Não passarão

sexta-feira, 22 de junho de 2018

Um grupo de homens brasileiros foi para a Rússia participar da Copa do Mundo. Lá, resolveram beber e brincar. Afinal, brasileiro é alegre e o melhor do Brasil são os brasileiros. Juntos, os homens escolheram o “brinquedo” da vez: uma mulher russa que de forma inocente embarcou na brincadeira do povo mais festivo do mundo. Não, eles não representam todo o povo brasileiro. Não, mulher não é brinquedo, nunca foi e nunca será.

O vídeo que viralizou nas redes sociais é constrangedor. Muitas mulheres, inclusive eu, sentiram-se acuadas só de assistirem àquela cena dos homens adultos, aparentemente embriagados, reunidos, com uma mulher estrangeira ao meio, no país dela, tentando ser acolhedora, sem falar o idioma, sem entender o que estava acontecendo, confiando que a alegria que estava transparecendo naquele momento era genuína, sem ao menos imaginar que ela era o centro das piadas machistas e violentas. Uma cena absolutamente sem graça e profundamente estarrecedora. A imagem dela está no mundo todo sofrendo a violência daquelas “piadas”, daquele coro infame de cunho sexual.

Apesar de tudo isso, ainda ontem li (e ouvi)  que “o povo do politicamente correto está passando dos limites”, “não se pode nem mais brincar?”, “gente exagerada”, “estão acabando com a reputação dos pais de família”. E a reputação da moça? E os limites dela? Brincadeira?  

De doerem os ouvidos, de arderem os olhos. Mas tudo bem. Pensar é livre. Ainda bem que os tempos estão nitidamente mudando. Que bom que as pessoas não acham mais graça na humilhação de outra pessoa. Felizmente a realidade está se transformando.

Não se pode admitir que um grupo de homens constranja, ofenda, ridicularize uma mulher daquela maneira e que atitudes lamentáveis como essa permaneçam no campo do “os brasileiros são legais”. Isso não é legal.  Seres humanos podem ser a pior versão do respeito e da civilidade.

Colocar-se no lugar do outro é uma tarefa árdua para muitos, mas esse exercício talvez pudesse aproximar um pouco do que as mulheres sentem quando são ofendidas, coagidas, constrangidas, violadas pelas “brincadeiras” de péssimo gosto dos homens. Repito, isso não é brincadeira. Viola a honra, a moral, a imagem, a integridade.  Agride, machuca. Causa dor, sofrimento, vergonha, medo, sentimento de impotência. Sem contar as repercussões jurídicas que podem e devem advir para punir pessoas que extrapolam, literalmente, a dignidade do outro. Sem falar no péssimo exemplo que dão aos outros. Nos novos tempos, atitudes como essa, não passarão.

Frase da semana:

A cultura não faz as pessoas. As pessoas fazem a cultura. Se uma humanidade inteira de mulheres não faz parte da cultura, então temos que mudar nossa cultura.

Chimamanda Ngozi Adichie

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Paula Farsoun

Com a palavra...

Paula é uma jovem friburguense, advogada, escritora e apaixonada desde sempre pela arte de escrever e o mundo dos livros. Ama família, flores e café e tem um olhar otimista voltado para o ser humano e suas relações, prerrogativas e experiências.

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