Bloco de Notas: A África e o mundo árabe como realmente são

Internacionalista que trabalhou em áreas de risco afirma que países são mais seguros que capitais brasileiras
sexta-feira, 01 de dezembro de 2017
por Guilherme Alt

Formada em Relações Internacionais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), Vivian Alt saiu do Brasil em busca de desafios na carreira. Em 2010, a Tanzânia, na África foi o primeiro dos cinco destinos. De lá pra cá, ela trabalhou em diversas ONGs no Timor Leste, Jordânia, Iraque (Ásia) e Sudão do Sul (África). Com trabalhos voltados para pessoas com deficiência, Vivian morou em países em desenvolvimento e em situação de crise. Atualmente ela reside em Nova Friburgo.

Diferentemente do que muitos brasileiros acham, morar no continente africano ou no oriente médio pode ser tão ou mais seguro do que em uma metrópole brasileira como o Rio de Janeiro. Em um bate papo exclusivo, Vivian falou do seu trabalho e contou como foi a experiência em viver em países de rotina desconhecida dos brasileiros e de boa parte do mundo.

 

AVS: Por que você decidiu ir para esses países?

Eu sempre tive interesse na área de desenvolvimento social e crises humanitárias e daí veio a vontade de trabalhar em países em conflito.

Como a faculdade de Relações Internacionais te preparou para esse trabalho?

A faculdade mostrou que existem outros caminhos que não são somente a diplomacia e comércio exterior.

Em algum momento você sentiu algum tipo de insegurança nesses países?

O ambiente variou muito de um país para outro. A Tanzânia é um país muito seguro, a Jordânia tem uma estabilidade boa nessa área e até mesmo o Iraque, surpreendentemente, é um país muito seguro. A situação era complicada e um pouco diferente no Timor Leste e no Sudão do Sul. Quando se está nesses países você tem que seguir as orientações de seguranças delimitadas pela ONG. Apesar de morar em países complicados e perigosos, de certa forma, seguindo as regras de segurança você não encontra problemas.

E qual foi o seu trabalho nesses cinco países?

Eu trabalho majoritariamente com inclusão de pessoas com deficiência. Esse trabalho foi feito na Tanzânia, na Jordânia, no Iraque e no Sudão do Sul. No Timor Leste foi um pouco diferente porque eu estava pela Organização das Nações Unidas (ONU) e trabalhei focada nas eleições do país.

Morar na África e no Oriente Médio, para os leigos, soa como algo absurdo. O que você pode dizer sobre a imagem que é passada para nós e o que pode ser desmistificado?

Isso vem muito por conta da mídia, principalmente a internacional. O que vende é sempre algo de negativo. Estabelecendo um comparativo, é como se fosse o Rio de Janeiro. Nos países estrangeiros o que passa no noticiário é a violência da cidade. A gente sabe que a cidade tem seu nível de violência elevado, mas não é uma zona de guerra. Você consegue morar lá. Sinceramente, outros países não são diferentes. Talvez no Sudão do Sul seja o mais similar, mas no Iraque, por exemplo, eu nunca tive problema de segurança. A gente sabe que existe um problema sério que é a presença do Estado Islâmico no país, mas onde eu estava não era no “olho do furacão”.

Da mesma forma que morar no Rio de Janeiro é saber onde pisa, não andar em lugares pouco movimentados tarde da noite. Tudo é uma questão de cuidado.

Isso mesmo. Na realidade, usar o Rio como exemplo é só para as pessoas saberem que a situação não tem nada a ver com que as pessoas pensam. Tudo o que se vê desses lugares são bombas, por conta do Estado Islâmico, mas na realidade a atuação por lá era muito tranquila, a gente podia sair na rua, andar a noite sem problema. Existe a ideia ruim de como o mundo árabe trata a mulher. É lógico que existem diferenças de um país para outro, mas eu nunca tive problema. É claro, você tem que se vestir respeitosamente, mas eu nunca precisei usar o Hijab (véu).

Da mesma forma que se fala de África as pessoas pensam que é só fome, miséria e doença, e não é.

Não é. Existe um outro lado. Um lado que está se desenvolvendo muito rápido, principalmente por conta da presença da China. A Tanzânia é um mercado que está em desenvolvimento muito rápido. O Sudão do Sul é uma história diferente porque eles tem uma história de conflito que vem de muitos tempos. É o país mais novo do mundo, formado em 2011, e por razões óbvias ainda está em um estágio anterior, os conflitos no país só pioram a situação, mas existe uma África muito desenvolvida que não tem nada a ver com o que a gente pensa, aqui.

Como foi o trabalho na Tanzânia?

A Tanzânia é um país que me lembra muito o Brasil. Eu me senti muito em casa. Foi o meu primeiro contato com pessoas com deficiência, durante um ano e meio trabalhei com pessoas com deficiência visual. Atuei também em uma organização liderada por pessoas com deficiência visual, isso me deixou próximas da cultura deles e pude entender o desafio. A Tanzânia tem uma cultura mais parecida com a brasileira.

E o Timor Leste?

O Timor é uma ex colônia portuguesa. Lá se fala português, entre outros idiomas, mas é um mundo completamente diferente. Antes do Sudão do Sul, era o país mais recente do mundo (2002) e se encontra em um estágio muito recente de desenvolvimento. A capital é uma coisa e quando você vai mais para o interior, nos distritos a situação é completamente diferente, como se tivesse em um vilarejo.  

E como foi a experiência no Sudão do Sul?

Lá é uma situação um pouco mais extrema porque, como eu falei, eles estão em conflito, o que afeta o desenvolvimento social do país. Mesmo com esses problemas as pessoas são muito receptivas. É impressionante como eles adoram os brasileiros.

E o Oriente Médio?

É um lugar com muitos mitos. Eu me surpreendi muito positivamente na Jordânia e no Iraque. Eu trabalhei com os refugiados sírios na Jordânia e Iraque. Um clima diferente, até por conta da cultura, mas recepção sempre calorosa, as pessoas sempre muito gentis, educadas.

Como era a comunicação entre vocês?

A maioria dos refugiados são pessoas de classe média, que tinham acesso a um bom nível de educação, tinha uma estabilidade, não eram pessoas que estavam vivendo em um estado de extrema pobreza. O conflito na Síria afetou a pessoas de todas as classes. No meu trabalho tinham sírios que dominavam a língua inglesa e quem não falava inglês sempre tinha um intérprete. Foi uma experiência muito boa estar em contato com essas pessoas.

E agora, quais são os seus novos planos?

O esquema para quem trabalha nessa área é diferente do convencional. Eu no caso trabalho por contrato. Estou em alguns processos seletivos. O foco sempre será esse, trabalho em países em desenvolvimento.

 

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