Maria, Maria

sábado, 03 de novembro de 2018

“Mas é preciso ter manha
É preciso ter graça
É preciso ter sonho sempre
Quem traz na pele essa marca
Possui a estranha mania
De ter fé na vida”

Quanta inspiração navegou por Milton Nascimento ao compor a letra dessa música, Maria, Maria. Quanta verdade ela expressa. A mim, toca profundamente. Maria sou eu, é ela, são todas as mulheres. A vida requer manha, gana, graça, força sem tamanho. Requer coragem para sonhar, persistência para buscar, sabedoria para equilibrar.

Quantas mulheres vivem buscando conciliar as frentes. Um malabarismo constante. Sem fim. Muitos pratos a serem equilibrados ao mesmo tempo. E poucas mãos. A tarefa não é fácil. Ser mulher não é missão simples. Essa constatação não é e nem nunca será expressão de vitimismo. É realidade, nua e crua. Só quem é, sabe.

Mulheres batalham há séculos em busca de uma igualdade que deveria existir desde sempre. Mulheres acumulam funções dificílimas de serem conciliadas. Mulheres buscam forças em fonte que parece ser inesgotável. Mulheres não têm tempo para adoecer, e se adoecerem, a vida segue do mesmo jeito. Mulheres abrem mão do seu para se doarem a um filho. Mulheres sofrem comparações diárias. São submetidas a competições insanas. São cobradas injustificadamente. E trabalham duro. Todo santo dia, do acordar ao dormir. E se possível fosse, mulher trabalharia dormindo. No lar, no altar, no bar, em qualquer lugar.

Mulheres travam batalhas inglórias para estarem em pé de igualdade no mercado de trabalho. São testadas de forma diferente. Precisam provar que seus reais atributos não são vistos a olhos nus. Aliás, não são deixadas em paz pelas propagandas de consumo. São instadas o tempo todo para serem belas, como se o cartão de visitas fosse sempre a aparência. Aparência magra, claro. “ Pois mulher que não é magra é mulher que não se cuida”.

Quanta demanda esquisita. Não vejo nexo em nada disso. Mas alienada que não sou, conheço bem a história. Sei de onde vem. Sei pra onde querem nos levar. É preciso resistir. As conquistas das mulheres devem seguir linha reta e para cima. Avante. Sem retroceder .

Tem que ter fé na vida mesmo. Milton Nascimento está certo. É uma mistura de dor e alegria. Eu, que ando alegre, por vezes sinto dor. A dor da preocupação de quem não deseja andar pra trás. O peso de quem almeja o respeito de todas as ordens. De quem conquistou às custas de muito esforço de muitas de nós e que não aceita abrir mão. A responsabilidade de quem enxerga com límpida clareza que tanta gente insiste em tapar nossos olhos. De quem resiste e continua andando. Para frente e para cima. Enfrentando com bravura e dignidade todo e qualquer objetivo pelo meio do caminho. Porque mulheres são fortes. Sim. É de nascença. Não há como negar.

Quantas Marias sendo caladas, violentadas, assassinadas. Quantas Marias sendo demasiadamente cobradas. Desmerecidas. Insultadas. Jogadas umas contra as outras. Quanta gente trabalhando firme, dia e noite, para enfraquecer as Marias. Para que se olhem com desdém. Para que se desmereçam. Para que se enfraqueçam. Que esqueçam seu real valor. E seu enorme poder. Para quem voltem à submissão de onde bravamente saíram. Para que se esqueçam quantas de nós deram as vidas pelo propósito de liberdade, independência, igualdade e dignidade.

Não podem cegar as Marias. Não todas. Não ao mesmo tempo. Porque mulher tem uma força de dentro capaz de superar a avalanche de preconceito. Porque a mulher é dona de si, escolhe seu caminho, conhece seus direitos. Mulher não é boba não. Mulher é força, gana, garra, graça e sonho. Sempre.

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Paula Farsoun

Com a palavra...

Paula é uma jovem friburguense, advogada, escritora e apaixonada desde sempre pela arte de escrever e o mundo dos livros. Ama família, flores e café e tem um olhar otimista voltado para o ser humano e suas relações, prerrogativas e experiências.

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