Casamento entre homossexuais no Brasil cresce em ritmo maior que o de heteros

União civil homoafetiva passou a ser permitida em 2013; desde então, o Brasil já registrou 3,7 mil casamentos de pessoas do mesmo sexo
sábado, 10 de dezembro de 2016
por Ana Borges
Chico Figueiredo:
Chico Figueiredo: "Senti claramente o preconceito, a falta de preparo civil nos funcionários" (Foto: Henrique Pinheiro)

O casal decidiu: o namoro de José Eduardo, 38 anos, e Antônio Sérgio, 41, que já dura cinco anos, vai virar casamento, ano que vem. Eles moram juntos, dividem despesas, fazem planos e pensam no futuro. "Estando oficialmente casados, cada um de nós, como cônjuge, tem direito ao plano de saúde, ao benefício de pensão, seguro de vida, entre outros direitos", destacou o empresário e analista de sistemas Eduardo.

Sérgio, por sua vez, faz questão de marcar a data com festa, com a presença das duas famílias e amigos. "Será um momento único em nossas vidas e precisa ser registrado, em fotos, filmagens e na memória de todos nós. Merecemos. Queremos celebrar nosso amor cercado pelas pessoas que nos querem bem, que privam da nossa intimidade, conhecem nossos sentimentos e nos apoiam", acentuou Sérgio, que é biólogo.

Esse tipo de decisão tem sido cada vez mais frequente, no país, entre muitos casais homossexuais. Foi o que revelaram as estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2015, as uniões entre casais de sexos diferentes cresceram 2,7% na comparação com 2014. Já as uniões entre casais do mesmo sexo aumentaram 15,7%. Foram realizados mais de 5,6 mil casamentos entre homossexuais, num ritmo muito maior do que as uniões entre homens e mulheres. Desde 2013, os casamentos homoafetivos tiveram um crescimento de 51,7%.

A união civil entre homossexuais passou a ser permitida em 2013, e hoje é uma realidade no Brasil, desde 2011 quando o Supremo Tribunal Federal (STF) equiparou a união homo à hetero. Dois anos depois, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) decidiu que os cartórios brasileiros seriam obrigados a celebrar casamentos entre pessoas do mesmo sexo, e não poderiam se recusar a converter união estável homoafetiva em casamento.  

A equiparação entre homossexuais e heterossexuais permite os mesmos direitos estabelecidos pelo Código Civil, como inclusão em plano de saúde e seguro de vida, pensão alimentícia, direito sucessório e divisão dos bens adquiridos pelos parceiros. Para muitos desses casais, a decisão de oficializar a união veio depois de muitos anos de uma vida em comum, principalmente depois da decisão do STF.

Ainda assim, tem havido muita resistência na sociedade a esse tipo de união, sobretudo quando o casamento é celebrado - o que incomoda ainda mais muita gente. Todavia, vamos reiterar: todos os cartórios do Brasil estão obrigados a registrar o casamento homoafetivo.

União estável tem procedimento mais simples que o casamento homoafetivo

Mas, ainda hoje, há casais que ignoram a legalização da união civil entre gays. “Só quando chegamos ao cartório para fazer a união estável é que descobrimos que o casamento gay no civil também já era permitido", conta o arquiteto Gustavo Lima, que vive há mais de 20 anos com Kleber  Fernandes, professor universitário. Apesar da surpresa, ambos optaram por manter a ideia original de realizar a união estável, cujo procedimento era mais simples.

Para Gustavo e Kleber, a celebração foi um momento marcante e para os convidados também: “A maioria de nossos amigos é gay e nunca havia presenciado um casamento homoafetivo. Foi emocionante, teve gente chorando. Nos sentimos assim como pioneiros em um novo tempo, e desejamos que novas celebrações como a nossa sejam cada vez mais comuns”, comentaram.

A oficialização do registro civil tem significados diferentes para um e outro casal homoafetivo. Um número expressivo ainda prefere a discrição e vê a oportunidade pelo lado prático que a nova situação implica. Sob a pena da lei, os homossexuais se sentem mais seguros de seus direitos, “o que faz uma diferença enorme”, comentou Chico Figueiredo, que viveu 32 anos com Julio Cesar Cavalcante, até o seu falecimento, em abril deste ano.

Há mais de 20 anos, quando Chico morava no Rio, soube por um amigo, que vivia com um arquiteto (que veio a falecer), que já naquela época ele teve direito à pensão do parceiro. “Quer dizer, antes da regulamentação pelo STF e CNJ, as pessoas entravam na Justiça para reivindicar o direito de receber a pensão e defender seu legítimo direito à sucessão em casos de bens comprados em conjunto, como ocorre nos casamentos de héteros”, argumentou.

“Com a regulamentação da lei, a certidão oficial de casamento protege os direitos de todos nós e decidimos oficializar a nossa união, há 10 anos. Como já havia entendimento desse direito, fomos a vários cartórios e 9, entre 10, aqui em Nova Friburgo, recusaram. Em alguns, inclusive, senti claramente o preconceito, a falta de preparo civil nos funcionários. Mas, como disse, um deles se prontificou na mesma hora a esclarecer todos os pontos, os documentos necessários e dar entrada no processo. Quer dizer, quase tivemos que ir ao Rio para formalizar a nossa união”, contou Chico.

Caso Jorge Guinle Filho

Um dos casos mais emblemáticos sobre a questão é a do casal Jorginho Guinle Filho, artista plástico, e o fotógrafo Marco Aurélio Rodrigues, que viveram juntos por quase 20 anos. Com a morte do Jorginho, em 1987, que deixou testamento legando metade de seus bens para o companheiro,  teve início uma verdadeira guerra judicial, que durou 22 anos, com acirramento dos ânimos nos últimos três anos, até 2011, quando Marco conseguiu reaver o apartamento, no Leblon, onde vivia com Jorginho.     

Nos anos 1980, a união estável homoafetiva não era reconhecida e a Justiça desconsiderou a sociedade entre os dois. Com isso, os herdeiros (mãe, inclusive) entraram com ação de reintegração de posse do apartamento do qual Marco fora despejado em 2008. A luta dele foi considerada pioneira no Brasil e ajudou vários casais gays.

Dados no Brasil

De acordo com dados da Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg), o Distrito Federal registrou, nos últimos 24 meses, 245 casamentos entre pessoas do mesmo sexo. No primeiro ano, foram registrados 122 casamentos. No segundo ano, os últimos números confirmaram a média local: foram 123 registros.

Na região Norte, a média anual chega a dez casamentos desde a aprovação da resolução. Fora a inexistência de registros no Acre, Roraima apresentou dois casamentos; Amazonas, sete; e Rondônia, dez legalizações de união estável. Já o Sudeste lidera, com São Paulo em primeiro lugar no ranking nacional (1.945 uniões), seguido pelo Rio de Janeiro, com 211 casamentos, e Minas Gerais, com 209.

Histórico

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgarem a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4.277 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 132, reconheceram a união estável para casais do mesmo sexo. Entretanto, os cartórios de todo o Brasil só passaram a ser obrigados a registrar casamentos entre pessoas do mesmo sexo em maio de 2013, após resolução aprovada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ).

Aprovada durante a 169ª Sessão Ordinária do CNJ, realizada em 14 de maio de 2013, entrou em vigor dois dias depois. Diante da recusa da realização da união entre pessoas do mesmo sexo pelos cartórios, passou a caber recurso ao juiz corregedor da respectiva comarca e até mesmo ao CNJ para o cumprimento da medida.

A equiparação do casamento entre homossexuais e heterossexuais permite os mesmos direitos do casamento, estabelecidos pelo Código Civil, como inclusão em plano de saúde e seguro de vida, pensão alimentícia, direito sucessório e divisão dos bens adquiridos. Antes da resolução do CNJ, a união de pessoas do mesmo sexo era reconhecida como estável, desde que fosse pública, contínua, duradoura e com o objetivo de constituir família. Entretanto, os casais precisavam ingressar na Justiça para que suas uniões fossem reconhecidas.

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