Carro maldito?

sábado, 11 de agosto de 2018

Entre todos os motivos que podem tornar um veículo exclusivo, talvez nenhum seja tão interessante quanto aquele que se relaciona à própria história do objeto. A quem ele pertenceu? Quem ele já transportou? Foi usado em algum filme? O que aconteceu dentro dele?

Lembro, por exemplo, de ter visto aqui mesmo, em Nova Friburgo, no conceituado encontro anual de carros antigos, um Landau que em 1980 havia transportado o Papa João Paulo II, em sua grande viagem ao Brasil em 1980. Ora, em termos de peças, o carro é exatamente igual a qualquer outro com as mesmas especificações. Mas passa a ter um predicado diferente e intransferível, não?

Imagine então o tipo de aura que não terá sido atrelada, por exemplo, ao Gräf and Stift Double Phaeton que transportava o arquiduque Francisco Ferdinando e a duquesa Sofia (Império Austro-Húngaro) no momento em que ambos foram assassinados por Gavrilo Princip, no episódio que serviu de estopim para a Primeira Guerra Mundial... Talvez não deva surpreender, portanto, que passados mais de cem anos desde aquele episódio, este automóvel tenha servido de inspiração para muitas lendas, ganhando a reputação de ser um carro amaldiçoado. Fabricado em 1910, e à época pertencente ao Conde Francisco Von Harrach, conta-se que o modelo teria participado ativamente da morte de mais de uma dúzia de donos posteriores, no que parece uma narrativa saída da franquia cinematográfica “Premonição”.

A “história” só veio a público em 1959, e cresceu nos anos seguintes em meio a detalhes que parecem destinados à falta de confirmação. Conforme matéria publicada em 1981 pela Weekly World News, com informações atribuídas a um suposto curador do museu militar de Viena (Áustria) na década de 1940, chamado Karl Brunner, o carro – que continua exposto no mesmo local até hoje – não poderia ser ocupado por nenhum dos visitantes, para evitar que novas mortes viessem a acontecer.

“Após o armistício, o recém-apontado governador da Iugoslávia restaurou o carro completamente. No entanto, após sofrer quatro acidentes e perder seu braço direito, ele sentiu que o veículo deveria ser destruído. Seu amigo, Dr. Srikis, discordou. Zombando da ideia de que um carro pudesse ser amaldiçoado, ele o dirigiu alegremente por seis meses, até que o carro, capotado, foi encontrado acima de seu corpo esmagado.”

Seu proprietário seguinte, Oskar Portiorek, teria acabado em um manicômio por problemas mentais provocados por uma derrota militar. Em seguida, segue a lenda, um capitão do exército que herdou o carro morreu enquanto o dirigia, ao se chocar contra uma árvore.

“Outro doutor tornou-se o próximo dono, mas quando seus pacientes supersticiosos começaram a deixá-lo, o carro foi vendido a um piloto de corridas suíço. Numa prova de estrada nas Dolomitas o carro o arremessou sobre um muro de pedra e ele morreu com o pescoço quebrado.”

“Um fazendeiro abastado comprou o carro, cujo motor parou de funcionar certa vez, na estrada para o mercado. Enquanto outro fazendeiro o rebocava para reparos, o veículo subitamente rosnou em aceleração e atingiu lateralmente o carro que o rebocava, enquanto corria pela estrada. Os dois fazendeiros foram mortos.”

“Tiber Hirschfield, o último dono particular, decidiu que tudo que o carro “vermelho-sangue” precisava era de uma cor menos sinistra. O veículo foi pintado num tom azul inofensivo, e utilizado para transportar o dono e cinco amigos a um casamento. Hirschfield e quatro de seus convidados morreram numa colisão frontal horrível.”

“A essa altura o governo já tinha visto o suficiente. O carro, reconstruído, foi embarcado para o museu. Numa tarde, no entanto, bombardeiros aliados reduziram o local a um amontoado de borracha em chamas. Nada foi encontrado de Karl Brunner e do veículo amaldiçoado. Nada, isto é, exceto por um par de mãos decepadas segurando um fragmento de volante.”

Mas se as lendas em torno da suposta maldição carecem de substância e certamente fermentaram em meio a exageros, (o museu, por exemplo, nunca foi destruído, o carro não é azul nem tampouco a Iugoslávia tinha “governador” em 1918) é possível afirmar com certeza a existência de ao menos uma coincidência extremamente perturbadora envolvendo o carro que serviu de palco para o chamado “Assassinato de Sarajevo”: a placa do Gräf and Stift continha a data do armistício.

Fotos comprovam que a identificação atual, AIII 118, é a mesma utilizada no fatídico dia de junho de 1914. Visualmente, ela sugere a interpretação “A (armistício?) 11-11-18”, exatamente a data em que o conflito terminou. Muitos anos após o término da guerra, quando pela primeira vez esse detalhe foi percebido, causou muita inquietação.

Uma ótima semana a todos.

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Márcio Madeira da Cunha

Sobre Rodas

O versátil jornalista Márcio Madeira, especialista em automobilismo, assina a coluna semanal com as melhores dicas e insights do mundo sobre as rodas

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