Está você aproveitando a vida?

quinta-feira, 02 de agosto de 2018

Um dia almocei na casa de um conhecido numa região de praia do litoral fluminense. Um outro convidado era um homem de meia idade, forte, atlético, todo tatuado, que contou sua experiência de vida enquanto saboreávamos um gostoso almoço vegetariano. Aquele indivíduo, que depois se tornou meu amigo, narrou que na adolescência pegou uma mochila, colocou pertences nela e partiu para o mundo. Abandonou a casa dos pais que moravam num país vizinho. Viajou como aventureiro. Conviveu com índios na Amazônia, peregrinou por estados brasileiros, precisou pegar resto de comida em latas de lixo, vivia cheio de revolta. Se radicou no Brasil, desenvolveu práticas em halterofilismo e tatuagem.

Com cabelos pretos, pele morena e porte atlético, ele contava sua trajetória aventureira e ao final perguntei: O que sobrou disto tudo? Ele olhou para mim, ficou quieto uns dez segundos e em seguida caiu num pranto compulsivo. Parece que a revolta contra os pais, contra Deus, contra o “sistema”, que o havia levado a cair no mundo, resultou em nada e naquele momento teve um insight entendendo o vazio de sua vida até aquela data.

Alguém me falava de um casal que foi fazer mais uma viagem ao exterior. E ela, então, me disse: “Eles estão aproveitando a vida!” Aproveitando a vida. O que é aproveitar a vida? Depende da visão de vida de cada um, do significado que a pessoa dá para o viver. Tudo termina com a morte? Há algo além dela? Há um céu onde é possível chegar? O que é preciso para chegar lá? Pode-se perder o acesso a ele?

Independente da crença sobre o significado da vida, se pensarmos com honestidade, lucidez, sinceridade, não será difícil compreender que alguém pode viver uma vida inútil, egoísta, só pensando em si, não fazendo nada para ajudar a aliviar o sofrimento dos outros, ou pode decidir viver uma vida compenetrada, com atitudes altruístas sem conflito de interesses. Qual delas você tem vivido?

Já pensou no significado de sua vida, ou você vive no automático, sem pensar nisso? Viver no automático parece normal, e significa dormir, acordar, fazer higiene pessoal matutina, tomar desjejum, trabalhar ou se está aposentado, fazer qualquer coisa (com ou sem significado útil), almoçar, voltar ao trabalho ou ir dormir, jantar, assistir TV, conectar-se na internet, dormir, acordar etc. Você pode fazer isto 40, 50 anos ou mais sem parar para pensar: o que estou fazendo com minha vida? O que quero deixar de bom ao morrer?

Se você pensar em deixar bens materiais e nada mais, lamento, mais sua vida terá sido um fracasso. O que você quer deixar para seus filhos, para seus netos, para seus vizinhos, para sua comunidade? Que contribuição você quer oferecer para um mundo melhor? Pensando nestas coisas me veio à mente a pessoa de Jesus Cristo. É incrível como que ele tinha um sentido profundo para a vida, significado útil, prático, eficaz, nada egocêntrico, totalmente voltado para o alívio do sofrimento de pessoas de qualquer raça, gênero, crença, classe social.

Quando chamado para socorrer alguém numa vila vizinha, ele ía para lá andando e parava aqui e ali para atender um cego, socorrer uma viúva desesperada pela morte do filho, curar uma mulher com hemorragia que tinha gasto todo o seu dinheiro com médicos sem resultado, dizer palavras de ânimo para mães aflitas com a educação dos seus filhos etc. Você acha que ele parava num bar à beira do caminho dizendo aos seus discípulos: “Vamos tomar um chopinho bem gelado, está tão quente, vamos jogar conversa fora e aproveitar a vida”?

Ele tinha compenetração no significado da vida e queria deixar algo valioso para as próximas gerações, que não era nada de material porque ele era pobre. No final de sua vida o que você dirá? “Aproveitei a vida! Assisti 96 novelas, 132 filmes de ação, 245 filmes de comédia, 344 filmes de drama e 234 de ficção. Gastei milhares de horas postando fotos minhas na internet. Visitei 46 países. Transei com um monte de gente. Ganhei muito dinheiro. Adquirir muitos imóveis e veículos.” Daí uma pessoa perguntará: que mais? E você dirá: “Que mais o quê?” – caindo ou não em pranto.

Ou você, dirá: “Deixo muitas famílias pobres melhor alimentadas, estou alegre por ter auxiliado centenas de pessoas a conseguir emprego, deixo meu exemplo de honestidade para meus filhos e netos ao rejeitar propostas corruptas que me dariam muito dinheiro, mas que teria deixado uma rastro imbecil de comportamento fraudulento. Deixo pessoas aliviadas por terem recebido ajuda minha com coisas simples e mais complicadas.”

Está você aproveitando a vida de que maneira? Perdendo a vida com egoísmo e futilidades ou ganhando a vida com altruísmo e práticas úteis para a raça humana?

TAGS:
César Vasconcelos de Souza

Cesar Vasconcellos de Souza

Saúde Mental e Você

O psiquiatra César Vasconcellos assina a coluna Saúde Mental e Você, publicada às quintas, dedicada a apresentar esclarecimentos sobre determinadas questões da saúde psíquica e sua relação no convívio entre outro indivíduos.

A Direção do Jornal A Voz da Serra não é solidária, não se responsabiliza e nem endossa os conceitos e opiniões emitidas por seus colunistas em seções ou artigos assinados.