“Amo a minha identidade surda”

A psicóloga e professora Luciana Dantas Ruiz fala sobre importância da língua de sinais
sábado, 20 de outubro de 2018
por Paula Valviesse (paula@avozdaserra.com.br)

Luciana Dantas Ruiz, que é surda, alcançou muitas conquistas com apoio da família, especialmente com a dedicação de sua mãe, a advogada Maria José. Acompanhada nos estudos por ela, Luciana cursou os ensinos fundamental e médio em escolas tradicionais de Nova Friburgo e, também através da educação regular, formou-se em psicologia na Universidade Estácio de Sá. Tudo isso, tendo como primeira língua o português, trabalhando a comunicação oral e treinando a leitura labial.

“Fui diagnosticada quando tinha dois anos, pelo médico Ângelo Chaves, mas antes disso meus pais já haviam percebido que eu tinha problema de audição. Só comecei a trabalhar a metodologia de oralista, para treinar a leitura labial e a emissão de sons, a partir dos quatro anos. Na minha época não tinha fonoaudiólogos, foi a minha mãe quem buscou orientação para poder trabalhar comigo. Ela foi a minha fono, professora e educadora, e me acompanhava nos estudos ”, conta Luciana, hoje com 51 anos.

A surdez de Luciana é de nascença. Quando estava grávida, a mãe teve rubéola, uma doença infecto-contagiosa, hoje praticamente erradicada no país graças à vacinação. A rubéola congênita, transmitida da mãe para o feto, é a forma mais grave da doença, porque pode provocar malformações como surdez e problemas visuais na criança. Ou até mesmo provocar o aborto.

Para ajudar na inclusão da filha, Maria José fez cursos presenciais em outros estados e também por correspondência, com instruções vindas de várias instituições, inclusive de outros países. Assim, a advogada tornou-se também professora em sua busca por conhecimento sobre como lidar, estimular e desenvolver uma forma de comunicação com a filha.

“Foi graças à minha mãe, que se dedicou integralmente ao meu tratamento, me preparando para conviver normalmente com as pessoas ouvintes, que eu me incluí na sociedade. O apoio da minha mãe e da minha família foram decisivos no meu desenvolvimento como sujeito. Mas eu não aceitava a minha identidade surda, pois não a conhecia. Eu cresci com muito esforço, decorava e copiava as frases mas nem sempre compreendia os significados e tive muita dificuldade, pois cresci na minha segunda língua que é o português”, explica Luciana.

A língua natural dos surdos

Somente aos 33 anos ela se encontrou nessa identidade, ao ingressar em sua segunda graduação: Letras/Libras, no polo do Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES), da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC):

“Foi a primeira turma formada no curso de Letras/Libras. Só tinha alunos surdos e professores surdos e ouvintes fluentes em Libras. Este curso foi maravilhoso, foi o meu alívio. Hoje eu sou muito feliz, amo minha identidade surda”, declara Luciana.

Ao conhecer a Libras (Linguagem Brasileira de Sinais), Luciana também conheceu e se reconheceu na comunidade surda. E foi neste momento, que ela chama de “revolução na vida”, que ela descobriu que a língua de sinais é a língua natural dos surdos, ou seja, a primeira língua.

Partindo desta conclusão, a militante pelos direitos educacionais e linguísticos dos surdos, destaca o quão fundamental é orientar as famílias com crianças surdas. Para ela o desenvolvimento precoce da língua de sinais é de extrema importância para dar significações do mundo à criança surda. Inclusive, a formação integrada de profissionais sobre a orientação dessas famílias foi tema de sua tese de mestrado em “Diversidade e Inclusão”, pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Hoje ela é mestra, com especialização em educação inclusiva.

“É importante não confundir língua e linguagem. Segundo o pai da Linguística, Saussure (filósofo suíço, Ferdinand de Saussure), a língua é somente parte essencial da linguagem, um conjunto de regras criadas pelos grupos sociais para promover o uso da linguagem. Enquanto a linguagem é constituída por todo um processo de significação simbólica, envolve todos os sistemas verbais e não verbais”, explica.

Escolas bilíngues

Outro ponto comentado é a questão dos tipos e graus de perda auditiva. Compreender que pessoas que nascem ou desenvolvem perdas auditivas na primeira infância ( 0 aos 3 anos) não possuem condições sensoriais de desenvolver as línguas orais como as crianças ouvintes. Usando seu caso como exemplo, Luciana reforça o esforço necessário para alcançar a oralidade.

“Naquela época, a orientação era outra: não fazer mímica e aprender a emitir os sons para haver integração com família e na escola, inclusão em todas as atividades possíveis. Hoje destacamos que, para o desenvolvimento pleno da criança surda, é preciso que ela tenha contato desde pequena com a língua de sinais e a cultura surda. E é ainda fundamental que a família também aprenda, o melhor possível, Libras”.

O ideal para o desenvolvimento das crianças seriam as escolas bilíngues: com aprendizado de Libras e português, pois assim há a junção dos professores e colegas como sinalizadores com a Libras na construção/instrução da linguagem (leitura e escrita alfabética):

“A inclusão será total quando os direitos de escolhas da criança surda forem respeitados e a prioridade, ao invés de cirurgias e implantes, passarem a ser as orientações à adesão da língua de sinais”.

 

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