Carlos Mastrangelo: um friburguense premiado nos EUA

Honraria será entregue na OPT, a maior feira de petróleo do mundo
sábado, 09 de março de 2019
por Marcio Madeira (marcio@avozdaserra.com.br)
Carlos Mastrangelo: premiado nos EUA
Carlos Mastrangelo: premiado nos EUA

Em maio, o engenheiro friburguense Carlos Mastrangelo receberá uma das maiores premiações mundiais para seu ramo de atuação, a indústria petrolifera. É o Distinguished Achievement Award for Individuals, entregue pela organização da maior feira de petróleo do mundo, a OTC, em reconhecimento ao papel pioneiro e fundamental que desempenhou para consolidar o uso mundial de unidades flutuantes de produção, armazenamento e descarga. São os FPSOs - Floating Production Storage and Offloading - Unidades de Produção Armazenamento e Escoamento.

A VOZ DA SERRA: Como explicar para um leigo o que são as FPSOs e de que forma elas são relevantes para a indústria petrolífera?

Carlos Mastrangelo: Na década de 1960 a produção mundial de petróleo era predominantemente em campos terrestres. Mais recentemente, ao se iniciar a produção no mar, o usual era a construção de longas estruturas metálicas presas no fundo do oceano, o que permitia reproduzir em sua superfície as condições equivalentes a uma produção em campos terrestres. Entretanto, aumentando-se a profundidade do mar estas estruturas ficaram mais dispendiosas ou mesmo ficaram inviáveis tecnicamente. Hoje a produção de petróleo chegou aos três mil metros de profundidade. Imaginem uma profundidade d’água desde o Rio de Janeiro até muito acima do pico do Caledônia, que na minha infância era o máximo fazer uma escalada! A indústria de petróleo teve então que desenvolver outros tipos de estruturas que pudessem manter-se estáveis em situações como esta. Além de receber o petróleo a estas profundidades, tinham ainda que fazer o seu tratamento separando-se óleo, água e gás, armazenando o óleo tratado em alto mar para depois exportá-los para terra por navios de transferência. Estas estruturas são os FPSOs. Para se ter uma noção da relevância deste tipo de estrutura marítima, que está sendo usada no mundo inteiro, o Brasil produz hoje em torno de 2,6 milhões de barris de petróleo por dia, sendo que quase 80% são produzidos por este tipo de sistema. No mundo todo há mais de 180 FPSOs em operação. Sem eles, muitos dos campos de petróleo não poderiam estar produzindo hoje.

Olhando para trás, poderia contextualizar como esse trabalho começou e quais eram os principais desafios envolvidos?

Eu me graduei em engenharia civil e estruturas pela UFRJ, e logo após em engenharia de petróleo. Naquela época este tipo de sistema não existia como o conhecemos hoje. Não havia tecnologia para isto. Gastou-se muito em pesquisa para se chegar ao que conhecemos hoje. Os desafios não se limitavam a restrições técnicas, mas também a restrições da legislação vigente à época, além da falta de informações para que fosse possível projetar com uma adequada garantia de segurança. Os trabalhos em alto mar são feitos em condições extremas, envolvem altas pressões e temperaturas, fluidos altamente inflamáveis, tudo isto em condições inóspitas de mar, tudo muito distante e isolado de qualquer recurso de terra. Implantar projetos deste porte onde estarão várias vidas a bordo requer muito estudo e detalhamento para que nada saia errado.

Os principais desafios foram os de desenvolver as tecnologias e estabelecer junto aos órgãos reguladores as legislações requeridas, além das especificações necessárias para que os projetos pudessem ser feitos com a segurança necessária. Tudo isto, além de vencer as barreiras usuais e interpessoais de se iniciar atividades novas.

Voltando no tempo, fale sobre suas origens, a relação com Nova Friburgo e como surgiu o interesse por sua área de especialização.

Nova Friburgo foi onde tudo começou. É onde estão minhas raízes, onde criei os valores fundamentais que trago até hoje. Entendo que parte deste reconhecimento mundial tem que ser compartilhado com meus conterrâneos em Friburgo, pois todos compartilham comigo a mesma terra em que se encontram minhas raízes. Assim como tantos friburguenses com antepassados imigrantes, meus avós, Júlia e José Mastrangelo, vieram da Itália e logo tornaram-se friburguenses de coração. Meu pai, Carlos, friburguense e fluminense como ele sempre fazia questão de dizer, casou-se com minha mãe Nilda, e juntos moraram por muitos anos na praça Getúlio Vargas, que eu considerava o quintal de minha casa. De meu pai e minha mãe eu herdei o que tenho de mais valioso, todos os valores que carrego em mim e guiam meus atos a todo momento. Eu acho que a vontade de fazer algo novo, diferente, e deixar alguma coisa para o futuro, eu aprendi com meu pai. Ele era advogado da prefeitura em Friburgo e teve várias iniciativas paralelas e inovadoras, como por exemplo ter iniciado e sido o primeiro presidente da OAB de todo o Norte-Fluminense, por oito anos. Ajudou a fundar várias outras entidades, como a Associação Comercial, Industrial e Agrícola (Acianf), atividades que se perenizaram na vida do friburguense. Ele dizia que começar algo novo era sempre o mais difícil, mas também o mais estimulante. Eu acho que herdei este espirito dele. De minha mãe eu herdei abnegação, dedicação, a preocupação com os outros. Por 13 anos fui responsável por plataformas de petróleo em alto mar no meu início de carreira. Meu maior orgulho desta época é que todos os que trabalharam comigo sempre voltaram para suas casas sem nenhum acidente. E, para complementar, acho que fui muito privilegiado com os professores que tive no Colégio Anchieta. Havia uma perfeita sintonia com os valores que vinham de minha família e ajudaram na nossa formação, minha e de meus irmãos Ana Cristina e Cesar.

Diversos países pelo mundo já estabeleceram datas para o fim da produção de veículos movidos a combustíveis fósseis. Como a indústria vê essa movimentação? Como enxerga esse mercado daqui a trinta anos? O Estado do Rio, que tem uma economia fortemente dependente desta produção, tem motivos para se preocupar?

A transformação da matriz energética do mundo é inexorável. É questão de tempo, vai chegar. Diz-se que o homem não saiu da idade das pedras por falta de pedras, não saiu da idade do carvão, se é que saiu, por falta de carvão, e não vai sair da idade do petróleo por falta de petróleo. Isto é fato. Quanto tempo vai levar? Trinta, 40, 50 anos? Pode-se apostar em alguma tecnologia disruptiva que apresse a transformação, ou pode-se considerar que a transformação será mais lenta, mas a transformação ocorrerá em algum momento. Enquanto isto, como todos nós somos extremamente dependentes de energia, ainda precisamos da energia do petróleo. A História nos mostra a importância social da disponibilidade de energia barata. Na idade média um trabalhador precisava trabalhar quase um mês para comprar uma vela que pudesse iluminar sua casa por algumas horas. Em suma, ele não tinha acesso à energia que permitisse que ele pudesse estudar por algumas horas depois do trabalho. Hoje em dia, um trabalhador que recebe um salário mínimo precisa de apenas alguns minutos de trabalho para que possa pagar pela energia suficiente que ilumine sua casa por vários dias. Portanto, a energia ficou muito barata permitindo uma grande mobilidade social. Restringir o acesso à energia barata seria um retrocesso. O Brasil, e mais especificamente o Rio, tem significativas reservas de petróleo, e a produção destas reservas durante este período em que elas são necessárias para a população torna-se até mesmo estratégica. O ideal para o nosso estado – e mesmo para a cidade de Nova Friburgo, que recebe uma parcela dos royalties do petróleo – seria a criação de um fundo soberano com os recursos desta atividade para que haja uma poupança voltada a permitir uma diversificação das atividades para o futuro. Mas sei que isto é muito complexo, pois há outras prioridades imediatas que concorrem com a formação desta poupança para as próximas gerações.

Do alto de uma carreira tão bem sucedida, ainda é motivado por desafios? Qual a sua principal linha de atuação, hoje?

Não sei se isto é uma motivação de final de carreira ou se trata da mesma motivação do início da carreira, mas hoje estou dedicado a transmitir os conhecimentos, além de consultorias em projetos, principalmente quando estes são mais desafiadores. O importante é perceber que as dificuldades são sempre oportunidades de crescimento, e estas oportunidades não têm fim.

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