Antonio Callado um senhor repórter

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010
por Jornal A Voz da Serra

Mário de Moraes

Alguns acreditam que, quando a hora final está para chegar, aquele que está prestes a despedir-se deste mundo, tem uma espécie de premonição. Pelo menos foi isso que aconteceu com o escritor, dramaturgo e jornalista Antonio Carlos Callado. Dias antes do seu falecimento, numa entrevista dada à Folha de S. Paulo, lamentou: “Fazer 80 anos é um horror ! É uma idade para o sujeito morrer, nada mais além disso”.

E no dia do seu enterro, sua segunda esposa, a jornalista Ana Arruda, ao atirar pétalas brancas sobre o seu caixão, declarou: “Fui tão feliz com esse homem tanto tempo que dá para aguentar. Para mim, é um consolo muito grande saber que ele achava que era hora de ir embora. Ele estava cansado”.

Callado comemorou os 80 anos no dia 26 de janeiro de 1997. E faleceu dois dias depois.

Um brasileiro na BBC

Poucos jornalistas e escritores brasileiros podem apresentar tantas e tão boas realizações durante sua vida profissional. Antonio Callado nasceu a 26 de janeiro de 1917, em Niterói (RJ). Caçula e único filho homem do médico e poeta parnasiano Dario Callado e da professora Edite Pitanga, ele tinha três irmãs.

A imensa biblioteca do pai o fascinava e, desde menino, adquiriu o hábito da leitura, principalmente de livros de autores franceses e do nosso Euclides da Cunha. Em 1939, formou-se em Direito, mas nunca pretendeu exercer a profissão de advogado. Quando, em 1941, a Segunda Guerra Mundial estava no auge, foi contratado pela rádio inglesa BBC para trabalhar no departamento voltado para o Brasil.

Em Londres, presenciou os terríveis bombardeios da aviação nazista, que quase destruíram a capital inglesa. Na BBC trabalhava uma inglesinha, Jean Maxine Watson, que funcionava como assessora para a América Latina. Apaixonou-se por ela. Casaram e tiveram três filhos, Paulo, Antonia (já falecida) e Tessy. Em 1944, mudou-se para Paris, contratado pela Radio- Diffusion Française. E em 1947, voltou ao Brasil.

Muito antes, em outubro de 1937, aos 20 anos, iniciara sua carreira de jornalista, escrevendo pequenas crônicas para o jornal A Notícia, do Rio de Janeiro. Nesse mesmo ano entrou para o Correio da Manhã (RJ). Em 1939, foi para O Globo onde, até 1941, assinou uma coluna com o pseudônimo de Anthony Callado. Ele não se conformava, porém, com a rigorosa censura do Estado Novo, implantada pelo ditador Getúlio Vargas. Por isso, aceitou o emprego na BBC de Londres, quando essa rádio montou uma equipe para enfrentar a intensa propaganda hitlerista, com jornalistas transmitindo em 57 idiomas.

De volta ao Brasil, foi trabalhar novamente no Correio da Manhã.

Um jornalista exemplar

Callado teve importantes participações na reportagem, como em 1948, quando cobriu a 6ª Conferência Pan-Americana, na Colômbia, e assistiu de perto o Bogotazo, uma das mais violentas rebeliões populares da América Latina. Uma luta que marcou política e definitivamente um jovem estudante de direito, que se encontrava naquele país: Fidel Castro.

Em 1952, Callado acompanhou a expedição do filho do coronel inglês Fawcett à Amazônia, à procura dos restos do pai, que sumira em 1925, quando procurava a cidade perdida do Xingu. Escreveu, então, uma magnífica reportagem, Esqueleto na Lagoa Verde, que já demonstrava sua forte preocupação com o futuro do índio brasileiro. Na ocasião, declarou Callado: “O índio não faz perguntas embaraçosas pelo simples fato de não conhecer o embaraço. Ainda vive aquém do bem e do mal”.

Em 1954, quando Pedro Costa, redator-chefe do Correio da Manhã, faleceu, Callado assumiu o seu lugar, nele permanecendo até 1959. Nesse ano assinou a série de reportagens Os industriais da seca e os galileus de Pernambuco, uma violenta denúncia contra as desigualdades sociais do Nordeste. Celso Furtado, na época diretor da Sudene, recordaria esses trabalhos em sua autobiografia A fantasia organizada.

Quando o regime militar instalou-se no Brasil, Antonio Callado pediu demissão do Correio da Manhã. Ele não se conformava com o fato de terem afastado seu colega Carlos Heitor Cony, devido a coluna que este assinava e que criticava os governantes de então. Foi, então, para o Jornal do Brasil, onde passou a exercer a função de editorialista. Em 1965, foi acusado de subversão e preso junto com outros intelectuais. Entre eles, Gláuber Rocha e Carlos Heitor Cony. Na cadeia Callado teve a ideia de escrever Quarup, seu romance mais famoso. A obra foi lançada em 1967 e adaptada para o cinema, por Ruy Guerra, em 1989. O livro, de conteúdo explosivo, conta dez anos da História do Brasil, do suicídio de Getúlio Vargas ao golpe de 1964. Tudo visto através do jovem padre Nando. Callado foi preso mais quatro vezes, durante o regime militar.

Em 1967, ele teve seus direitos políticos cassados por 10 anos. Absorveu o golpe e, em 1971, escreveu e lançou a novela Bar Don Juan, na qual, de forma irônica, fala na sua descrença da luta armada contra a ditadura.

Na Guerra do Vietnã

Em 1968, Antonio Callado realizou seu melhor trabalho de reportagem. Depois de dez meses de insistentes pedidos, ele conseguiu um visto do governo revolucionário do Vietnã do Norte e embarcou para esse país em plena guerra. Foi o primeiro jornalista latino-americano a escrever sobre o sangrento conflito. A série de reportagens que assinou tiveram tal repercussão, que o The New York Times comentou-as com destaque. As autoridades norte-vietnamitas, impressionadas com a isenção do trabalho de Callado, encarregaram-no de levar, para os Estados Unidos, 30 cartas de prisioneiros americanos. Mais tarde, ele transformaria essas reportagens num livro, Vietnã do Norte, advertência aos agressores.

Àqueles que criticaram sua visão esquerdista da Guerra do Vietnã, chamando, inclusive, os vietnamitas de heróis, Callado respondeu, por escrito, que obteve suas informações “perguntando diretamente aos dirigentes de Hanói, a heróis de guerra, camponeses em arrozais e roças de mandioca e a pilotos americanos no cárcere”.

Sempre se disse um homem de esquerda e, numa de suas últimas entrevistas, reafirmou : “Nunca me filiei a nenhum partido. Permaneço fiel, absolutamente fiel, ao que fui e sou: um homem de esquerda, que crê no socialismo”.

Embora tenha se aposentado do jornalismo em 1975, Antonio Callado continuou a colaborar na imprensa, como colunista da Folha de S. Paulo.

Tempo de escritor

Em 1976, resolveu dedicar-se em tempo integral à literatura e publicou o romance Reflexos do baile, a sua obra preferida. Rascunhava seus textos à mão, para depois passá-los a limpo numa velha máquina de escrever. No final, tinha uma datilógrafa para esse serviço. Sempre elegante, no falar e no vestir, dono de um humor ágil, fino e certeiro, foi batizado por Nelson Rodrigues como “ o único inglês da vida real”. E pelo psicanalista Helio Pellegrino, “um doce radical”.

Além de autor de diversos livros, Antonio Callado também assinou muitas peças teatrais, a maioria delas focalizando problemas sociais. A primeira, de 1951, é O figado de Prometeu. A cidade assassinada é de 1954.. Mas é na terceira, Frankel, de 1955, que Callado dá um consistente tratamento dramático ao seu trabalho. Com Pedro Mico – sua peça mais conhecida –, de 1957, ele comemora seu primeiro sucesso de bilheteria. Nessa versão, ela teve a direção de Paulo Francis, cenário de Oscar Niemeyer e participação do ator Milton Moraes, que viveu a história de um morador da favela da Catacumba (que ficava no bairro carioca da Lagoa e foi extinta ao tempo do Governador Carlos Lacerda). Pedro Mico foi a primeira peça de uma série denominada pelo próprio Callado de Teatro Negro, referindo-se aos problemas raciais existentes em nosso país. Entre elas, O tesouro de Chica da Silva, A revolta da cachaça e Uma rede para Iemanjá. As peças de Callado, de profundo cunho social, retratando as desigualdades existentes no Brasil e defendendo os marginalizados, foram escritas de 1957 a 1982.

Os livros de Antonio Callado podem ser divididos em três categorias: reportagem, biografia e romance. Nos primeiros, Esqueleto na Lagoa Verde, de 1953; Os industriais da seca, de 1960; Tempo de Arraes, de 1965; Vietnã do Norte, de 1969 e Entre o deus e a vasilha, de 1985. Como biografia, apenas Retrato de Portinari, de 1957. Finalmente, os romances: Assunção de Salviano, de 1954; A madona do cedro, de 1957; Quarup, de 1967; Bar Don Juan, de 1971; Reflexos do baile, de 1976; Sempreviva, de 1981; A expedição Montaigne, de 1982 ; Concerto carioca, de 1985 e Memórias de Aldenham House, de 1989.

Até pouco antes de falecer, Antonio Callado trabalhava no seu último romance. Indagada a respeito, Ana Arruda declarou que “Antonio era muito reservado. Ele só me deixava ler quando já estava tudo terminado e passado a limpo. Agora é que vou ler”. Informou, porém, que, para o marido, a obra estava incompleta.

O fim de um imortal

Antonio Callado faleceu na Clínica São Vicente, no Rio de Janeiro, ao lado da filha, a atriz Tessy Callado, no dia 28 de fevereiro de 1997. Ele sofrera uma queda em seu apartamento, que provocara-lhe fratura no colo do fêmur. Bastante debilitado devido a um câncer na próstata, contra o qual lutava há 12 anos, e que o levou a fazer duas cirurgias (em 1984 e em 1989), não teve forças para resistir.

Imortal, eleito em 1994, seu corpo foi velado na Academia Brasileira de Letras. Antes que a primeira foto de Callado no caixão fosse batida, Ana Arruda, a esposa, procurou melhorar sua aparência, argumentando: “Quero apresentar meu marido como ele sempre foi: digno, bonito e elegante”.

Antonio Callado foi sepultado no Cemitério São João Batista (RJ), vestindo o fardão da ABL, que ele tanto detestava. Os prefeitos de Niterói – sua cidade natal – e do Rio de Janeiro decretaram luto oficial de três dias.

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