entrevista exclusiva ao jornal A VOZ DA SERRA, na qual antecipa diversos temas que devem pautar sua campanha no próximo ano.

AVS: Boa parte do eleitorado brasileiro já se sente familiarizado com o senhor, graças às atuações como ministro e às candidaturas à presidência da República em 1998 e 2002. De lá para cá, o que considera que mudou em sua maneira de pensar e fazer política?

Se recuperar os meus textos, livros e entrevistas, que a esta altura são milhares, você vai perceber um traço de coerência. Eu tenho uma indignação, que muitas vezes foi manifestada de forma um tanto enérgica, na medida em que eu era mais jovem. Fui governador com 32 anos de idade, o mais jovem na história do Brasil, e já tinha sido prefeito de uma capital aos 29 anos. Mas eu sou o mesmo Ciro, só que agora avô, sessentão. Conservo a mesma indignação, mas sou hoje mais sereno no olhar sobre as coisas. Até porque eu também fui aprendendo que o Brasil é diferente nas suas linguagens. Então, aquilo que é absolutamente natural na minha comunidade, que é um sintoma de que eu sou um cara sério, que não tenho “rabo de palha”, em outros lugares parecia assustar. Parecia ser uma agressividade meio gratuita. Talvez seja a única mudança, o resto é a mesma coisa.

Com que proximidade ou com que distanciamento o senhor acompanha o que se passa no Rio de Janeiro?

Com absoluta proximidade. Na verdade, eu tenho oferecido ao PDT pequenos seminários para que possamos refletir uma questão para o Rio de Janeiro. Eu acabei desenvolvendo esta intimidade porque tenho estudado o assunto, e tenho para mim que toda a Federação está assim, desmontada, graças a um erro grave que os governadores da época do presidente Fernando Henrique Cardoso cometeram. Essa é a origem do problema do Rio de Janeiro. Assinou-se um acordo de dívida com juros flutuantes que é absolutamente impagável, e neste momento consome 13% da receita corrente líquida do estado. Mas o Rio também cometeu erros internos. O estado possui uma receita que por aí a fora sempre produz efeitos, a ponto de gerar um nome de fantasia: o mundo inteiro conhece como “doença holandesa”. Isso é o seguinte: você recebe um dinheiro que é vinculado aos preços oscilantes de uma riqueza mineral, como o petróleo. Ocorre que o petróleo oscila ciclicamente, isso faz parte da sua história de mercado. Por consistentes anos ele chegou a bater a faixa de 110 a 120 dólares por barril, os royalties evoluíram nesta proporção, e o Rio de Janeiro cometeu o gravíssimo erro de elevar alguns custeios com base nessa receita. Daí, na hora em que o petróleo caiu de 110 para 30 dólares – o que aconteceu entre o primeiro e o segundo mandatos de Dilma Rousseff –, o Rio simplesmente desfinancia uma base de custeio que havia sido mexida de maneira imprudente, com base nessa receita. Então na verdade, salvo os problemas locais, as pessoas sempre acham que o problema está na corrupção, e não deixa de ser, porque a corrupção não tem uma relevância contábil central, mas ela destrói o sistema democrático. Ela impede que governantes sérios possam pedir e repartir sacrifícios com a população. E o Rio vai precisar disso, ainda vai purgar um sacrifício até que consiga retomar seu caminho. Eu tenho pensado muito em como montar uma solução para isso.

Em termos de governo federal, o que poderia ser feito?

É o swap da dívida. Basicamente, você precisa diminuir o tamanho da prestação e capitalizar a diferença para o fim do pagamento, obrigando que essa descompressão seja associada a um investimento. E isso não pode ser feito nos moldes atuais, que envolvem basicamente o Rio se desfazer de patrimônio para pagar gastos correntes e déficit primário com receita onceand for all. Obrigar o Rio a vender a Cedae. Isso é um crime! Fazer com que o Rio de Janeiro assine um acordo para passar dez anos sem contratar novos funcionários por concurso público... Como pode se fazer isso? E também a grande questão previdenciária do Rio. São basicamente estas as questões que, se enfrentadas em interatividade, diante de um projeto nacional que pense isso com centralidade, dá para a gente dar uma virada no jogo.

O senhor já foi ministro da Integração Nacional. Qual a sua visão a respeito do pacto federativo na atualidade? Ele precisa ser alterado?

O pacto federativo brasileiro está rasgado. E não está rasgado pelas obviedades de que a União Federal explodiu a carga tributária, concentrando todo este aumento exponencial, na época do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, em contribuições não partilhadas por estados e municípios, enquanto a vida real explode em tensões e despesas novas para os municípios. Por exemplo: piso nacional de salários para os professores. Nada mais justo. Mas afirmar em Brasília que Cachoeiras de Macacu vai ter que pagar salário igual a Niterói, como piso, é coisa para quem não conhece o Brasil. E ainda se impõe uma Lei de Responsabilidade Fiscal, e uma política de salário mínimo, e ainda se impõe atenção básica e os remédios sobem na proporção da taxa de câmbio. E a receita, claro, não corre... Então cria-se um quadro de endividamento. Especialmente dos estados, porque não existe a menor influência dos estados na política estúpida de juros que explodiu o endividamento das unidades federadas a ponto de quebrar o Rio de Janeiro, quebrar o Rio Grande do Sul, quebrar Minas Gerais e mais 20 estados. E veja, com isso eu não estou perdoando nem absolvendo as gravíssimas besteiras – para ficar numa palavra moderada – que os políticos do Rio fizeram. A mais grave delas, já lhe falei, é ter elevado o custeio com base em receitas que não são seguras, como os royalties do petróleo. E são finitas. Elas não são apenas inseguras durante o tempo em que estão disponíveis, como também é preciso levar em conta que dentro de 30 anos não vai mais ter petróleo. Se o seu custeio é deixado assim, como é que vai pagar? Essa é a doença holandesa. E a corrupção, e os desvios etc, etc. Mas nada pode resolver os problemas do Rio se não houver uma cooperação com o governo federal.

É possível conter a inflação sem asfixiar o crescimento, ou no Brasil a inflação já é um problema cultural?

É perfeitamente possível. A inflação no Brasil não é cultural, mas uma negociata em que, durante décadas, os banqueiros desenvolveram indexadores – que até hoje estão em vigor – de maneira que a inflação é uma doença da moeda que circula entre o povo. Entre os assalariados da classe média. Mas ela é um modo de ganhar dinheiro para quem tem estoque financeiro, em volume que obriga o governo a cobrir esta inflação com uma taxa Selic que hoje, na maior depressão econômica, corresponde a duas vezes e meia a taxa de inflação projetada para o futuro. Isso tudo é uma negociata, e o Brasil precisa revogar essa negociata como Itamar Franco fez lá atrás com o Plano Real, e eu estava lá ajudando.

Com relação ao sistema tributário, o que o senhor mudaria? O sistema lhe parece justo?

Não, é o mais perverso, injusto e ineficaz sistema tributário que eu conheço, como professor de Direito Tributário. O Brasil precisa fazer uma reforma, porque cobra muito mais tributação indireta, que pesa regressivamente. Ou seja: obriga os mais pobres a pagarem mais, dando aos ricos a condição de pagar muito menos. É preciso consertar isso, diminuindo a proporção dos tributos incidentes sobre o consumo, que são os mais fáceis de cobrar, e agravando a tributação sobre patrimônio, herança e renda. A chamada progressividade. Só o Brasil e a Estônia não cobram tributos sobre lucros e dividendos empresariais, e a Estônia não parece ser um bom modelo para o Brasil. A faixa de alíquota de imposto sobre heranças nos Estados Unidos é de 45%, para as grandes fortunas. No Brasil é 4%. Então é evidente que também aí está expresso o conflito distributivo brasileiro, em que você põe os pobres para pagar pela ineficiência dos ricos.

Num momento de tamanha polaridade política o senhor se vê como uma espécie de terceira via, mais moderada?

Não, eu sou a primeira via.

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